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O primeiro debate para as eleições presidenciais colocou frente a frente, na noite deste domingo (28), os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto para a disputa pelo Palácio do Planalto a 35 dias do primeiro turno.
Assuntos como políticas públicas para as mulheres, combate à corrupção, economia e educação estiveram no centro das falas dos presidenciáveis. O debate foi organizado em pool pelos veículos Folha de S. Paulo, UOL, Bandeirantes e Cultura, e durou quase três horas.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que juntos concentram cerca de 80% das intenções de voto nas pesquisas, protagonizaram embates e foram os principais alvos dos adversários.
O esperado confronto da dupla ocorreu logo na primeira possibilidade de interação entre os candidatos. Por sorteio, Bolsonaro foi o primeiro selecionado a perguntar e escolheu Lula para debater sobre casos de corrupção envolvendo a Petrobras.
O atual presidente disse que a estatal se endividou em R$ 900 bilhões em consequência de malfeitos da gestão petista. “O povo nordestino sofreu por falta d’água por causa de corrupção do seu governo”, disse. “Lula, você quer voltar ao poder para quê? Para continuar fazendo a mesma coisa na Petrobras?”, questionou.
“Era preciso ser ele a me perguntar e sabia que essa pergunta viria”, afirmou Lula, que chamou os números apresentados pelo adversário de “mentirosos”. Em sua resposta, o petista aproveitou o mesmo roteiro usado na sabatina ao Jornal Nacional, ao lembrar de medidas de fiscalização e controle implementadas durante sua gestão.
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“Não teve nenhum presidente que fez mais investigação para que se apurasse corrupção do que fizemos. E é importante deixar claro que nós fizemos o Portal da Transparência, a fiscalização da CGU, a Lei de Acesso à Informação, a Lei Anticorrupção, a Lei contra o Crime Organizado, a Lei contra Lavagem de Dinheiro, colocamos a AGU no combate à corrupção, fizemos o Coaf funcionar em [investigações sobre] movimentações bancárias atípicas”, respondeu.
Na réplica, Bolsonaro acusou Lula de ter tido o “governo mais corrupto da história do Brasil” em uma gestão que classificou como “cleptocracia − um governo feito à base de roubo”. Lula, na tréplica, disse que a Petrobras ganhou seu tamanho em sua gestão, e na sequência conduziu seu discurso para uma comparação entre conquistas econômicas dos dois governos.
“O presidente precisava saber meu governo é marcado pela maior política de inclusão social, pela maior geração de emprego, pelo maior aumento de salário mínimo, pelo maior investimento na agricultura familiar, pelo maior investimento na criação da Lei Geral da Pequena Empresa, pela criação do Simples”, declarou.
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Bolsonaro e Lula também se enfrentaram em discussão sobre o programa de transferência de renda de R$ 600,00 mensais − hoje chamado de Auxílio Brasil pelo governo Bolsonaro, mas que Lula promete retomar como Bolsa Família caso vença a eleição. Os dois defendem que os repasses no volume atual se mantenham a partir de janeiro do ano que vem.
“No momento, o Auxílio Brasil é de R$ 600,00 e nós vamos manter esse valor a partir do ano que vem. Logicamente, esse auxílio se aproxima do mínimo necessário para a pessoa sobreviver: sair da linha da pobreza de forma mais concreta. De onde tirar dinheiro? Tenho acertado com a equipe econômica e conversado com eles, dentro da responsabilidade fiscal”, disse Bolsonaro.
O presidente disse, ainda, que conseguirá os recursos necessários para garantir o pagamento do benefício “não roubando”. “Não metendo a mão no bolso do povo”, afirmou. Uma das ideias ventiladas pelo candidato seria utilizar recursos de empresas estatais.
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Já Lula lembrou que a manutenção do Auxílio Brasil “turbinado” não está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias sancionada por Bolsonaro. “Significa que existe uma mentira no ar. Não está na LDO a manutenção dos R$ 600,00”, afirmou.
O petista argumentou que os repasses têm que ser feitos concomitantemente a uma política que gere crescimento econômico, empregos e oportunidades para a população.
Polarização na mira
A corrupção foi o principal tema usado por adversários para atingir a campanha de Lula, mencionada inclusive em momentos em que o petista não fazia parte das interações. Este foi o caso de Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB, Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe d’Avila (Novo).
