O governo deve pagar a conta dos combustíveis – com o seu dinheiro

Com os governos estaduais com o caixa cheio, a discussão em torno dos preços de combustíveis avança, mas com subsídio federal

Felippe Hermes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Foto: Getty Images)
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Neste momento, uma grande dúvida paira sobre a Califórnia, o estado americano cujo PIB é maior que o brasileiro, por volta de US$ 3 trilhões.

O governo local havia se programado para receber US$ 203 bilhões em impostos, segundo seu orçamento. O resultado, porém, foi uma arrecadação de US$ 300 bilhões.

Na prática, a Califórnia, conhecida por sediar empresas de tecnologia e ter uma taxação rigorosa sobre a renda dos mais ricos, está com dinheiro sobrando.

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As discussões sobre onde gastar a grana extra estão acirradas. O governador Gavin Newsom já adiantou que parte dos recursos deve ser direcionada para aliviar a alta de preços no orçamento das famílias.

Por aqui, a situação não é tão distinta. Ironicamente, em meio à crise que ainda se abate sobre as famílias, as contas públicas fecharam em seu melhor resultado em anos.

Os governos estaduais tiveram um superávit primário (a diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, exceto despesas financeiras), da ordem de R$ 124 bilhões. Um resultado “fantástico”.

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Em suma, como energia e combustíveis respondem por parte relevante da arrecadação dos governos estaduais e estes dois produtos subiram muito acima do restante da economia, a arrecadação cresceu, enquanto a economia patina.

Isso ocorreu mesmo sem necessidade de aumentar as alíquotas de impostos, pois o percentual cobrado de ICMS incide sobre o preço médio final estimado. Se o preço aumenta na refinaria, o preço final também sobe, e os 25% de ICMS que antes eram calculados sobre um valor de R$ 1, passam a ser calculados sobre um valor final de R$ 2 (com valores hipotéticos).

Na prática, o valor extra arrecadado se soma ao caixa dos estados. Governos estaduais têm hoje R$ 319 bilhões em caixa. Os municípios, por sua vez, têm R$ 182 bilhões.

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Essa montanha de recursos já tem sido direcionada para obras ou recomposição de salários, tendo em vista que os estados foram proibidos de aumentar vencimentos durante a pandemia (condição necessária para receber a ajuda federal aprovada pelo Congresso).

Neste momento, mesmo estados historicamente quebrados, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, apresentam situação confortável.

No mais endividado deles, o Rio Grande do Sul, a dívida com a União caiu de 233% da receita anual líquida para 183% em um único ano (as privatizações e as reformas da previdência e administrativa também colaboraram, mas a alta de arrecadação foi um fator crucial).

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Chegamos ao ponto que alguns estados, como Santa Catarina, por exemplo, decidiram compensar a diminuição de investimentos federais em infraestrutura investindo em rodovias federais com recursos do estado.

Essa situação paradoxal, em que os estados nunca lucraram tanto e a população segue sofrendo com a alta de preços, nos leva à discussão atual.

De fato, parte do debate já foi encarado pelo STF. Em novembro de 2021, a corte decidiu que era ilegal cobrar alíquotas acima da alíquota geral de 17%.

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Neste momento, todos os estados brasileiros possuem ICMS sobre combustíveis acima de 17%, com boa parte deles em 25%. Alguns estados, como o Rio de Janeiro, cobram 34% de ICMS (ironicamente, o estado que mais produz petróleo no Brasil é o que mais cobra impostos sobre combustíveis).

O problema, claro, é que o STF deu a entender que a mudança vale apenas a partir de 2024. Em suma: é um problema dos próximos governadores.

A Câmara, não satisfeita em perder protagonismo, decidiu adiantar a discussão, puxando a redução já para este ano.

A alíquota máxima de 17%, portanto, será uma realidade.

Neste meio tempo, a luta é para saber quem será o pai da medida, ganhando o mérito político.

