Bundesliga e Serie A se movimentam: pedras que rolam não criam limo

Duas das maiores ligas do mundo estão colocando em discussão suas estruturas, formas de operar, estratégias novas e evoluções – e servem de exemplo para o Brasil

Cesar Grafietti

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Inter de Milão, atual vice-campeã italiana, e Bayern de Munique, atual decacampeão alemão, se enfrentaram pela 1ª rodada da Champions League 22/23 (Photo by Marcio Machado/Eurasia Sport Images/Getty Images)
Inter de Milão, atual vice-campeã italiana, e Bayern de Munique, atual decacampeão alemão, se enfrentaram pela 1ª rodada da Champions League 22/23 (Photo by Marcio Machado/Eurasia Sport Images/Getty Images)

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Muito tem se falado a respeito das mudanças pelas quais o futebol brasileiro está passando, com a chegada das SAFs e a possibilidade de uma liga de clubes. Movimentos fundamentais para um negócio que precisa se estruturar para se tornar relevante. Ou melhor, para aumentar sua relevância.

Em 2019, participei junto ao time da EY de um estudo sobre o PIB do futebol brasileiro para a CBF, no qual apontamos que a indústria do futebol representa 0,7% do PIB brasileiro. Nesta semana, a Fifa reportou que o negócio do futebol movimenta US$ 286 bilhões anualmente e que só os clubes arrecadam perto de US$ 45 bilhões. Os clubes brasileiros aportam cerca de US$ 1 bilhão desse montante, ou algo como 2% do total, com concentração de 75% na Europa.

Muito bem. A criação de SAFs relevantes segue a passos conservadores e cautelosos, como deve ser. Movimentos como o do Bahia junto ao City Football Group, no qual participei por meio da consultoria Convocados – que neste ano lançou o “Relatório Convocados / XP: Finanças, História e Mercado do Futebol Brasileiro” – são fundamentais para que tenhamos mais clubes estruturados como empresas e com parceiros certos. Isto permitirá movimentos sólidos e perenes.

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Independente disso, ainda vemos muitos clubes reticentes em relação ao tema SAF. Quando perceberem a situação, talvez demorem mais para resolvê-la, seja se organizando melhor como associação, seja buscando alternativas corporativas.

Já a questão envolvendo a criação da liga de clubes tem altos e baixos. O que deveria ser um único grupo negociando e se organizando em torno de conceitos e estratégias únicas acabou virando uma guerra de egos e conversas truncadas.

Não tenho dúvidas que a liga sairá em algum momento. Entretanto, tudo indica que estamos nos dirigindo a um cenário pouco animador neste momento.

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Grupos divididos demandam alguém independente e distante dos aspectos políticos, pronto a colocar as conversas numa linha de raciocínio lógica. Enquanto optarem por seguir com os profissionais de sempre, todos com algum tipo de restrição aqui ou acolá, permaneceremos atrasados em relação aos demais mercados do mundo.

Mercados que não ficam acomodados, aliás. Nesta semana, vimos dois movimentos em ligas europeias que estão olhando para o futuro em busca de maior representatividade no cenário internacional.

Se a Premier League e a LaLiga se colocam numa posição de destaque, as demais precisam mudar ou terão que se contentar em serem coadjuvantes num mercado que se consolida de alguma forma.

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A Bundesliga International, braço de negócios da liga alemã para o mercado internacional, apresentou por meio de seu CEO, Robert Klein, um projeto de se tornar a segunda maior liga em termos de direitos internacionais, atrás apenas da Premier League.

O objetivo é obter um crescimento de receitas ao longo das próximas duas janelas de renovação, ultrapassando a Serie A da Itália e a LaLiga espanhola entre 2028 e 2029. Hoje, a liga alemã tem a quarta maior receita com venda de direitos internacionais.

O objetivo é claro: explorar melhor mercados da Ásia e das Américas, especialmente os EUA. No caso dos americanos, a ideia é explorar o ciclo da próxima Copa do Mundo, que será em 2026, ano em que vence o atual contrato de direitos da Bundesliga com a ESPN.

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Um dos argumentos de venda da Bundesliga para os mercados internacionais é o fato de a idade média dos atletas que disputam a competição ser de 26,6 anos, bastante baixa. Depois de os clubes investirem mais de € 2 bilhões em centros de treinamentos nos últimos 10 anos, a liga alemã quer se posicionar como um local em que é possível acompanhar os craques do futuro.

Por sinal, essa é a mesma ideia da Ligue 1 francesa: vender-se como a liga dos jovens talentos.

Seguindo a linha dos alemães, a Serie A italiana realizou um evento na semana passada para debater o futuro do futebol no país. Apesar do título europeu em 2021, a Itália está fora da segunda Copa do Mundo consecutiva, o que acendeu um forte sinal de alerta sobre o futuro do “calcio”.

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Apesar de ter se consolidado como a terceira liga mais forte da Europa, os clubes italianos seguem distantes das conquistas europeias, e têm se contentado com títulos como a Conference League. É pouco.

Ainda mais num momento em que diversos investidores estrangeiros, substancialmente americanos, chegam ao futebol local em busca de oportunidades. Logo, é preciso avaliar as fragilidades e propor soluções para atacá-las.

No evento, foram abordados alguns temas considerados prioritários para um salto qualitativo do futebol local:

(i) sustentabilidade financeira, com corte de custos e mais eficiência na busca de novas receitas, de forma a controlar o aumento de dívidas e a necessidade infinita de aporte dos acionistas, o que mantém inalterado o modelo de gestão por mecenato;

(ii) categorias de base, com formação qualificada de atletas locais, que hoje ficam relegados a segundo plano nas equipes locais e não despertam interesse de clubes de outros países;

(iii) venda de participação na liga para uma media company, como a LaLiga fez recentemente com o fundo CVC, que é visto como uma alternativa importante para melhorar a forma de negociar direitos e aumentar receitas;

(iv) forte controle da pirataria, pois os serviços de assinatura dos jogos da liga contam com cerca de 5,5 milhões de assinantes, mas estima-se que outros 2 milhões acompanham os jogos por meio de serviços piratas, o que reduz ainda mais as receitas locais; e

(v) reforma e construção de novos estádios, que estão entre os mais velhos da Europa, algo que limita as possibilidades de fazer novas receitas e entregar um produto televisivo de boa qualidade.

Isso tudo e nem falei ainda dos inúmeros debates sobre a necessidade de mudança na forma de se praticar o futebol no país, que se sente impotente em relação a clubes que apresentam um jogo mais dinâmico.

Veja, estamos falando de duas ligas que estão entre as maiores do mundo. Mesmo assim, ambas colocam em discussão suas estruturas,  formas de operar, estratégias novas e evoluções.

Ninguém fica parado, sob o risco de ser engolido pelos mais fortes, o que pode gerar uma espécie de consolidação natural do futebol.

O futebol brasileiro precisa urgentemente fazer a coisa andar, para não ficarmos novamente no “quase” e deixarmos que o limo tome conta da nossa estrutura.

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Cesar Grafietti

Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti