O que mudou nas projeções para a economia brasileira após a Rússia invadir a Ucrânia?

Instituições financeiras são unânimes em elevar perspectivas para inflação; já sobre crescimento da economia, projeções são mais dispersas para 2022

Lara Rizério Mitchel Diniz

(Getty Images)
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Evento que não estava no radar dos economistas nas suas tradicionais projeções para o começo de ano, a guerra entre Ucrânia e Rússia levou a uma disparada dos preços das commodities, à imposição de diversas restrições e, como consequência, a uma série de revisões para as economias em diferentes partes do globo.

Ainda que as matérias-primas tenham registrado alívio nos últimos dias, continuam voláteis e sendo uma fonte de pressão, levando a projeções altistas para os preços, como mostrou o Relatório Focus da última segunda-feira (14). A perspectiva das instituições financeiras consultadas pelo Banco Central sobre a inflação deste ano mudou radicalmente: de 5,65% para 6,45%.

“Não foi exatamente uma surpresa a piora das expectativas de inflação no relatório Focus de hoje, mas não me recordo de outro período onde vimos uma alta tão significativa na inflação projetada”, disse André Perfeito, economista-chefe da Necton.

O Bradesco BBI observa que os números do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foram revisados para todos os anos até 2024, impulsionados por preços mais altos de commodities e inflação corrente ainda alta, com o índice de fevereiro vindo pior que o esperado.

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“De fato, com mais incertezas causadas por conflitos geopolíticos, a maioria dos economistas revisou totalmente seus cenários”, escreveram os analistas do BBI.

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As previsões para a Selic também aumentaram, de 12,25% para 12,75% em 2021 e de 8,25% para 8,75% em 2023. “Até os números de 2024 também revisados para cima – para 7,50%, de 7,38% anteriormente”, destaca o relatório do BBI.

Em relação ao real, a valorização observada recentemente levou os economistas a apostar em uma moeda brasileira mais forte (R$ 5,30 ante R$ 5,40 na semana anterior), apesar da incerteza global muito maior.

Os números projetados para o PIB, por sua vez, aumentaram em 2022 (0,49% ante 0,42% na semana anterior), principalmente devido à boa divulgação do número do 4T21, bem como aos dados de atividade econômica divulgados até agora para fevereiro. As projeções, porém caíram para 2023 (de 1,50% para 1,43%), principalmente devido à atividade mais fraca global esperada com os conflitos.

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BofA: Selic a 13,25% no final do ano

O Bank of America aumentou acentuadamente sua projeção para a inflação do Brasil ao final deste ano devido ao impacto das tensões geopolíticas nos preços das commodities, o que leva a uma expectativa de maior agressividade do Banco Central na condução da política monetária.

A previsão do banco para o IPCA em 2022 saltou de 5% para 6,5%, taxa bem acima do teto da meta oficial. A conta para o ano que vem também foi revisada para cima, de 3,5% para 4,0%.

As metas de inflação para o Banco Central são de ​3,50% para este ano e de 3,25% para o próximo, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais (teto da meta) ou menos.

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A alta nos preços das commodities decorrente do conflito entre Rússia e Ucrânia “acrescentará pressão às dinâmicas de inflação já persistentes”, disse o BofA em relatório.

Assim, o banco espera que a Selic encerre 2022 em 13,25%, após dois aumentos consecutivos de 1 ponto percentual, em março e maio, e uma alta final de 0,5 ponto, em junho. Anteriormente, a projeção do BofA era de taxa de 12,25% para o fim do ano.

Para 2023, o banco vê a Selic em 10,50%, contra estimativa anterior de 9,50%.

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Por outro lado, apesar dos riscos inflacionários, o BofA ponderou que o salto global nos preços das commodities terá impacto positivo nos termos de troca do Brasil, com o setor agrícola devendo ser o principal beneficiário da alta das cotações das commodities.

Desta forma, os analistas afirmam enxergar “alguns riscos altistas” para suas projeções de crescimento deste ano, que estão em +0,5%.

“Acreditamos que as ações brasileiras superarão o desempenho do resto da região (latino-americana), pois o conflito Rússia-Ucrânia acelerou o reequilíbrio das carteiras globais para o Brasil”, disse o banco no relatório.

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Santander Asset: inflação ainda mais acima da meta

A Santander Asset elevou sua estimativa para a Selic deste ano de 11,75% para 12,25% e passou a ver o IPCA em alta de 5,9% ao fim de 2022, ainda mais acima da meta oficial do ano. A previsão anterior era 5,4% e já estourava o teto. Os números foram revisados após os dados de inflação de fevereiro extrapolarem expectativas.

“A abertura seguiu mostrando pressões disseminadas, com a inflação de bens industriais muito elevada e a inflação de serviços em tendência de aceleração”, disse a gestora no relatório. “Prospectivamente, não vemos uma reversão rápida deste quadro.”

Para 2023, a projeção para o IPCA foi mantida em alta de 3,7%.

