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Ana Luísa Gusmão*
Resenha: “A Lei”, de Claude Frédéric Bastiat
Claude Frédéric Bastiat, nascido em 29 de junho de 1801 durante a Era Napoleônica (1799 – 1815), em Baiona, região da Aquitânia, foi um economista, escritor e jornalista da Escola Liberal Francesa. Ele é considerado um precursor da Escola Austríaca de Economia e da Escola da Escolha Pública, tendo escrito o tratado de economia Economic Harmonies, reconhecido internacionalmente. Inspirou Ronald Reagan, que o chamou de um de seus economistas favoritas, e também Margaret Thatcher, que dizia que Bastiat era um dos economistas que mais a influenciaram: “Ao mergulhar nos escritos de Bastiat, descobri uma defesa elegante e poderosa da liberdade e da autonomia individual” e “Bastiat nos lembrou de que a sensação de poder vai dos indivíduos para cima, e não do Estado para baixo. É uma mensagem atemporal”. Além disso, Alain Madelin o reconheceu como uma inspiração: “Basicamente, Bastiat nos lembra de que o pensamento liberal, antes de ser pensamento econômico, é também e, sobretudo, um pensamento filosófico, jurídico e político da libertação do homem […]”. A International Policy Network concede anualmente o Bastiat Prize ao melhor artigo de imprensa defendendo as liberdades econômicas e sociais.
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Filho de Pierre Bastiat, um homem de negócios bem-sucedido, tornou-se órfão ainda criança. Tinha sete anos quando perdeu sua mãe, e nove, quando perdeu seu pai. Acabou sendo criado por seus avós paternos e sua tia. Durante o reinado de Luís XVIII (1814 – 1824), período pós napoleônico, deixou o colégio e optou por exercer a mesma profissão de seu pai, na área de exportação, em sociedade com seu tio, não ingressando no ensino superior naquele momento. Em seguida, tentou negócios na agricultura da propriedade de Mugron. Anos depois, estou em Paris História, Política, Filosofia, Economia Política e outros temas.
No efervescer de cenário político pós-Revolução de Julho – um movimento de caráter liberal e popular liderado pela burguesia francesa que derrubou do trono o rei Carlos X e seus posicionamentos conservadores extremos que remontavam ao absolutismo – foi que Bastiat passou a ser mais ativo politicamente. Ele se tornou juiz de paz em Mugron em 1831 e exerceu o cargo até 1847.
Foi em 1844 que a sua carreira como economista decolou, aos 43 anos, quando ele enviou ao Journal des Economistes seu primeiro artigo, intitulado “Sobre a influência das tarifas francesas e do inglês no futuro dos dois povos”, que foi um sucesso tamanho que sucedeu diversas outras publicações, posteriormente, sob o nome de Economic Sophisms. Paralelamente, publicou seu primeiro trabalho, intitulado Cobden and the League; em 1846, já em Paris, foi eleito membro correspondente do Institut de France.
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Em Paris, representou a maior oposição à política protecionista, foi secretário-geral da Association pour la liberté des échanges, e nele criou o jornal Le Libre-Échange, do qual foi redator chefe .
Após a Revolução Francesa de 1848, a qual encerrou a Monarquia de Julho (1830-1848) e levou à criação da Segunda República Francesa, Bastiat foi eleito para a assembleia legislativa nacional como deputado dos Landes, reeleito em 1849, chegando a ser vice-presidente do comitê de finanças. Seu único parâmetro de voto era a liberdade natural, logo, ora votava com os conservadores, ora com os socialistas.
Nesse período, Bastiat foi um opositor ferrenho ao socialismo e ao protecionismo, além de promover o livre comércio e os direitos individuais. Durante o Tour de France, em que se comprometeu a promover ideais liberais, contraiu tuberculose, partiu para a Itália para tentar se recuperar e morreu em Roma em 1850.
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A Lei
O ensaio A lei, escrito em junho de 1850, poucos meses antes de sua morte, é um dos textos mais difundidos de sua obra, em que responde ao questionamento sobre o que seria a lei. Relativamente simples e curto, o ensaio muitas vezes faz críticas em forma de sátira a qualquer ação do governo, por meio da lei, que não seja para impedir injustiças. Na visão do autor, tendo um papel de direito negativo, a única forma de se impedir a injustiça seria o uso da força para garantir os direitos naturais dos homens, dados por Deus e anteriores à lei humana, quais sejam, (i) à vida – e, portanto, à pessoa e à individualidade; (ii) à faculdade – e, portanto, à liberdade e ao trabalho; e (iii) à produção – e, portanto, à propriedade, que é o fruto do trabalho.