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Nas oportunidades que teve, Lula manteve o discurso de que os casos foram descobertos graças à autonomia garantida aos órgãos de fiscalização e controle. O petista também atacou Bolsonaro por impor sigilo de 100 anos a informações relacionadas à sua gestão, pelo Orçamento Secreto, e buscou associar a gestão do adversário a casos de corrupção.
Em interação com a candidata Simone Tebet, que acabou protagonista na CPI da Covid do Senado Federal, questionou se foram descobertos escândalos envolvendo a atual gestão. “Eu queria que a senhora dissesse: houve ou não corrupção no processo de tratamento da Covid?”.
“Houve corrupção. Tentativa de comprar vacinas superfaturadas. Os documentos estão aí. Covaxin é o contrato mais escabroso que eu vi. Tentaram pagar antecipadamente US$ 45 milhões para serem pagos em paraíso fiscal para uma vacina que não tinha comprovação científica, para poder trazer para cá sem nenhum critério”, afirmou a senadora.
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“Mas a corrupção não começou neste governo. A corrupção é fruto de governos passados, e a corrupção mata. Ela tira remédio do posto, tira médico da cirurgia, tira merenda do posto de saúde, tira o dinheiro que está faltando para fazermos os investimentos necessários para gerar emprego e renda à população brasileira. Este governo tem esquema de corrupção, como lamentavelmente teve o governo de vossa excelência”, emendou Tebet referindo-se a Lula.
Bolsonaro foi incisivo em direito de resposta às acusações de corrupção: “Está de brincadeira a nobre senadora. Tentou corromper? Cadê a corrupção? Cadê o contrato assinado? Cadê a nota? Não tem nada. Só fake news e mentira a meu respeito”.
A forma como Bolsonaro trata mulheres ganhou novamente posição central no debate após ele rebater a jornalista Vera Magalhães, que, em pergunta, responsabilizou o mandatário por difundir desinformação sobre vacinas.
“Vera, eu não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido em um debate como esse, fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”, disse.
Na sequência, Bolsonaro dirigiu-se a Tebet a quem acusou de ter sido conivente com a corrupção na CPI da Pandemia, por supostamente não apoiar a investigação de denúncias de irregularidades envolvendo compras feitas pelo Consórcio do Nordeste.
“A senhora é uma vergonha no Senado Federal. E não estou atacando mulheres, não. Não venham com a historinha de se vitimizarem”, afirmou.
O tom foi repudiado por quase todos os candidatos presentes no debate e avaliado por analistas políticos como um ponto com potencial efeito negativo à campanha de Bolsonaro, que luta para conquistar maior apoio entre o eleitorado feminino.
“Eu quero dizer ao presidente, e não é para o candidato, que fabrica fake news e fala inverdades: eu não tenho medo de você e nem de seus ministros. Recebi violência política na CPI, fui chamada de descontrolada. Um outro de dentro me ameaçando porque queria me impedir de falar e participar da CPI da vida, e, pior que isso, um ministro seu tentou me intimidar entrando no Supremo Tribunal Federal, porque eu denunciei o esquema de corrupção da vacina que vossa excelência não quis comprar”, disse Tebet.
“Eu sou muito tranquila, vim na paz, bandeira branca. Só que, quando vejo o que aconteceu agora com a Vera [Magalhães], eu realmente fico extremamente chateada. Quando homens são tchutchuca com outros homens, mas vêm para cima da gente sendo tigrão, eu fico extremamente incomodada. Aí eu fico brava, sim. Lá no meu estado, tem mulher que vira onça, e eu sou uma delas. Eu não aceito esse tipo de comportamento e de xingamento, e, acima de tudo, disseminar ódio entre os brasileiros e nos dividir”, afirmou Soraya Thronicke.
As candidatas, colegas no Senado Federal e representantes do Mato Grosso do Sul, foram “escanteadas” no primeiro bloco do debate, em que candidatos eram sorteados e podiam escolher para quem perguntar. Mas o episódio envolvendo a jornalista ajudou as duas a ganharem destaque nas discussões e conduzir o debate a partir do segundo bloco.
