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“Cada vez que colocamos dinheiro, os preços sobem”
A frase acima foi dita nesta semana por Alberto Fernandez, presidente da Argentina, lamentando que a ajuda que o governo dá às famílias não tem sido suficiente para amenizar os 51% de inflação anuais.
Trata-se de uma frase emblemática, tendo em vista o cenário global. Nunca governos de todo o mundo distribuíram tantos recursos para amenizar a situação das famílias, seja por conta da pandemia, seja por causa da alta de preços. E nunca os preços estiveram tão altos.
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No caso da Argentina, porém, a frase é ainda mais emblemática, por se tratar de um país que, há cerca de três décadas, era visto como modelo no combate à inflação.
No início dos anos 1990, economistas e políticos do país foram recebidos com tapete vermelho no Fundo Monetário Internacional (FMI) graças ao “Plano Cavallo”.
Em suma, o plano argentino de estabilização previa uma drástica redução de despesas públicas, privatizações e, claro, a dolarização da economia.
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Por volta do mesmo período, o Brasil apresentava o seu Plano Real.
A engenhoca brasileira era mais confusa de se entender. Até hoje, é um tanto quanto difícil explicar como funcionou de fato.
Na prática, o Plano Real separava as funções de uma moeda. A reserva de valor passou a ser o dólar, com 1 Real valendo 1 Dólar. A unidade de conta de contas passou a ser a URV, Unidade Real de Valor e, o meio de troca, o Cruzeiro Real.
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As três coexistiram por um certo período. Até que, em 1º de julho de 1994, o Real foi lançado.
Ao contrário do que possa parecer, porém, esse não foi um plano apenas de troca de moeda.
O plano consistia em limpar um a um os esqueletos do período de hiperinflação: as dívidas dos governos estaduais foram refinanciadas em 1997; uma pequena reforma tributária foi feita; os impostos aumentaram, em parte para cobrir o que antes era pago com impressão de moeda (além de implementar obrigações previstas na Constituição de 1988); e o país avançou nas privatizações.
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É errado, portanto, atribuir o Plano Real a um governo ou momento. Em especial porque ele foi um dos poucos projetos do país que transcendeu governos e partidos.
O fato é que esse plano não foi bem visto pelo FMI. O fundo não confiava que ele poderia funcionar, ao contrário do Plano Cavallo.
Isso levou o Brasil a ter dificuldades em refinanciar sua dívida externa, algo superado posteriormente, mas que criou uma dificuldade a mais.
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Da mesma maneira que os argentinos, porém, os brasileiros tiveram dificuldade em manter a paridade da moeda local com o dólar.
Após uma crise em países emergentes, como Rússia, Tailândia e México, o Brasil também foi afetado.
Em janeiro de 1999, o Plano Real estava pronto para ser revisado na sua âncora cambial.
A previsão de grandes bancos na época era de que a moeda brasileira perderia de 8% a 12% do seu valor, em uma desvalorização controlada pelo Banco Central.
Em 5 de janeiro de 1999, porém, Itamar Franco, governador de Minas Gerais, anunciou que o estado estava suspendendo os pagamentos de sua dívida com a União.
O pânico tomou conta dos mercados. A dúvida era se o governo federal seria, de fato, solvente.
E, em se tratando de mercado, dúvida é algo fatal.
Em 13 de janeiro de 1999, o Real perdeu 8,9% do seu valor. Tudo o que era previsto para o ano. Até o final de janeiro de 1999, nossa moeda perdeu 60% do seu valor.
Esse cenário de caos seria vivido pelos argentinos em 2001, quando, em um período de 12 dias, o país teve cinco presidentes em meio a um colapso econômico.
A maneira como Brasil e Argentina reagiram, porém, é sentida até hoje.
Os argentinos entraram em crise, com o caos se instalando na política. Na sequência, em meio a uma alta das exportações e ao boom de commodities em 2002, elegeram Nestor Kirchner, que usou os dólares das exportações de carne e soja para distribuir recursos e amenizar a dificuldade das famílias.
Já o Brasil, em 1999, dobrou a aposta nas reformas.
Criamos ali o Tripé Macroeconômico. O governo se comprometeu a ter uma meta de inflação, câmbio livre e fazer superávit primário.
Em 2000, criamos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que atuaria fortemente para ajustar as contas dos governos estaduais.
