Na ciência da computação, o peer-to-peer é um tipo de rede distribuída na qual os computadores conectados ao sistema funcionam também como servidores. Já na economia, em especial no universo das criptomoedas, o P2P é um tipo de transação que ocorre diretamente entre os usuários, sem a intermediação de uma terceira parte.
Neste guia, o InfoMoney explica o que é o peer-to-peer e qual a relação dessa tecnologia com a blockchain, banco de dados público e descentralizado que nasceu com o Bitcoin (BTC) no final de 2008. Fala também sobre as vantagens e as desvantagens de se comprar ou vender criptomoedas por meio desse método.
O que é peer-to-peer (p2p)
Peer-to-peer, na tradução para o português, significa ponto a ponto. Na informática, o termo se refere a um tipo de arquitetura de rede de computadores em que cada participante (ponto) é também um servidor, e ajuda a manter o sistema funcionando.
Esse tipo de organização é diferente daquela vista em uma rede de computadores convencional, chamada de cliente/servidor. Nesse modelo tradicional, há apenas um servidor central, pertencente a alguma entidade, provendo determinado serviço aos clientes (nome usado para identificar aqueles que requisitam o serviço do servidor).
Exemplos de modelos servidor/cliente são a web, o e-mail e o FTP (sigla em inglês para Protocolo de Transferência de Arquivo). Já dois exemplos de redes peer-to-peer são o Torrent, tecnologia de compartilhamento de arquivos, e o Bitcoin (BTC) e sua blockchain.
Quando o misterioso Satoshi Nakamoto publicou o white paper (guia) do BTC no final de 2008, ele – ou eles – escreveu no documento que a criptomoeda é “um sistema de dinheiro eletrônico peer-to peer“.
Como funciona a rede peer-to-peer
Para visualizar como funciona uma arquitetura P2P, imagine vários computadores espalhados pelo mundo conectados a um mesmo software. Quando ocorre essa ligação virtual, os PCs têm acesso a algum benefício do sistema, e em troca passam a dar sustentação a ele.
No caso do Torrent, por exemplo, quando os usuários usam o programa para fazer download de filmes ou músicas, seus computadores são “transformados” em servidores. Ou seja, eles consomem os dados (baixam os arquivos), mas também oferecem dados (fornecem os arquivos).
“Em P2P, quanto mais clientes usam a rede, mais capacidade o sistema tem, pois há mais servidores”, disse Luis C. E. Bona, professor do departamento de Informática da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Bona falou, no entanto, que esse tipo de arquitetura tem algumas limitações. “É difícil você impedir numa rede P2P o aparecimento de pessoas querendo subverter o serviço, colocando conteúdos que não são válidos, por exemplo. Se muita gente fizer isso, a maioria dos usuários da rede vai devolver um conteúdo indevido. É complicado filtrar”.
Blockchain e peer-to-peer
Mas a blockchain, que é um sistema P2P, conseguiu resolver parte dessas limitações com algumas “engenhosidades”, segundo Bona. A principal delas, disse, é o Proof-of-Work (Prova de Trabalho, na tradução para o português), protocolo da criptomoeda que estabelece os passos para o funcionamento da blockchain.
“No PoW (sigla em inglês), eu tenho que resolver um desafio criptográfico para participar da rede, e isso, ao mesmo tempo que exige poder computacional, dá segurança para todo o sistema. Se alguém quisesse subverter a rede, teria que ter muito poder computacional para conseguir tal feito, algo que não valeria a pena financeiramente”.
Como impacta nas operações com criptos
O P2P, além de ser uma arquitetura de redes de computadores, também é uma forma de negociação dentro do universo das criptomoedas. Nesse modelo, os usuários negociam entre si BTC, Ethereum (ETH) ou qualquer outra altcoin (nome dado a criptomoedas diferentes do Bitcoin), sem o intermédio de um terceiro, como uma corretora.
No P2P, o valor da criptomoeda é negociado diretamente entre as duas partes, geralmente via aplicativos de conversa, sites ou plataformas que reúnem negociantes peer-to-peer. É um processo diferente daquele visto em corretoras de criptoativos, que têm livros de ofertas com preços já previamente determinados.