A proposta do governo federal é de que, pelos próximos seis meses, os governos estaduais reduzam as alíquotas de impostos, sendo compensados pelo governo federal.

É uma espécie de Lei Kandir (norma que determinou o fim da cobrança de ICMS sobre exportações agrícolas e que a União se comprometeu a compensar, mas ainda deve boa parte), mas aplicada aos combustíveis.

É preciso reconhecer, antes de tudo, que a decisão não implica um corte de impostos, uma vez que o governo seguirá pagando e, portanto, você pagará. Trata-se de um subsídio.

E não há qualquer ilegalidade em o governo decidir subsidiar combustíveis, ainda que precise acertar isso com o cumprimento do Teto de Gastos e da legislação eleitoral. É uma escolha política subsidiar um setor ou não.

Há algumas questões importantes a serem respondidas, porém.

Como o governo pretende fazer o subsídio?

Tivemos no início da década passada uma política de congelamento de preços de combustíveis em que a Petrobras pagava parte da conta final.

O resultado foi um rombo de R$ 100 bilhões na estatal, que se endividou para garantir o desejo do governo: manter a inflação controlada.

A política atual pretende fazer isso usando recursos do orçamento. Em teoria, é uma decisão melhor. Afinal, o valor estará no orçamento visível para todos e não escondido no balanço de uma empresa estatal.

Se a sociedade acha coerente subsidiar combustíveis, nenhum problema.

Mas a questão mais relevante ainda será: qual o custo de mexer nos índices de inflação desta maneira?

A inflação tem sido um problema crônico global. Nos EUA, ela é a maior em quatro décadas e, na Europa, também segue preocupando, especialmente em energia e após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Desde 2020, o governo americano imprimiu alguns trilhões de dólares, levando a um excesso de dinheiro no mundo, com uma produção de riquezas que cresce pouco e enfrenta problemas como a crise na cadeia de suprimentos, por exemplo. Esse descasamento entre mais dinheiro circulando e a mesma riqueza existente eleva os preços.

Portanto, há um problema imenso e que não depende exclusivamente do Brasil para ser resolvido. Mas cabe a nós perguntar por aqui como funcionam esses “índices”.

Em resumo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) simula uma cesta de consumo das famílias brasileiras. Digamos: 20% para habitação, 20% para energia, 20% para alimentação, 20% para lazer e 20% no transporte.

Nesse exemplo hipotético, caso todos os preços continuem iguais, mas transporte tenha uma alta de 100%, a inflação na economia seria de 20%.

Agora, se os preços ficarem inalterados em todos os demais fatores e o governo bancar o aumento de preço dos combustíveis com impostos, a inflação seria de 0%, ainda que o preço dos combustíveis tenha subido e alguém (o pagador de impostos) esteja pagando.

Essa tática é o que levou o governo a usar a Petrobras para pagar pelo aumento nos combustíveis. Isso diminuía o IPCA e, portanto, dava a entender que a economia estava melhor do que de fato estava.

Esse tipo de manipulação é perigoso, uma vez que salários, aposentadorias e mesmo produtos têm reajustes atrelados à inflação.

A confiança nos indicadores da economia é um fator chave também para os investimentos. É inviável planejar um investimento de longo prazo caso você não saiba como os indicadores econômicos estarão.

É uma decisão política, conforme já dito. Em especial porque as consequências são muito mais difíceis de medir do que a ação de cortar o preço do combustível.

Como dizia o economista francês Frédéric Bastiat, há uma diferença entre “o que se vê” (o governo diminuindo o preço dos combustíveis) e o que não se vê (o pagador de impostos continuando a pagar o valor, mas por meio do governo).

E, a despeito de tais incertezas, a única coisa que continua líquida e certa por aqui é que prorrogaremos ainda mais a discussão sobre reforma tributária para continuar usando e abusando do “jeitinho”.

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Felippe Hermes

Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com