Petrobras poderia se juntar à Vale entre as maiores pagadoras de dividendos do mundo, diz Janus Henderson

Gestora britânica diz que intensidade da recessão global - que está entre as suas perspectivas - será determinante para nível de distribuição

Katherine Rivas

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O fantasma de uma recessão global é cada vez mais real e a perspectiva é de que os impactos comecem a ser sentidos pelas empresas de capital aberto no quarto trimestre deste ano ou no primeiro de 2023, segundo projeções da gestora britânica Janus Henderson.

O que deve determinar se as companhias continuarão pagando dividendos de maneira estável ou se farão cortes, priorizando a sobrevivência e o fluxo de caixa, será a intensidade – e não a duração – da crise, afirmou Ales Koutny, gerente de portfólio para mercados emergentes da gestora, em entrevista ao InfoMoney. A Janus Henderson tem mais de US$ 360 bilhões em ativos sob gestão.

“Em uma recessão de menos de 1% de crescimento negativo, acreditamos que muitas companhias vão conseguir manter os dividendos estáveis e continuar pagando”, disse. “Mas com queda no crescimento entre 3% e 5%, as companhias podem suspender os proventos e voltar a um comportamento semelhante ao da pandemia, quando importava mais sobreviver do que ser atrativo para os investidores”.

O gerente de portfólio é um dos responsáveis pela elaboração do relatório trimestral Janus Henderson Global Dividend Index, levantamento que analisa os dividendos pagos pelas 1.200 maiores empresas do mundo por capitalização de mercado, que representam 90% dos proventos globais.

Mesmo se uma recessão forte acontecer, Koutny ainda enxerga com bons olhos o setor de commodities, principalmente companhias que exportam minério, petróleo ou gás. Em sua visão, elas seriam as únicas com capacidade de ter ganhos elevados nos próximos trimestres e dividendos maiores, apesar da crise.

O Brasil teria potencial para se beneficiar deste cenário, dado que várias companhias listadas na Bolsa são exportadoras – o que, segundo Koutny, atrai o interesse dos investidores no mundo todo. Mas a situação política atrapalha e, na visão da Janus Henderson, estará no centro dos debates nos próximos três ou quatro meses.

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Até o primeiro trimestre deste ano, a Vale (VALE3) era a única companhia brasileira a integrar a lista das dez maiores pagadoras de dividendos no mundo, no estudo da gestora britânica, com US$ 3,6 bilhões de dividendos distribuídos de janeiro a março. A mineradora ocupava a nona posição.

Sua permanência no ranking, no entanto, não é garantida e depende dos preços do minério de ferro e da demanda chinesa. Além da Vale, Koutny diz que a Petrobras teria potencial para entrar na lista, mas possui questões internas a serem resolvidas. O relatório está na 34ª edição e a expectativa é de que o ranking das maiores pagadoras do mundo, no segundo trimestre, seja divulgado em agosto.

Confira os principais trechos da entrevista:

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InfoMoney: O que podemos esperar sobre a evolução no pagamento de proventos no próximo Índice Global de Dividendos, previsto para agosto?

Ales Koutny: Por conta de o preço dos mercados internacionais ter caído significativamente, mas os ganhos das companhias permanecerem estáveis até o momento, esperamos que o dividend yield [taxa de retorno em dividendos] suba mecanicamente, de forma bem elevada.

Acreditamos que esta situação vai se manter pelos próximos meses até uma recessão global chegar, o que deve acontecer entre o final deste ano ou meio do ano que vem, e pode afetar o pagamento dos dividendos. O motivo é que as companhias preferem guardar mais dinheiro no seu caixa ao invés de pagar os investidores.

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InfoMoney: Na visão da gestora, as companhias começam a segurar caixa e cortar os dividendos ainda em 2022 ou apenas em 2023?

Koutny: Na nossa visão, a questão principal é a saúde do consumidor. E esta recessão vai ser provocada pelos consumidores excedendo em gastos o valor que guardaram durante a pandemia.

Em mercados desenvolvidos, principalmente, muitas pessoas acabaram acumulando uma poupança maior, pelo fato de não precisarem se deslocar ao trabalho ou ter gastos com o cuidado das crianças, o que permitiu que criassem um colchão de recursos elevado em termos históricos.

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Mas após dois anos sem viajar, a expectativa é de que os consumidores busquem gastar, viajar, aproveitar o verão sem restrições e pagando o preço que for preciso. O problema disso é que eles vão esvaziar as poupanças e perto do final do ano, começarão a reduzir gastos. Isso vai gerar um efeito dominó e provocar a recessão.

