Contribuintes contestam “fórmula” sobre compra e venda de imóvel para reduzir ITBI

Valor de referência do bem, segundo especialistas, pode custar até 15% a mais que o real

Gilmara Santos

(getty images)
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A fórmula criada por algumas prefeituras para estipular o valor venal de referência dos imóveis e assim definir o cálculo do ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) tem sido motivo de descontentamento entre os contribuintes, que estão recorrendo à Justiça para contestar a cobrança.

A discussão foi parar no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que, em fevereiro, declarou que não pode ser utilizado o Valor Venal de Referência, criado pelo município como base de cálculo do imposto. A decisão foi confirmada pela Corte, em agosto, quando rejeitou um novo recurso da Prefeitura de São Paulo.

A medida tem impacto imediato de reduzir as novas transações imobiliárias em valores significativos, mas também pode permitir que quem comprou um imóvel há menos de cinco anos e tenha pagado mais do que devia possa pedir a restituição do tributo. “A Prefeitura de São Paulo criou essa nova regra em 2005 e, de lá para cá, houve uma enxurrada de processos judiciais contra isso”, explica Kelly Durazzo, advogada especializada em direito imobiliário.

“No início de 2022, os contribuintes foram beneficiados com uma decisão do STJ na qual o valor da transmissão deve ser o declarado pelos contribuintes e não o valor do IPTU, devendo prevalecer a sua declaração — pela boa-fé — afastando o valor venal utilizado pelas prefeituras”, comenta Rubens Ferreira Jr, advogado tributarista da Advocacia Ubirajara Silveira.

Kelly lembra que um de seus clientes fez a integralização de um imóvel com valor de transação de R$ 7 milhões, o valor venal era de R$ 17 milhões e a base de cálculo, conforme a fórmula da prefeitura, era de R$ 23 milhões. “Com essa base de cálculo, o valor do ITBI foi de R$ 699 mil, ou seja, R$ 480 mil a mais em apenas um caso”, diz a advogada.

O advogado Rocco Cecilio Castanho Dias, do escritório Porto Lauand Advogados, conta que o seu escritório teve um caso no qual a Prefeitura de São Paulo efetuou o cálculo para recolhimento de ITBI no valor total de R$ 109.967,47.

“Em razão da abusividade da cobrança da prefeitura, foi ajuizado mandado de segurança com objetivo de assegurar o recolhimento do ITBI com base nos valores efetivamente utilizados na transmissão dos bens. O recolhimento total efetuado pelo contribuinte à título do imposto foi de R$ 49.684,65”, comenta.

Com o julgamento do recurso repetitivo pelo STJ, explica Kelly, a base de cálculo ficou definida como o valor venal do imóvel, não o que está no IPTU, mas o valor que as partes declaram na transação.

Dias sugere que, para verificar eventual distorção na cobrança, seja feito um comparativo entre os seguintes valores: valor venal de IPTU atribuído ao imóvel em negociação, o valor da transação e o valor venal de referência de ITBI.

“Na grande maioria dos casos, o valor venal de referência de ITBI é superior ao valor venal de IPTU atribuído pela prefeitura ao imóvel. Lembrando que se o valor venal da transação for superior aos outros dois valores, a base de cálculo será o valor da transação. O que acontecia (e por vezes acontece) em São Paulo: o valor venal de IPTU e o da transação eram inferiores ao valor venal de referência de ITBI e aí surgiu a discussão jurídica de ilegalidade e de inconstitucionalidade”, comenta Dias. “São Paulo defende que o valor venal de IPTU é defasado, e o valor venal de referência de ITBI representaria o valor do imóvel mais aproximado ao valor real de mercado”, complementa o advogado.

Também é importante dizer que o valor venal de referência de ITBI não existe em todos os municípios. Em muitas cidades, a base de cálculo do ITBI é o valor venal de IPTU ou valor da transação, devendo ser escolhido para o cálculo o de maior valor.

Para quem teve a cobrança feita em um patamar maior do que o permitido, o advogado sugere, num primeiro, ingressar com recurso na esfera administrativa. “Com base em nossa experiência, providências nesse sentido são pouco efetivas. O contribuinte pode solicitar uma avaliação especial para verificação do valor que deverá ser pago a título de ITBI. Nos casos em que o tributo já tenha sido pago, é possível fazer o pedido de restituição do imposto cumulado com o pedido de avaliação especial do imóvel”, diz.

“Caso a intenção do contribuinte seja efetuar o pagamento do valor do imposto que entenda correto, recomendamos o ajuizamento de mandado de segurança. Caso o contribuinte opte em realizar o pagamento do valor exigido pela prefeitura para somente depois discutir e recuperar o valor pago maior, temos como alternativa jurídica o ajuizamento de Ação de Repetição de Indébito Tributário.”

“Todo comprador deveria entrar com uma ação para pagar menos ITBI, pois 13”, finaliza Ferreira Jr.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou, por meio da Procuradoria Geral do Município, “que permanece na defesa jurídica dos interesses da cidade de São Paulo e da legislação municipal, utilizando-se dos mecanismos e dos recursos cabíveis em relação ao julgamento do Recurso Especial 1.937.821/SP, que ainda não transitou em julgado”.

Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC