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Em tempos de multiverso na cultura pop, com infinitas possibilidades e novos ramos de histórias de super-heróis tomando as telas do cinema, o momento não poderia ser mais propício para entender as escolhas que fizemos para chegar até a realidade atual, ao menos em outro campo, o da economia.
Longe da ficção, a ideia de entender “o que ocorreria se tal decisão fosse tomada em detrimento de outra”, é um campo bastante usual da ciência, em especial na ciência econômica.
O nome formal dessa ideia é “Contrafactual”. Economistas utilizam os instrumentos de medição que possuem para isolar variáveis e medir os resultados.
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Este é, por exemplo, o caso de um estudo recente entre pesquisadores do Insper e da USP que descobriu um resultado até então desconhecido: a reforma trabalhista gerou até o momento 1,7 milhão de empregos.
Isso significa dizer que 1,7 milhão de pessoas que estão empregadas, estariam desempregadas caso a reforma não tivesse sido aprovada.
Em matéria publicada no ano passado com “especialistas” (advogados e juízes), o portal UOL cravou que a reforma não gerou empregos. Nenhuma metodologia, apenas opinião de especialistas.
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Este caso em específico relata o quão difícil é promover debates públicos no Brasil pautados em evidências.
Trata-se de um caso crônico em que emoções e opiniões ganham mais espaço do que dados de fato. E tal epidemia se tornou extremamente banalizada.
É importante ressaltar que a culpa, em boa medida, é dos próprios economistas. Muitos não possuem qualquer preparo para lidar com o público e terminam soltando números que soam agradáveis, mas demandam contextos.
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Este foi o caso da Reforma Trabalhista em si.
O então ministro da Fazenda Henrique Meirelles divulgou que a reforma geraria 6 milhões de empregos!
A realidade: a reforma geraria 6 milhões de empregos em 10 anos, em contraste com um cenário sem reforma. Não significa que teríamos 6 milhões de desempregados a menos em relação a 2017, mas 6 milhões a menos em relação a 2027 sem a reforma.
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Sim, não é algo fácil e muito menos agradável politicamente.
A tentação de jogar números sem contexto para o público e prometer mundos e fundos é quase universal em se tratando de política.
Mas tal atitude colabora no fundo apenas para diminuir a confiança e efetividade de reformas. E a comunicação ruim é apenas um dos problemas.
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Em primeiro lugar, é importante ressaltar que reformas não são soluções mágicas que você aplica uma única vez e os resultados aparecem.
Reformas são uma necessidade constante. Nossa demografia muda, a tecnologia muda (como imaginar que uma legislação de 1940 possa prever o home-office?).
Nos anos 60, a média de idade da população brasileira estava em 19 anos. Nos anos 2010, havia chegado a 34 anos. Envelhecemos bastante e, no entanto, a idade de aposentadoria permaneceu a mesma. Um total contrassenso que demandou uma reforma da previdência.
Foi o que fizemos em 2015 e posteriormente em 2019, neste caso muito mais a fundo.
Não houve uma necessidade de momento, ou expectativa de que a economia iria melhorar ao se mudar as regras de aposentadoria. Foi, e continua sendo, uma necessidade de adaptação. Nova demografia, novas regras.
Em tributos é possível dizer o mesmo. Nossa legislação de ICMS data dos anos 60. A Internet só viria a ser popularizada dali 30 anos, ou 40 no Brasil.
A organização das empresas também mudaria radicalmente, e os meios de comunicação e fiscalização, idem.
Discutir uma reforma tributária não é portanto uma questão de momento, mas uma urgência que já perdura 2 décadas.
E assim são praticamente todas as reformas que discutimos e vamos continuar discutindo pelas décadas seguintes. Não se espera, por exemplo, que o Brasil de 2040, com uma população decrescente, possa continuar com as mesmas regras de previdência atuais.
A maneira como discutimos, porém, precisa ser melhorada.
Este é um papel que caberá também à imprensa e à sua escolha de “especialistas”, e aos responsáveis por formular propostas.
Em tempos de “viva a ciência”, é importante lembrar que economia não é uma questão de vontade política, mas uma ciência humana.
Se conseguirmos resolver esta questão, podemos ter uma perspectiva então de seguir para o próximo passo. O que as reformas podem fazer?
Em princípio, existem alguns tipos de reformas.
As reformas microeconômicas, que não dependem de grande discussão no Congresso ou mudanças radicais, são focadas em melhorar o ambiente jurídico e as regras do jogo.
O Marco do Saneamento, que passa a punir empresas que não cumprem determinados padrões de serviços, é um exemplo. O Marco das Ferrovias, que permite empresas privadas construírem ferrovias sem depender de leilões públicos, também é outro ótimo exemplo.
Estes casos ajudam a destravar investimentos e dar garantias aos investidores, de que não serão surrupiados em uma canetada.
Em 2005, por exemplo, aprovamos uma reforma no campo do crédito habitacional, que melhorou a recuperação de dívidas.
Com imóveis em garantia, bancos aumentaram os empréstimos e o setor da construção civil cresceu. O percentual recuperado de quem dá calote saiu de 2% para 16%, ainda abaixo da média da União Europeia, EUA e Japão (60-70%), mas melhor do que antes.
Outro exemplo de reformas são aqueles que visam adequar o gasto público, conter despesas e melhorar a projeção futura.
Neste campo entra a reforma da previdência, já citada aqui, e o Teto de Gastos.
Em suma, com o país gastando mais do que arrecada, o Brasil poderia ter adotado modelos como de Portugal ou Grécia, demitindo funcionários públicos e cortando aposentadorias.
Seria um desastre e jamais contaria com qualquer apoio. Foi por este motivo que implementamos o Teto de Gastos.
Basicamente o Teto diz que “o governo se compromete a conter suas despesas e fazer um ajuste ao longo dos próximos 10 anos, ao invés de hoje”.
O resultado também foi positivo. Evitamos um colapso social e explosão da taxa de juros. Por alguns anos os juros de fato caíram, como no resto do mundo, mesmo que a situação fiscal estivesse longe de ser resolvida.
O Teto também havia sido proposto em 2005, com uma razão simples: reduzir a dívida pública e consequentemente os juros.
O governo na época negou, mas a proposta tinha seu sentido.
O Brasil tem uma poupança em torno de 18% do PIB. O governo demanda hoje 9% do PIB para se financiar. O restante fica para as famílias e empresas investirem.
Menor demanda do governo por recursos diminuiria os juros.
No fundo, reformas de controle de gastos buscam sempre este resultado.
O terceiro tipo, as reformas de simplificação, também buscam promover o crescimento. Mas não apenas com garantias jurídicas.
São reformas como a tributária, cujo objetivo é reduzir a complexidade do sistema.
Imagine, por exemplo, que uma rede de restaurantes hoje possa abrir diversos CNPJs distintos e realizar em cada um deles um processo de compra e venda, tudo para pagar menos impostos.
Já uma construtora cria um novo CNPJ para cada obra.
O resultado é que incentivamos a ineficiência ajudando aqueles que conseguem fazer isso a pagar menos impostos.
A alíquota de imposto é uma preocupação tão grande ou até maior do que o lucro através da eficiência.
É certo que o país demandará de inúmeros ajustes e reformas nos próximos anos.
Nossa dificuldade em debatê-las, porém, pode resultado em uma situação onde os temas de arrastem, a baixa produtividade persista e sigamos obrigados e fazer ajustes cortando gastos e não preocupados em aumentar o crescimento.
O quanto antes mudarmos tal situação, melhor para o país.