Como negociar pela rede peer-to-peer
Para fazer negociações peer-to-peer, é preciso encontrar vendedores P2P na internet. É possível achá-los em grupos de conversa no WhatsApp e no Telegram, redes sociais ou em sites. Vale também pedir indicações de pessoas envolvidas no mercado de criptomoedas.
É durante a conversa virtual que os detalhes da negociação, como forma de pagamento e prazos, são definidos.
Outra possibilidade é encontrar negociantes P2P em plataformas como LocalBitcoins, Paxful e Catálogo P2P. Elas reúnem vendedores e compradores de criptomoedas no mesmo espaço virtual, funcionando basicamente como marketplaces. Para usá-las, é preciso fazer um cadastro.
Assim como as exchanges, alguns desses sites conseguem garantir que as transações ocorram sem prejuízos para alguma das partes. No caso da LocalBitcoins e da Paxful, por exemplo, as criptomoedas ficam em um tipo de conta de custódia até que o negócio seja finalizado.
Já a Catálogo P2P tem um ranking de reputação dos vendedores, com pontuação que vai de 1 a 5. Quanto maior o número, melhor a posição dele, e, consequentemente, mais confiável ele é. As notas são dadas pelos próprios clientes.
Algumas exchanges centralizadas, como a Binance e a OKEx, também têm plataformas para negociação P2P. Assim como a Paxful e a LocalBitcoins, as duas corretoras fazem custódia das criptomoedas até que a negociação entre os usuários seja finalizada.
Passo a passo para negociações P2P
Passo 1: No geral, o interessado em adquirir criptomoeda entra em contato com o vendedor P2P via aplicativo de conversa. Durante o bate-papo virtual, o comprador informa qual ativo digital quer comprar e qual a quantidade – 1 BTC, por exemplo.
Passo 2: Em seguida, o negociante passa a cotação do criptoativo em moeda fiduciária, como real, já com a taxa cobrada pelo serviço.
Passo 3: Se ambos concordarem com o valor, o vendedor informa a conta bancária, e o comprador repassa o endereço de sua carteira de criptomoedas.
Passo 4: No geral, é o comprador que envia o dinheiro primeiro. Só quando o pagamento é confirmado o vendedor manda as criptomoedas para o cliente. É nesse momento que podem ocorrer golpes, e o negociante pegar o dinheiro da pessoa e desaparecer. Por isso é de extrema importância comprar apenas de profissionais confiáveis.
Vale ressaltar que as transferências de Bitcoin, Ether e demais altcoins podem demorar para serem confirmadas. O tempo exato depende do congestionamento das blockchains.
No caso do BTC, por exemplo, a espera é de no mínimo 10 minutos, que é o tempo em que um bloco (conjunto de validações) é minerado. Em dias com acúmulo de transferências na rede, no entanto, a confirmação pode levar horas.
Vantagens
As negociações P2P têm vantagens em relação aos outros modelos de compra de criptomoedas:
- Agilidade – Como a negociação não envolve uma terceira parte, como uma exchange ou uma corretora de valores (no caso de ETFs e fundos de investimento), as transações tendem a ser mais ágeis.
- Taxas mais baratas – Exchanges costumam cobrar taxas para saques, transferências e trades. Em negociações P2P vendedores também cobram tarifas (é assim que ganham dinheiro), mas os valores cobrados costumam ser mais em conta.
- Negociação – Como a transação é feita entre duas pessoas, é possível negociar o valor da criptomoeda. Lembrando que não existe um preço fixo e único do BTC, por exemplo. Há uma média, mas os negociantes podem fazer seus próprios preços.
Desvantagens
Apesar das vantagens, a negociação P2P também tem desvantagens. Confira algumas delas:
- Confiança – Não existe uma entidade para garantir a transação entre duas pessoas. Isso abre espaço para criminosos virtuais aplicar golpes. Muitos golpistas usam nomes de negociantes reais para atrair vítimas e roubar dinheiro. Também há casos de vendedores tomando calote de compradores.
- Conhecimento – Para negociar diretamente com outro usuário, é preciso ter conhecimentos básicos sobre o mercado de criptomoedas. Saber o que é um endereço, uma carteira de criptomoedas e um explorador de blockchain, por exemplo, é essencial. Se a pessoa não tiver tempo disponível para entender o funcionamento do setor, o mais recomendado e seguro é fazer negociações por meio de exchanges mesmo.