Criamos previsibilidade sobre o orçamento público e a inflação.
O resultado foi que aproveitamos o boom de commodities entre 2001 e 2007 para nos preocuparmos com problemas sociais, enquanto a economia seguia se ajustando. Os juros seguiram em queda, o câmbio se valorizou de forma expressiva e o PIB cresceu.
Essa âncora fiscal tem sido relevante na história do país, especialmente no que diz respeito aos juros.
Em suma, o governo federal precisa refinanciar sua dívida. Para fazer isso, ele recorre à poupança das famílias e das empresas.
Quanto maior a necessidade de se financiar, maior será a fatia que o governo irá tomar da poupança e, consequentemente, maiores serão os juros, afinal, há maior demanda, o que encarece o preço do dinheiro (juros).
Isso significa dizer também que sobrarão menos recursos para as famílias consumirem e as empresas investirem, o que eleva os juros.
Por isso, previsibilidade nas contas públicas e superávit primário são tão importantes. Eles ajudam a reduzir, no longo prazo, as necessidades de financiamento da União, permitindo que sobre mais recursos para as famílias.
Por mais de uma década, mantivemos uma trajetória decrescente da dívida e, consequentemente, dos juros. Até que, em 2014, a maré virou.
A crise econômica gerada pela queda de preços de commodities pegou em cheio um governo que havia se comprometido demais em gastos e dívida para financiar crédito privado, além de ter reduzido sua arrecadação por meio de desonerações fiscais excessivas.
O resultado foi a maior queda do PIB na história do país.
Tínhamos ali uma escolha: poderíamos fazer um ajuste que fosse rápido e doloroso, ou adiar o ajuste criando previsibilidade.
Em 2015, o governo cortou duramente gastos, começando por programas sociais e investimentos.
Sem confiança, porém, o resultado foi inócuo, aprofundando a crise.
Já em 2017, criamos um mecanismo fiscal, voltando aos anos 1990, no qual indicativos importavam mais do que a prática momentânea.
O teto de gastos indica que o governo não vai aumentar seus gastos acima da inflação ao longo de dez anos.
Isso significa que, se o PIB cresce 1% e a inflação cresce 4%, o governo poderia ter uma alta de 5% na arrecadação, mas se compromete a subir seus gastos em, no máximo, 4%. O restante, o crescimento real acima da inflação, vai para o ajuste.
É uma medida dura. Mas pense que países como Grécia e Portugal adotaram outro modelo de ajuste: cortaram pensões e aposentadorias em 40%, ampliaram a idade mínima de aposentadoria, demitiram funcionários públicos e reduziram gastos de programas sociais.
Em um país com problemas sociais tão graves, cortar aposentadorias seria um crime grave.
Optamos por um ajuste de muito longo prazo, menos doloroso. Mas há um detalhe importante.
A partir de 2017, o governo federal passou a ter de cumprir três regras fiscais.
O Teto de Gastos, que limitou o aumento de gastos à inflação; a Regra de Ouro, que proíbe o governo de se endividar para pagar gastos correntes; e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe, por exemplo, que seja concedido um benefício fiscal sem que haja previsão de receita, ou a distribuição de recursos em um ano eleitoral.
Nós brasileiros conhecemos tão bem nossa história que chegamos ao cúmulo de ter três regras para dizer: é preciso ter responsabilidade com o dinheiro público.
Nada disso, porém, parece importar ao Congresso.
Se, em 2011, nós passamos a diminuir os investimentos da meta de superávit primário, tornando o superávit uma fantasia, agora criamos um puxadinho, ou laje, no Teto de Gastos.
O resultado é mais do que óbvio.
Não é possível confiar no Congresso e nos políticos brasileiros – e isso tem um peso.
O que o governo deve dar com uma mão em auxílios, será cobrado pelo aumento do câmbio e dos juros.
Você pagará a conta para que o governo saia na foto como aquele que entende as necessidades da população e distribui auxílios.
Resta saber se, lá na frente, nossos políticos terão a postura de Alberto Fernández, fingindo-se de desentendidos sobre as causas dos aumentos de preços, ou assumirão a responsabilidade por liberar a porteira e gastar como se não houvesse amanhã.
E essa, infelizmente, é uma pergunta que também está mais do que respondida pela história brasileira.