No fim do verão no Hemisfério Norte, em setembro, os consumidores ainda vão continuar com a carteira aberta, usando crédito. Mas esperamos que no outono, de setembro a dezembro no hemisfério norte, e no inverno, de dezembro a março, a situação realmente vai apertar. A questão é se isso vai levar a uma recessão rápida ou se os bancos centrais vão precisar reduzir as taxas de juros e acabar criando uma forma de incentivo para as companhias, com o objetivo de proteger os consumidores.

InfoMoney: É possível determinar até quando vão os impactos desta recessão ou se superariam o horizonte de 2023?

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Koutny: Não, mas acreditamos que vai ter uma diversificação muito grande em termos de quem vai sofrer durante essa recessão.

Devido à guerra da Ucrânia, mesmo se ela acabasse hoje, a infraestrutura foi danifica em uma escala impressionante. A Europa exporta muitos grãos e outras commodities, o que significa que vai levar pelo menos de três a cinco anos para se recuperar. Isso vai criar uma inflação estrutural.

O Brasil é um caso muito interessante, porque, teoricamente, dado o número de exportadores na Bolsa, seria um país que atrairia muito o interesse dos investidores. O problema é que devido à situação política, essa questão vai ser colocada em discussão nos próximos três ou quatro meses.

Se olhar para o exemplo da Argentina, que tem um governo de esquerda, o país começou a restringir as cotas de exportação de soja, óleo e até teve uma discussão sobre restringir exportadores de carne. A questão principal é se o Brasil vai continuar sendo uma economia de mercado aberta ou começar a implantar as mesmas medidas que a Argentina.

Porque se a segunda hipótese acontecer, a volatilidade no preço das ações e dos dividendos será muito grande. Mas caso a política não interfira muito no mercado, o Brasil poderia continuar com níveis muito bons de dividendos elevados.

No nosso estudo, o Brasil não tem uma grande posição, porque as commodities que exporta não tiveram uma corrida boa de preços nos últimos anos. Mas isso mudou bastante nos últimos seis meses. Se continuar assim, podemos ver algumas grandes companhias exportadoras subindo no ranking.

InfoMoney: No Brasil, um governo intervencionista, de esquerda ou não, poderia provocar impacto sobre os dividendos?

Koutny: É uma combinação de todos os fatores. Por exemplo, tivemos recentemente a interferência de Jair Bolsonaro na Petrobras, devido ao aumento do preço da gasolina. Esta questão seria ok se a inciativa tivesse partido da companhia. Mas quando a política começa a ficar envolvida, mesmo que não tenha um custo imediato nos mercados, essa incerteza já gera temor nos investidores.

O que precisamos entender é que existe essa incerteza. Temos a questão da intervenção, os gastos fiscais. O Brasil, infelizmente, tem um dos piores quadros fiscais depois da Argentina. Será necessário fazer algo para reformar esse ciclo de gastos, mas o problema é que a inflação está subindo e outras pressões acabam tendo mais prioridade.

Esses custos tendem a aumentar programas de incentivo e normalmente o único jeito de encontrar dinheiro para esse fim é aumentando a taxação ou criando algum outro tipo de interferência ou reduzindo subsídios e linhas de crédito para as empresas. Tudo isso afeta a forma como os investidores percebem estas companhias no mercado.

InfoMoney: A BHP foi a maior pagadora de dividendos do mundo em 2021 e, no último relatório, a Janus Henderson apontou que estava a caminho de se manter na liderança em 2022. Essa perspectiva permanece apesar das recentes mudanças macroeconômicas?

Koutny: O ponto principal neste cenário são as políticas, porque os mercados desenvolvidos tendem a evitar qualquer tipo de intervenção nas empresas. Mas, ao mesmo tempo, no setor de petróleo, por exemplo, vimos muitos países iniciando o movimento chamado windfall tax [imposto sobre lucros excedentes fruto de ganhos inesperados] devido à situação da Ucrânia.

Os ganhos da BHP (BHPG34) não têm, pelo que observamos no mercado, possibilidade de sofrer esse tipo de taxação. Então continuamos acreditando que será a maior pagadora de dividendos ou uma das maiores. Não esperamos nenhuma surpresa, pelo menos nos próximos trimestres.

Mas tem a possibilidade de alguns produtos dela, como mineradora, sofrerem com alguma taxa se houver interesse político. É um risco para ter em mente, mas não é o nosso cenário base.