O texto começa com uma denúncia (“a lei pervertida! (….) servindo à iniquidade”), apresenta os três “dons de Deus” enumerados anteriormente, e define a lei como organização coletiva do direito individual de legítima defesa. O direito coletivo, posterior ao direito individual, por este último seria legitimado ao substituir as forças individuais de proteção da individualidade, da liberdade e da propriedade, por uma força comum que se organiza para garantir a segurança de cada indivíduo, para que cada indivíduo não tenha que, por si só, garantir a sua própria defesa. Assim, não haveria como, logicamente, a força comum ser usada para destruir a pessoa, a liberdade, ou a propriedade de indivíduos ou grupos.
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Essa seria a única forma de garantir uma nação com um governo justo e estável, pois, nesse regime, cada um compreenderia que possui todos os privilégios, assim como todas as responsabilidades – ao Estado caberia apenas garantir a segurança. Nessa não-intervenção estatal nos negócios privados, as necessidades se desenvolveriam em uma ordem natural de progresso e equilíbrio. Aqui, reflito se essa hipótese pode realmente ser tomada como premissa. No desenvolvimento do raciocínio de Bastiat, entendo por que de ele adotá-la, contrapondo-a a um legislador que busca controlar o indivíduo e se colocar acima da sociedade. Mas acho essa análise simplista, haja vista ser impossível pré-determinar que os indivíduos, em um contexto de Estado mínimo, seguiriam sozinhos para um equilíbrio pacífico, com todos os seus desejos satisfeitos. Se cada indivíduo é livre o bastante para dizer “não” a um Estado controlador, que o trata como incapaz de escolher, pelo contrário, se este pode escolher onde morar, como trabalhar, se estudar ou não, como quer dispor de seus bens, é plenamente possível que uma pessoa – ou um grupo de pessoas – escolham caminhos ruins para si e para os outros. E que esses caminhos ruins, muitas vezes consequências de vícios, tragédias, doenças ou outros revezes da vida, podem levar a desgraças que, cumuladas, não sabemos a proporção exata – talvez tão grandes a ponto de não podermos falar do desenvolvimento de uma ordem natural pacífica.
De todo modo, essa idílica hipótese do que seria o futuro humano se a lei funcionasse dentro dos parâmetros tidos como corretos não poderia se concretizar: já teria sido a lei pervertida pela ambição estúpida e pela falsa filantropia. Mesmo que todos os homens desejassem a autopreservação e o autodesenvolvimento, desejar-se-ia mais ainda viver e prosperar uns às custas dos outros. Daí vem o conceito de espoliação – ilegal e legal. A lei pervertida protegeria a espoliação tida como ilegal.
A propriedade vem do trabalho, próprio ou de sua apropriação por outra pessoa. Essa espoliação só é impedida quando há consequências a quem visa a espoliação, dadas pela força coletiva, por meio da lei.
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No entanto, a própria lei é feita por um homem, ou um grupo de homens, eles mesmos sujeitos às mesmas paixões e tendências vis. Por isso que a lei, segundo o poder do legislador e em seu próprio proveito, destrói a individualidade, pela escravidão, a liberdade, pela opressão, e a propriedade, pela espoliação.
Todas as classes espoliadas tentam, por vias pacíficas ou revolucionárias, participar de algum tipo de espoliação. Ou quer-se cessar a espoliação, ou busca-se participar dela.
Há alguns resultados para a espoliação legal, como, por exemplo, a ofuscação da noção de justo e injusto das consciências, pois, na opinião de Bastiat, consideramos como legítimo tudo o que é legal. Na verdade, o conceito de legalidade e o conceito de legitimidade são distintos. Não se pode supor que uma lei seja justa pelo simples fato de ser uma lei.
