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O Banco Central dos Estados Unidos (Federal Reserve) mexeu com os mercados ao anunciar que pretende encerrar seu programa de compras de títulos de público até março de 2022 e sinalizar três altas de juros só no ano que vem. A autoridade monetária adota um tom mais hawkish (mais duro, de preocupação com a alta de preços) no momento em que a inflação na maior economia do país chega em seu maior nível em décadas. Outros Bancos Centrais pelo mundo estão seguindo pelo mesmo caminho.
O Banco Central Europeu (BCE) anunciou que também pretende concluir a compra de ativos no primeiro trimestre do ano que vem o BC da Inglaterra surpreendeu elevando os juros em sua última reunião.
Mas será que o mundo está preparado para a retirada de medidas de estímulos adotadas para dar liquidez dos mercados ao longo da pandemia? Afinal, os casos de Covid-19 seguem aumentando em algumas partes do globo, com a variante ômicron ainda trazendo muitas dúvidas sobre sua transmissibilidade, gravidade e resistência às vacinas.
O InfoMoney conversou sobre os impactos da nova postura do Federal Reserve e outros bancos centrais com Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, e Luiz Fernando Figueiredo, sócio-fundador da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central.
Ambos acreditam que subir juros é um remédio necessário à escalada da inflação, que poderia se tornar um problema muito mais grave no futuro. Mas será que os mercados estão preparados para lidar com menos liquidez? Confira o que eles disseram.
Quais serão as consequências da redução de estímulos e alta de juros nos Estados Unidos para o Brasil?
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Caio Megale: Em geral, a alta de juros nos Estados Unidos traz preocupações para nós, porque reduz fluxos de capitais. Normalmente, não é bom para ativos emergentes, logo, não é bom pra nós. Mas acho que desta vez é diferente. Os juros nos Estados Unidos estão baixos demais e isso está fazendo com que a inflação no mundo inteiro fique pressionada. A inflação é o principal problema do mundo e, portanto, do Brasil também. A alta de juros nos EUA vai ajudar o trabalho do nosso Banco Central e de outros países a combater a inflação. Vamos entrar em um momento menos expansionista dos Bancos Centrais de maneira geral.
O estímulo monetário é bom desde que não gere efeito colateral negativo e já estávamos entrando nesse campo. Os juros nos Estados Unidos, antes da pandemia, eram de 1,75% e a gente achava baixo. Agora as coisas estão se normalizando e precisam voltar aos patamares pré-pandemia, ainda que devagar, já que ela não acabou. Resumidamente, não faz sentido você ter uma politica monetária de situação de emergência com a economia normalizando.
Luiz Fernando Figueiredo: O que acontece em momento de aperto monetário é uma redução de liquidez para os países emergentes. Mas esse risco ocorre quando existem exageros. Os Estados Unidos estão saindo de um juro a zero, então não é nada que mude radicalmente a aversão ao risco no mundo, mas sim um movimento natural de quando as coisas estão voltando à normalidade. Do contrário, o risco vai na outra direção, que é o inflacionário. O caso brasileiro, porém, é particular, ainda que seja um dos países que mais vacinou no mundo. A percepção sobre Brasil é muito ruim, localmente e externamente, mas muito por conta de fatores internos.
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O mercado está completamente consciente sobre a necessidade de diminuir estímulos. Nos Estados Unidos, ainda que subam, os juros vão ficar abaixo da inflação. O Fed não está enxugando a liquidez, ele está parando de aumentar a liquidez, é uma transição muito leve.
O Brasil já está no ciclo de alta de juros e a taxa deve chegar em dois dígitos já no começo do ano que vem. Isso interfere na tendência para o fluxo de capital?
Megale: Eu acredito que muda pouco o fluxo em relação ao que está hoje. Por aqui, os juros subiram de 2% para quase 10% e a taxa de câmbio não se valorizou. A gente não teve um “mega” fluxo para o Brasil por causa dos juros mais altos. Acredito que esse fluxo não olha tanto para o diferencial de juros [entre Brasil e Estados Unidos], mas olha para o risco fiscal e a inflação. É natural subir juros como remédio para o problema da inflação. Mas, claro, se o Federal Reserve decidir subir 50 pontos-base de primeira, seria outra história. Mas a tendência é de aumento gradual. Tanto é que os juros nos Estados Unidos, de 10 anos, no longo prazo, não mexeram muito, mesmo com o Fed sinalizando três altas em 2022.
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Figueiredo: O diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos nunca foi tão alto. Você olha a taxa de 10 anos nos EUA, em 1,40%, 1,45%. No Brasil está em em 10,5%. Isso tem o poder de atrair algum capital financeiro, é natural que aconteça, mas acho que não vai ser algo muito grande. Depende de como estiver a liquidez internacional também. Os ativos brasileiros continuam muito depreciados. As ações brasileiras ficaram muito baratas e precisamos lembrar que elas não representam o PIB brasileiro, que vai andar pouco no ano que vem. As ações brasileiras representam as winners, empresas que são mais saudáveis e que mais conseguiram se adaptar ao período de pandemia.
O real também se depreciou muito, refletindo a percepção de risco fiscal no Brasil. O diferencial entre as taxas do Brasil e Estados Unidos vai continuar muito alto e ajudar na pressão de apreciar o real. O fator dominante é muito menos a questão de juros, e muito mais a percepção fiscal, que pode melhorar com a aprovação da PEC dos Precatórios.
Luiz Fernando Figueiredo: “Mundo estava sob efeito de ‘cortizona'”
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Globalmente, quais podem ser as consequência de um aperto monetário nos Estados Unidos?
Megale: Vai depender do contexto de cada país. A China tem um problema no mercado imobiliário e está precisando focar nesse tema; na Europa, tem a Alemanha com os preços subindo e problemas de dívida na Grécia. Mas, para a maior parte dos países hoje o principal problema é a inflação, e não é mais a Covid. Por isso, subir juros de maneira moderada é uma boa notícia. Seria muito pior não subir e deixar o problema crescer lá na frente.
Figueiredo: Aos poucos, o mundo está voltando à normalidade. Se você retoma as taxas de juros que estavam antes da pandemia, é um sinal de que as economias estão precisando de menos remédio. O mundo estava sob efeito de “cortisona”. É possível que, nessa transição, os ativos deem uma certa chacoalhada, o que é de normal acontecer. Faz parte quando o mundo deixa de ser “cor de rosa” e você segue a vida com um padrão mais normal.
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