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Tenho visto uma série de assuntos meio soltos envolvendo a indústria do futebol no Brasil e que entendo que deveriam estar mais conectados. Nesta semana, vou tentar fazer esta conexão, importante para quem entender o momento.
Começamos pela chegada dos primeiros investidores nas novas SAFs. Se Ronaldo (no Cruzeiro) é um brasileiro que sabe como as coisas funcionam no Brasil, John Textor (no Botafogo) e a 777 (no Vasco) são novatos não apenas na indústria do futebol, mas especialmente na forma como o futebol brasileiro opera.
Se a indústria tem suas peculiaridades, no Brasil ela beira a maluquice, que vai desde a obrigação de ser campeão, passando pelo desejo da contratação de nomes consagrados, chegando à posição de principal clube de uma estrutura de Multiclub Ownership.
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Tudo isso passa pela cabeça dos torcedores que se sentem novos-ricos. E os novos donos não contribuem com isso, exceto Ronaldo, que foi bem claro sobre o período de transição e dificuldades.
Tivemos a onda de treinadores estrangeiros, um pedido por diretores esportivos estrangeiros e a exaltação a dirigentes estrangeiros. Passaporte não garante qualidade, ainda que eu acredite que trazer experiências diversas ajuda o esporte – e qualquer outra indústria – a se desenvolver. Mas é preciso o mínimo de entendimento do ambiente para que os resultados sejam positivos.
Reforçamos o assunto com um tema que ficou meio escondido nos parágrafos acima: os novos-ricos. O torcedor precisa esquecer isso. O benefício financeiro tende a ser muito menor que o desejado.
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Quando os gestores da 777 falam que o Vasco não será inferior financeiramente ao Flamengo, eles prestam um desserviço ao futebol, pois não vão colocar R$ 600 milhões anualmente para se tornarem equivalentes ao rubro-negro. Isso gera expectativa, que se transformará em frustração. A mesma que acomete muitos botafoguenses que sonhavam com uma equipe milionária logo no primeiro ano como SAF.
Isso piora quando os torcedores novos-ricos ainda veem os adversários que já fizeram o dever de casa há mais tempo contratando nomes e mais nomes. Eles estão olhando a foto de hoje, e não o filme que começou há alguns anos, O grande benefício de ter donos deveria estar na confiança na nova estrutura de gestão e não apenas no dinheiro.
Não pode faltar transparência e comunicação. A mesma que o fundo Elliott teve com o torcedor do Milan quando chegou ao clube em 2019, dizendo que o objetivo era saneá-lo financeiramente e desenvolvê-lo de maneira sustentável a longo prazo.
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O plano do Milan é contratar atletas jovens e promissores, controlar custos, desenvolver a marca para aumentar receitas, construir um novo estádio e fazer melhores campanhas para retornar à Champions League. Tudo conectado, claro e bem explicado. O título veio antes do esperado, mas o projeto segue intacto, mesmo com a chegada do fundo Redbird ao controle acionário.
Lá em cima, falamos sobre Multiclub Ownership (MCO). De maneira resumida e simplista, elas são estruturas de vários clubes em diferentes ligas, controlados pela mesma empresa. Red Bull e City Group são as mais conhecidas, mas lembremos que a Parmalat já fez isso na década de 1990, com Parma, Palmeiras e Juventude.
Muitos investidores estão embarcando nessa estratégia, que é a mais correta para quem pensa em investir em futebol. Lembro sempre que há dois tipos de acionistas: os que são donos de clubes e os que investem em clubes. Os primeiros não se importam em perder dinheiro, mas os segundos pensam em ganhar dinheiro com futebol.
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Está muito claro que a melhor forma de operar nessa indústria é ter mais de um clube. Claro, exceto se você for dono de um dos 20 grandes clubes globais. Fora esses, operar isoladamente reduz a capacidade de negociação de atletas, gera ineficiências operacionais, concentra risco. Não é à toa que Textor e 777 fizeram o movimento de compra de Botafogo e Vasco, e Ronaldo chegou ao Cruzeiro já tendo o Valladolid.
Mas ter um MCO não significa apenas comprar ao acaso um monte de clubes mundo afora. Tem que haver uma estratégia e, até o momento, são poucos os que analisam as estruturas dessa forma. Então, qual o sentido de ter um clube na Itália, na Bélgica e no Brasil? Faz sentido ter um clube no México e outro na Espanha? E por que formar uma estrutura com Inglaterra, África do Sul e Emirados Árabes?
Pois bem, entender algumas dinâmicas permite que a construção do modelo de MCO seja eficiente do ponto de vista de retorno financeiro.
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Há vários exemplos, com ou sem flagship, com ou sem formação. Mas é fundamental ter uma tese que faça sentido econômico. Se não fizer, será apenas um amontoado de clubes caros espalhados pelo mundo – e sem conexão.
Então isso se conecta ao tema da formação de atletas. É muito bacana ver os dados do relatório anual que a Fifa produz sobre negociações de atletas.
(Aliás, basta um pouco de curiosidade para saber que no site da Fifa TMS há divulgações recorrentes dessas informações, num material bem rico. Mas a questão é sempre a mesma: os dados sozinhos não dizem nada se não forem tratados, analisados, compreendidos.)
A construção de MCOs que incluem clubes brasileiros está calcada na informação que mostra que o Brasil é há anos o maior exportador de atletas do mundo. Bacana, mas é preciso ter um clube no Brasil para isso? Ainda mais num mercado em construção, sem a menor ideia sobre se e quando chegará à maturidade?
Construções precisam ser feitas com dados e análises, pois os dados sozinhos não dizem muito. E, se eles forem analisados de forma equivocada, levam ao erro.
Dirigentes estrangeiros, MCOs, negociação de atletas, expectativas. Tudo solto, mas tudo conectado. O Brasil entrou de vez no cenário de negócios do futebol.