Por outro lado, a Santander Asset melhorou, ligeiramente a projeção para a taxa de câmbio, vendo o real a 5,30 por dólar ao fim de 2022. No entanto, a gestora aponta a retirada de estímulos monetários globais, tensões geopolíticas no exterior e incertezas de natureza fiscal no âmbito local como possíveis empecilhos para a moeda brasileira.

XP: Inflação acima da meta também para 2023

A XP, em relatório do começo de março, aumentou sua estimativa do IPCA deste ano em 1 ponto percentual, a 6,2%, com o choque de custos provocado pela guerra na Ucrânia devendo intensificar a persistência da inflação elevada.

A projeção para a alta do IPCA em 2023 também subiu, a 3,80%, de 3,25% anteriormente – a casa agora vê inflação acima da meta também para o próximo ano.

“O mundo já vinha se defrontando com demanda aquecida e cadeias de produção desestruturadas. Neste sentido, o choque adicional de custos representado pela guerra na Ucrânia tem um efeito sobre a economia global ainda maior do que numa situação ‘normal'”, disseram economistas e estrategistas da XP.

Eles afirmam que, para o Brasil, o choque global significa inflação mais persistente, especialmente de alimentos e energia.

O time de economistas manteve projeção de que a taxa Selic chegará a 12,75% ao fim do atual ciclo de aperto monetário do Bacen e entende que o espaço para cortes de juros apenas em 2023. Em cenário anterior, a XP esperava que um ciclo de afrouxamento seria iniciado em dezembro deste ano.

Para o término de 2023, a XP revisou sua expectativa para o patamar da Selic a 8,25%, de 7,50%. “O patamar de 7,50%, que julgamos neutro, deverá ser atingido somente em 2024”, afirmaram os especialistas.

Apesar dos riscos geopolíticos que têm abalado os mercados internacionais, a XP melhorou sua previsão para a taxa de câmbio brasileira ao fim deste ano, a 5,20 por dólar. Anteriormente, a expectativa era de taxa de 5,70 por dólar.

Itaú: crescimento tímido da economia em 2022

O Itaú melhorou sua projeção para o desempenho econômico do Brasil neste ano, passando a ver leve crescimento de 0,2% após surpresa positiva em dados recentes e diante da disparada internacional dos preços das commodities. Anteriormente, o banco previa contração de 0,5% em 2022.

Mas a avaliação é que a alta dos preços do petróleo e commodities agrícolas também terá impacto na inflação, elevando a pressão sobre o consumidor e forçando o Banco Central a endurecer sua conduta de política monetária, o que fez o Itaú piorar sua estimativa de expansão da economia para o ano que vem a 0,5%, contra taxa de 1,0% prevista em cenário anterior.

O banco espera agora que o IPCA suba 6,5% em 2022. Para 2023, a estimativa de inflação foi mantida em 3,5%.

“Diante do aumento das pressões inflacionárias e o consequente risco de desancoragem de expectativas, o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá realizar um aperto monetário mais prolongado do que o que esperávamos antes da escalada das tensões entre Rússia e Ucrânia”, afirmou o banco.

A taxa Selic deve chegar ao fim do ano em 13%, de acordo com a mais recente revisão de cenário do Itaú. Antes, o banco esperava que os juros terminariam o ciclo de aperto monetário em 12,50% ao ano.

A expectativa do Itaú para a inflação global em 2022 passou de 4,3% para 5,4%, por causa da guerra. A projeção de crescimento do PIB global, por sua vez, foi reduzida de 3,6% para 3%.

BNP Paribas: Inflação de 7% ao final de 2022

O banco francês foi ainda mais agressivo em suas revisões para o IPCA, que passou de 6% para 7% em 2022. Para os analistas do BNP Paribas, a pressão vinda da alta de combustíveis e alimentos, além da melhora pouca expressiva na cadeia global de suprimentos, deve ofuscar recentes desonerações fiscais e e contas de energia elétrica mais baratas.

“Ainda que o cenário seja repleto de incertezas, acreditamos que a trajetória altista do preço das commodities deve persistir”, disseram os analistas do banco. O banco acredita que a guerra na Ucrânia afeta a inflação brasileira por quatro frentes: combustível, exportações, grãos e proteínas.

O BNP Paribas acredita que o Banco Central deve levar a Selic a níveis ainda mais contracionistas e prevê a Selic em 13,25% ao final de 2022. O Banco acredita que a autoridade monetária só deverá reduzir juros a partir do segundo trimestre do ano que vem.

Goldman Sachs: Pouco otimismo sobre o PIB

Nem mesmo o resultado acima do esperado do PIB no quarto trimestre do ano passado, e a herança estatística que o dado deixa para os números de 2022, impediram o Goldman Sachs de revisar para baixo suas projeções para a economia brasileira. Se antes o banco previa alta de 0,8% do PIB brasileiro em 2022, agora a previsão de alta de 0,6%.

As perspectivas para a inflação foram revisadas para cima: de 5,5% para 6,5% em 2022; e de 3,5% para 4% em 2023.

Mas não foi apenas o Brasil que teve suas projeções cortadas. A expectativa do Goldman Sachs para o PIB global também foi reduzida de 4,4% para 3,3% em 2022; e de 4,4% para 3,5% em 2023.

(com informações da Reuters)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.