Outro ponto que observamos são as fusões e aquisições. A BHP conseguiu virar essa grande pagadora de dividendos por conta das áreas com as quais resolveu permanecer. Ela já chegou a fazer uma cisão da mineradora South32 e ficou com as áreas mais proveitosas. E com outras aquisições que fez nos últimos anos, permaneceu nessa posição.

Em termos setoriais, com uma possível recessão, as únicas companhias que vão continuar pagando dividendos elevados nos próximos trimestres, são as que exportam minério, petróleo ou gás. Elas terão um valor elevado dos produtos. Isso gera um fluxo de caixa excessivo e dividendos maiores.

InfoMoney: Em relação à Vale, ela deve manter a nona posição?

Koutny: Sobre a Vale, acreditamos que depende muito da China. Vimos recentemente que o preço do cobre começou a cair e empresas que eram expostas ao metal suspenderam dividendos. A Vale não tem muita exposição ao cobre, mas, sim, ao minério de ferro, que depende da demanda da China.

Agora no terceiro trimestre, Xi Jinping provavelmente ganhará seu terceiro mandato como presidente da China. E como ele fez nos últimos seis meses, pode continuar implementando lockdowns por causa do cobre, assim como fazer mudanças que considera importantes para a agenda de prosperidade. Isso tem levado várias companhias a segurar investimentos.

E se observamos o setor de construção na China, vemos muitas companhias indo à falência ou cortando planos. Se isso continuar, a Vale tem uma exposição muito grande a essa demanda e pode acabar sofrendo se o preço do minério cair, o que levaria a um corte de dividendos e à perda de posições no Índice Global de Dividendos.

Acreditamos que a companhia deve permanecer em uma posição estável no próximo relatório, mas dependendo da situação da China, pode se complicar no terceiro ou quarto trimestre.

InfoMoney: Outra companhias brasileiras reúnem os requisitos para entrar no Índice Global de Dividendos?

Koutny: Acredito que a Petrobras tem chance, devido ao valor do petróleo e do gás nos mercados internacionais. Temos várias discussões sobre cenários e uma delas considera que, no maior patamar, o preço do petróleo chegaria a superar US$ 150 o barril. Isso aumentaria significativamente seus ganhos.

A depender da política de dividendos, a Petrobras estaria em uma situação muito boa para aumentar os pagamentos. Mas a questão principal será a interferência, uma política de preços não amigável aos investidores.

Um ponto importante, principalmente na Petrobras, é que as empresas brasileiras têm focado apenas nas áreas mais proveitosas. A petrolífera desinvestiu da área de distribuição, venda, entre outros, o que a levou a se tornar uma empresa menor.

Mesmo que ela seja uma companhia melhor, ela tem um tamanho reduzido. E isso acaba atrapalhando um pouco na possibilidade de ela aparecer no ranking das maiores companhias do mundo em dividendos.

InfoMoney: Em caso de recessão, que oportunidades a Janus Henderson enxerga no que diz respeito a dividendos?

Koutny: Em recessão, setores mais resilientes, que ninguém presta atenção quando o mercado está em alta, como infraestrutura, telecomunicações, transporte ou serviços de utilidade pública, são aqueles onde os dividendos terão menor chance de ser cortados.

Se o poder de compra do consumidor diminuir, pode até ser que sofram alguns impactos, mas dado seu modelo de negócios, vão continuar pagando dividendos.

InfoMoney: E sem recessão, seria a hora das commodities?

Koutny: Sim, mas acreditamos que existe uma diferença muito grande entre soft commodities, hard commodities e energia.

Na parte de soft commodities, que é uma das nossas preferências, vemos que os impactos da guerra na Ucrânia permaneceriam pelos próximos três ou cinco anos, mesmo se o conflito acabasse hoje. Então, trigo, soja e outros, importantes na dieta da população, continuarão com valores elevados.

No caso de empresas de energia, isso depende das sanções à Russia, que criam um fator importante de mercado, porque a China e Índia não conseguem absorver toda a demanda que iria para Europa. O volume fica preso e o preço de energia mundial sobe.

Já as hard commodities, como minério ou metais, podem ficar expostas à recessão, principalmente as que dependem da demanda da construção ou de novas tecnologias, como carros elétricos. A Vale é um exemplo disso. Em uma recessão fraca ela vai se manter estável. Mas em uma recessão forte, estas companhias podem sofrer bastante.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.