O autor fala sobre sufrágio universal – na verdade, sufrágio universal dos capazes. O direito ao voto reside na presunção de capacidade do indivíduo. Excluem-se os incapazes porque o voto afeta a todos, individualmente. No entanto, todas as discussões sobre sufrágio seriam inócuas se a lei se restringisse à proteção das pessoas, das liberdades e das propriedades, pois invariavelmente teríamos como resultado a “paz pública”. Aqui, não entendi muito bem exatamente o raciocínio do economista, ou talvez eu apenas não concorde – mesmo que a finalidade da “paz pública” fosse atingida pelo voto “menos” universal, não necessariamente haveria legitimidade para tal. E quem dá a legitimidade? No Brasil, o próprio povo, cuja definição de indivíduo capaz está em lei. Talvez seja uma tautologia e seja isso que ele queira dizer.
Se a lei pudesse tirar de uns para dar a outros, se pudesse lançar mão da riqueza adquirida por todas as classes para aumentar a de algumas delas, então cada classe aspiraria, e com razão, a lançar mão da lei. As classes excluídas reivindicariam furiosamente o direito ao voto e à elegibilidade. Não é esse o direito à assistência? As classes não iam querer ser legisladores para darem esmolas em grande escala? Faço um paralelo com o nosso governo assistencialista. O programa Bolsa-família poderia ser enquadrado nesse espólio legal, assim como o auxílio emergencial da Covid-19. Não sou a pessoa mais indicada para discorrer sobre políticas públicas, mas não nego que é possível que haja um contexto específico, em nossa sociedade, para a assistência governamental; por outro lado, pela conceituação de Bastiat, todas elas seriam espoliação legal.
Pela lei, a tarifa é uma violação da liberdade. Pela lei, a tarifa protetora é uma violação do direito de propriedade. E o socialismo, para Bastiat, é espoliação legal. A lei poderia, nesse sentido, usar todo o aparato da magistratura, da polícia, guardas e prisão em prol do espoliador, tratando como criminoso o espoliado que se defende. Para identificar o que seria a espoliação legal, bastaria verificar se a lei tira de algumas pessoas aquilo que lhes pertence e dá a outras o que não lhes pertence, beneficiando um cidadão em detrimento dos demais. Alguns exemplos são tarifas, protecionismo, benefícios, subvenções, incentivos, imposto progressivo, instrução gratuita, garantia de empregos, de lucros, de salário mínimo, de Previdência Social, de instrumentos de trabalho, gratuidade de créditos, etc.
Há a espoliação parcial: sistema vinculado ao eleitorado parcial; a espoliação universal: sistema vinculado ao eleitorado universal; e a espoliação nula: princípio da justiça, da paz, da ordem, da estabilidade, da harmonia, do bom senso.
A função da lei deveria ser a ausência da espoliação e, por conseguinte, a proteção dos direitos de cada indivíduo. A lei seria justiça organizada. O fato de a justiça ser organizada pela lei excluiria o uso da lei (a força) para organizar qualquer outra atividade humana, seja trabalho, caridade, agricultura, comércio, indústria, educação, arte ou religião. A organização pela lei de qualquer uma dessas atividades trairia a organização essencial. Será que não existe uma função necessária da lei, no Brasil atual, para regulamentar as atividades? Entendo e não concordo com um controle estatal no sentido de oprimir e coagir indivíduos. Mas como conviver com a completa desorganização das atividades, por exemplo, o ensino? Não deve haver algum grau de regulamentação da educação? E qual seria esse grau compatível com cada atividade? Seria o limite o ataque às liberdades individuais essenciais? E quais seriam elas? Na educação, por exemplo, entendo que no Brasil atual o direito de os pais terem a liberdade de ensinar seus filhos na modalidade de homeschooling é ferido quando o Estado proíbe essa prática. Tampouco o Estado é capaz de promover a educação – haja vista a precarização da educação básica em nosso país. Parece-me haver um objetivo oculto, que é o de moldar as mentes das crianças, exatamente como é explicado por Bastiat nos capítulos seguintes do ensaio.
O autor também coloca que algumas pessoas não acham suficiente que a lei seja justa, querem torná-la filantrópica. Essa não seria a função da lei, já que a cada indivíduo é assegurado, naturalmente, que busque seu próprio desenvolvimento físico, intelectual e moral. Pelo contrário, com a lei filantrópica, exigir-se-ia o bem-estar, a educação e a moralidade sobre a nação. Não haveria como a fraternidade ser legalmente forçada, se a liberdade não fosse legalmente destruída e, em consequência, a justiça em si fosse destruída.
Haveria três sistemas de espoliação: o protecionismo, o comunismo e o socialismo. A espoliação legal estaria baseada em uma falsa filantropia.