De acordo com o último levantamento feito pelo instituto Datafolha (BR-09404/2022), entre 16 e 18 de agosto, Bolsonaro conta com 35% das intenções de voto entre eleitores do sexo masculino. Já entre o eleitorado feminino, o apoio cai para 29%.
No último bloco do debate, Bolsonaro escolheu Ciro Gomes para debater políticas para mulheres (mesmo com a possibilidade de indagar a uma das duas candidatas) e trocou farpas com o adversário.
“A grande questão da incompreensão e da crítica que muitos fazemos é que o senhor, aparentemente, não percebe ou não dá valor, não respeita com a devida delicadeza, que todos nós devemos, essa grave questão feminina”, disse o candidato do PDT.
“O senhor disse, certa feita, para chocar todos nós, que nasceram seus três filhos e que aí nasceu uma filhinha porque teve uma ‘fraquejada’. Isso é o que faz com que as pessoas desconsiderem suas políticas”, continuou em tom quase professoral.
Em sua resposta, Bolsonaro lembrou de episódio antigo em que Gomes, quando candidato à presidência em 2002, disse que a função de sua esposa, que na época era Patrícia Pillar, era dormir com ele.
“Estou falando da sua falta de escrúpulo. Você corrompeu todas as suas ex-esposas. Todas elas estão envolvidas em escândalos. Você corrompeu seus filhos. Tendo prometido que ia combater a corrupção do PT e do Lula. Essa a grande contradição que você precisa explicar”, disse Ciro.
“Eu não queria trazer esse tipo de argumento aqui, a não ser pela sua falta de caráter de trazer um assunto pessoal de 20 anos atrás, pelo qual já me desculpei muitas vezes – foi uma infelicidade de alguém criado em ambiente machista. Mas eu aprendi isso, você que não aprende nada nunca, porque é uma pessoa que não tem coração”, continuou.
Lula também se solidarizou à jornalista Vera Magalhães e à candidata Simone Tebet em suas considerações finais no debate. Mas, quando questionado por jornalista se poderia se comprometer a indicar o mesmo número de mulheres para comandar ministérios do que homens, ele disse que não assumiria tal posição.
Também no ensejo de dar destaque a mulheres, Lula fez novo aceno à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), sua sucessora que sofreu impeachment em 2016. “Aqui se fala do governo da Dilma, mas não fala do golpe que ela sofreu. Derrubaram uma mulher por causa de pedalada e não derruba um cara por causa de motociata. O país vai fazer um julgamento histórico da Dilma”, disse.
Disputa por espaço
O primeiro debate presidencial também marcou uma oportunidade para os quatro principais candidatos de fora da polarização mantida entre Lula e Bolsonaro buscarem espaço para se consolidarem como alternativas viáveis a pouco mais de um mês das eleições.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) dosou ataques às duas candidaturas e disse que ambas representam modelos econômicos similares e não oferecem alternativas ao modelo de governança que, segundo ele, produziu uma série de escândalos de corrupção recentes.
“Eu quero reconciliar o Brasil”, afirmou.
“Não sou daqueles críticos que esquecem a realidade ou os limites. Apenas seu governo não conseguiu responder nem à questão econômica trágica que herdou – porque é verdade que o senhor herdou uma tragédia econômica do PT -, e nem conseguiu mudar aquilo que foi promessa solene: a governança política do país. O senhor está filiado ao partido de Valdemar Costa Neto, a quem o Lula deu o Dnit para roubar no escândalo do Mensalão. O Brasil não aguenta mais isso”, disse em interação com Bolsonaro.
Lula e Ciro foram colocados uma vez frente a frente para falar sobre a relação conflituosa mantida nesta campanha, a despeito da proximidade que os dois tiveram em outros momentos da política. O ex-presidente, interessado em atrair os eleitores de seu ex-ministro fez acenos.
“Eu tenho profundo respeito pelo Ciro Gomes. Sou grato a ele, que esteve no governo comigo de 2003 a 2006. Mas o Ciro nesse instante resolveu não estar conosco e sair com candidatura própria. É um direito dele, não sou eu que vou impedir. Eu estou construindo uma aliança política com dez partidos – todos de esquerda e progressistas -, e nós vamos, se ganharmos as eleições, tentar ver se ainda conseguimos atrair o PDT”, disse.