- Tempo – São os próprios compradores que precisam ir atrás dos vendedores. Essa busca, no entanto, dá trabalho, visto que, para não cair em golpes, é muito importante verificar se o negociante é confiável, confirmar sua identidade e procurar opiniões de outros clientes.
- Custódia – Em negociações ponto a ponto, o usuário também precisa se preocupar com a custódia e a segurança dos ativos digitais. Não há uma exchange para manter as criptomoedas guardadas. Muitos veem essa característica como benéfica, pois o investidor passa a ser seu próprio banco, criando mais responsabilidade. Outros, no entanto, preferem deixar esse serviço nas mãos de terceiros.
Como evitar golpes
O ideal, como dito anteriormente, é pesquisar muito bem o vendedor antes de fechar negócio. Plataformas que reúnem negociantes costumam ter rankings de reputação. Importante também conversar com outras pessoas que já fizeram negócio com o vendedor. Na hora de falar com o P2P, certifique-se também que você está falando com a pessoa real, e não com um fake. Muitos golpistas se passam por negociantes verdadeiros para dar calotes por aí.
Outra forma de evitar golpes é negociar valores baixos. Se tudo correr bem e o vendedor não sumir com seu dinheiro, aí vale aumentar o montante negociado na próxima negociação.
Outro ponto a ser levado em consideração é que os negociadores P2P dificilmente contatam as pessoas oferecendo criptomoedas. O caminho é geralmente o inverso. Portanto, se algum suposto P2P mandar mensagens com promoções de criptomoedas, desconfie.
Diferença entre mineração, Peer-to-Peer e exchange
No universo das criptomoedas há uma série de conceitos, e alguns deles geram confusão. Entenda a diferença entre mineração, P2P e exchange.
A mineração é o nome do processo que coloca mais criptomoedas em circulação. Em resumo, novos ativos digitais são gerados quando os mineradores (participantes da rede que validam transações) incluem novos blocos (conjunto de dados validados) na blockchain, enorme banco de dados público que registra o histórico de movimentações dos usuários.
Um sistema P2P, como explicado ao longo deste texto, é basicamente uma rede de computadores descentralizada em que cada um dos participantes funciona também como servidor, e não apenas como cliente. Não há apenas um único servidor central. A blockchain, por exemplo, é uma rede ponto a ponto.
Já a negociação P2P é aquele tipo de transação que ocorre diretamente entre os usuários, sem a intermediação de uma empresa.
Por fim, uma exchange é uma plataforma digital onde é possível comprar, vender, trocar e guardar criptomoedas, como Dogecoin (DOGE), Ethereum (ETH) e Cardano (ADA). Na prática, elas são bem parecidas com corretoras de valores, com administração centralizada.
Algumas corretoras com operação no Brasil são as seguintes: Binance, Mercado Bitcoin, Foxbit, Coinext e NovaDAX.
P2P é seguro?
Todo sistema, seja distribuído ou centralizado, tem suas limitações. Além disso, softwares muitas vezes apresentam vulnerabilidades, que podem ser exploradas por hackers. Ao longo de 2021, o mercado foi inundado de hacks em protocolos de Finanças Descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês).
Para se prevenir desses possíveis erros técnicos, os usuários precisam pesquisar bem os projetos que querem se envolver, analisar o histórico da empresa/grupo responsável e avaliar quem são as pessoas envolvidas. Isso ajuda a reduzir riscos, mas não todos, visto que essas falhas envolvem mais a parte estrutural desses sistemas, e fogem da alçada dos consumidores.
Boa parte dos golpes praticados na internet, no entanto, se resume a criminosos virtuais tentando invadir computadores para roubar dados pessoais. Nesse caso, o usuário pode se proteger com cuidados básicos. As recomendações são as seguintes: sempre manter o computador com o sistema operacional atualizado, instalar antivírus e não baixar programas suspeitos.
Já no caso das negociações P2P, a questão da segurança depende completamente da pessoa. É ela que precisa procurar um vendedor e avaliar se ele é ou não confiável. Esse tipo de negociação, portanto, é menos segura do que aquela feita por meio de exchanges. No entanto, costuma ser mais ágil.