Para o socialismo, segundo Bastiat, se a lei organiza a justiça, poderia também organizar o trabalho, a educação e a religião. A questão é que a lei, organizando a justiça, exigiria do homem apenas que se abstivesse de prejudicar a outrem, apenas salvaguardando a personalidade, a liberdade e a propriedade dos demais. Portanto, a lei se mantém na defensiva e defende a igualdade de direitos para todos.
A lei é um conceito negativo. Ela não deve dizer o que deve ser feito, ela deve dizer o que não pode ser feito. A finalidade da lei é impedir que a injustiça reine. Mas quando a lei impõe – uma forma de trabalho, um método ou conteúdo de ensino – não está mais agindo negativa, mas sim positivamente sobre os homens. A lei passa a fazer de tudo e tutelar os homens, que perdem sua personalidade, sua liberdade e sua propriedade. Será que o homem precisa mesmo de tutela?
Sobre a caridade, há pessoas que precisam de dinheiro. Mas a lei não é um banco, um caixa eletrônico, havendo a necessidade de todos contribuírem para o benefício de alguns. Só promoveria a igualdade se tirasse de alguns para dar a outros. Então, para Bastiat, seria injusta a distribuição de riquezas por meio da lei.
Bastiat denuncia a crítica dos socialistas contra os liberais, como se esses últimos fossem individualistas contra qualquer tipo de igualdade social, caridade, distribuição, ao passo que os primeiros seriam de boa-índole, defendendo a fraternidade, a solidariedade, a associação (mas, em última instância, a espoliação). O que acontece é que o liberal não repudia a organização natural, a fraternidade natural, ou a associação natural, mas apenas quando são forçadas.
O liberal se opõe à intromissão do governo, e não à sociedade. Governo e sociedade são conceitos completamente distintos.
Interessante a crítica severa que Bastiat faz aos escritores socialistas. Diz que estes fundamentam suas teorias em uma hipótese comum: dividem a humanidade em dois grupos, sendo o primeiro a humanidade e, o segundo, o escritor sozinho, que se propõe a organizar toda a sociedade, moldá-la, tal qual argamassa, por meio da força da lei. E assim inventa leis sobre tarifas aduaneiras, impostos, assistência social e escolas. Mas, por que certas pessoas precisariam ser moldadas pela lei, pressupondo-se que são ruins, enquanto o legislador, que também é uma pessoa, seria a bondade suprema, capaz de dar forma aos outros? Não faz sentido, na visão de Bastiat. O legislador teria que ver a humanidade como matéria inerte, que receberia vida, moralidade, organização e prosperidade pelo poder do Estado.
Nessa corrente de pensamentos, Bastiat denuncia a extrema arrogância de Rousseau, que partia da ideia de que há uma total passividade no homem e, ele mesmo, Rousseau, reinaria soberano até mesmo sobre os próprios legisladores e lhes ensinaria seus ofícios em termos imperativos, com comparações simplistas entre legislador e povo versus agricultor e terra, e com estratégias de observação para determinar que tipo de legislação seria necessária para determinada sociedade.
Bastiat também denuncia as ideias de Raynal, que diz que a humanidade é moldada pelo legislador. O Estado educaria e formaria as crianças “corrigindo” e “curando” costumes, ou seja, controlando centralmente a consciência individual.
A denúncia continua, numa análise dos escritos de Mably, que diz que as leis, estando frouxas, necessitariam ser apertadas pelo governo. Ora, o que seria esse “aperto”, senão uma repressão?
Os autores da educação clássica, sob a perspectiva do economista liberal, pretendiam se colocar acima da humanidade, a fim de arranjá-la, organizá-la e regulá-la à sua maneira. O grande erro desses autores seria tratar o homem como matéria inerte, aguardando receber de tudo de um grande príncipe, um grande legislador, ou um grande gênio, o qual manipularia e subjugaria pela força e imposição.
Bastiat define liberdade como o conjunto de todas as liberdades: liberdade de consciência, de ensino, de associação, de imprensa, de locomoção, de trabalho e de iniciativa. É tudo aquilo que qualquer pessoa pode fazer sem lesar o outro, ou seja, todo tipo de faculdade inofensiva, reduzindo-se a lei, portanto, à sua única atribuição racional de regularizar o direito individual de legítima defesa ou de repressão da injustiça.