“Tem três pessoas no Brasil que eu trato com deferência: Mário Covas, [Roberto] Requião e Ciro Gomes. De vez em quando, eles podem até falar mal de mim que eu não levo em conta, porque eu sei que eles têm o coração mais mole do que a língua. Eu espero que o Ciro, nessas eleições, não vá para Paris. Espero que você fique aqui no Brasil, que a gente sente para conversar e possa construir a verdadeira aliança política que ele sabe que vai ser construída”, complementou o petista.
A resposta de Ciro veio com novas críticas ao modelo econômico da gestão de Lula. “O Lula é esse encantador de serpente, vai na emoção das pessoas, cativa, temos uma relação bastante antiga. E ele quer sempre trazer a coisa para o lado pessoal. Não é pessoal. Eu atribuo à contradição econômica e moral do Lula e do PT o Bolsonaro. Eu não acho que Bolsonaro desceu de Marte. Bolsonaro foi um protesto, absolutamente reconhecido respeitosamente por mim, com a devastadora crise econômica que Lula e o PT produziram e ele apaga”, afirmou.
Durante o debate, Ciro também disse que os governos petistas transferiram R$ 4,088 trilhões de juro aos bancos, e R$ 330 bilhões para os pobres com políticas sociais. “Como nunca ninguém de verdade tinha feito nada pelos pobres, o pouquíssimo que o senhor fez parece muito”, disse.
Como na campanha de 2018, Ciro Gomes apresentou uma proposta de refinanciamento de dívidas de parte da população. Ele também disse que criaria um programa de renda mínima, que batizou de Eduardo Suplicy, em homenagem ao vereador petista, para garantir R$ 1.000,00 por família.
Já o candidato Felipe d’Avila buscou vender sua campanha como a mais alinhada a pautas liberais na economia. “A economia brasileira jamais vai voltar a crescer com o Estado sendo gerido do jeito que é”, disse. “A única forma de crescer é tirar esse Estado pesado das costas de quem produz a trabalha”.
“Nenhum país no mundo ficou rico fechando sua economia, criando reserva de mercado, tendo um monte de estatal – 500 estatais no Brasil. Tem que privatizar, abrir a economia, fazer com que o investimento externo volte a ajudar o Brasil a crescer”, disse.
O candidato do Partido Novo também defendeu a recuperação da credibilidade do Brasil no exterior quanto à pauta ambiental, o que, segundo ele, também poderia trazer importantes vantagens econômicas.
“Eu tenho certeza que o Brasil vai ser um exemplo em ser esse país que vai capturar 50% do carbono do mundo, dar uma lição para o mundo. E isso vai ser fundamental para recuperar a credibilidade internacional do Brasil. O Brasil jamais vai voltar a ser um país confiável nas relações internacionais se continuar tratando o meio ambiente com o descaso que vem tratando nos últimos anos”, disse.
Felipe D’Avila também fez ataques ao fundo eleitoral, destinado aos partidos para financiar campanhas de candidatos aos mais diversos cargos em disputa. “Que dignidade é essa de se aprovar um fundão eleitoral de R$ 5 bilhões, tirar dinheiro da educação, do combate à pobreza, de atendimento médico, para financiar campanha política, para todo mundo vir aqui no debate de jatinho enquanto tem gente passando fome. Qual é a dignidade de se aprovar uma excrescência dessas?”, questionou.
Quem respondeu foi a senadora Soraya Thronicke, que defendeu o instrumento como necessário para democratizar o acesso à política a figuras sem recursos próprios para bancar uma campanha. A parlamentar é candidata pelo União Brasil, sigla fruto da fusão entre PSL e DEM, que individualmente tem a maior fatia de recursos públicos.
“Candidato, nem todos têm o patrimônio que o senhor tem e que muitos doadores da campanha de vocês têm para tocar uma campanha, que é cara. Muito cara. Se nós não tivéssemos o fundo eleitoral para financiar a democracia, principalmente nós mulheres jamais teríamos acesso à política. Ainda é necessário. (…) É importante neste momento do país financiarmos a democracia, porque se não somente os candidatos dos governadores e do presidente estariam eleitos, porque estão com a máquina na mão”, rebateu.