Rousseau e outros autores do século XVII e XVIII desejariam sujeitar a humanidade às suas propostas tiranias filantrópicas, verdadeiros experimentos sociais artificiais de como achavam que as sociedades deveriam ser. E os socialistas desejariam a ditadura. Robespierre disse que o legislador começa por indicar a finalidade para a qual se institui uma nação. Uma vez determinada essa finalidade, o governo apenas tem que dirigir as forças físicas e morais da nação para essa finalidade. Segundo Billaud-Varennes, o povo não deveria ter senão os preconceitos, os hábitos e as afeições que o legislador autorizasse. E, em última instância, Mably defendia a instauração de uma ditadura caso fosse “necessária” para promover a virtude – necessário para quem, eu me perguntaria, e qual seria essa virtude. A frase de Mably assusta de tão absurda: “o meio necessário para estabelecer a virtude é o terror.” Ou seja, como bem aponta Bastiat: ele quer realizar a reforma da humanidade por meio do terror. O quão grande não é essa arrogância? Ele prefere a ditadura para fazer prevalecer, pelo terror, seus próprios princípios.
Outro exemplo de arrogância extrema é citado por Bastiat quando Louis Blanc diz que “em nosso projeto, a sociedade recebe o impulso do poder”. Em que consistiria o impulso que daria à sociedade o poder de governar? Na imposição do projeto de Blanc, sendo, neste caso, a sociedade, o gênero humano. Em outras palavras, o gênero humano receberia o impulso do Senhor Louis Blanc, que espera que seu projeto seja a lei e, por conseguinte, imposto pela força do poder.
Portanto, com o socialismo, não se escaparia jamais deste círculo vicioso: a ideia de homens passivos e o poder da lei usado por grande número de pessoas para mover o povo. Inércia radical da humanidade, onipotência da lei, infalibilidade do legislador. O ciclo sem fim. E ainda há uma contradição: na hora de votar, o povo é sábio, o sufrágio deve ser universal; depois da eleição, o povo é considerado inerte e carente de um legislador onipotente. O que mudou? A social-democracia seria a “salvação” da humanidade, que inclusive é má, além de inerte (tanto que devemos tirar dela a liberdade), mas, ainda assim, se defendia o voto a qualquer custo, apaixonadamente, em todas as circunstâncias?
O liberalismo defende o poder de escolher não aderir aos experimentos sociais, não ter um governo que decida por isso.
Além do mais, se ao governo é dado um imenso poder, a ele também a dado uma imensa responsabilidade. Na educação, por exemplo. Se há um monopólio da educação, o governo se arroga a responsabilidade de prover ensino no lugar dos pais e professores, que foram privados de suas responsabilidades. Todas as expectativas estarão sobre o governo.
Portanto, para Bastiat, a lei é a força comum organizada para agir como obstáculo à injustiça. Em outras palavras, a lei seria a justiça. Onde e quando seria legítimo o uso da força? Na defesa coletiva, na lei organizando o direito individual à defesa. Sendo a lei a própria justiça, haveria um governo simples e duradouro. Ele diz que não sairia desse governo insurreição, revolução ou motim contra uma força pública que só reprime a injustiça. Sendo a lei a própria justiça, deveria dar a cada pessoa liberdade para que ela própria, a partir do autodesenvolvimento, atingisse a sua dignidade. Dessa forma, a solução do problema social estaria na liberdade. Finalmente, dentro dos limites do Direito, tudo deveria ser feito pela livre e espontânea vontade do homem, nada deveria ser feito por intermédio da lei ou da força, a não ser a justiça universal.
Um dos últimos temas tratados no ensaio é a caridade. Coloca-se que lei e caridade não são a mesma coisa. Não haveria filantropia por meio da lei se houvesse, ao mesmo tempo, espoliação e opressão. E não existe uma filantropia “pura” por meio da lei.
Finaliza o autor tal qual um manifesto, exortando a todos a rejeitarem as manias de administradores governamentais com seus projetos socializados, suas centralizações, seus preços tabelados, suas escolas públicas, suas religiões oficiais, seus créditos livres, seus bancos gratuitos ou monopolizados, suas regras, suas restrições, sua piedosa moralização ou igualação pelos impostos. E que se defendesse a liberdade, um ato de fé em Deus e em sua obra.
*”Ana Luísa Gusmão, formada em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (2014) e pós-graduada em Estratégia Empresarial pela Saint Paul Business School (2019), é advogada de negócios da Votorantim S.A. e prospect do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo – IFL SP.”