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Voltamos a falar da liga de clubes no Brasil. Estou preparando um estudo a respeito da estruturação de uma liga e trago alguns itens neste artigo.
Porque a liga não é fim, é meio. Meio para tornar o futebol um produto mais organizado e, a partir daí, acessar maior público e, consequentemente, fazer mais dinheiro.
Existem inúmeros desafios nesse processo. Formar uma liga é criar uma convergência a partir de divergências. É uma forma de cada um abrir um pouco mão de sua autonomia para que o todo seja melhor. Temos, portanto, o primeiro desafio.
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Esses processos costumam ser mais bem construído se forem feitos “de dentro para fora”, ou seja, a partir dos clubes. Possivelmente mais longo, é um processo orgânico e isto costuma permitir que arestas sejam aparadas e a estrutura seja mais sólida.
Quando os processos são conduzidos de fora para dentro, ou seja, com um ente externo costurando a nova estrutura, há sempre o risco de se fazer algo que tenha uma ponta solta que acabe estourando em algum momento. Ao mesmo tempo, pode ser o fio condutor que possibilite justamente convergir posições antagônicas.
Não é simples. A realidade de A e diferente da de B, os desafios de quem tem muitas dívidas é diferente de quem está numa fase de conquistas e investimentos. Essa organização precisa pensar em quatro pilares básicos do negócio e como lidar com eles: Calendário, Receitas, Competição e Controle Financeiro.
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A estrutura precisa pensar em como abarcar a realidade das competições estaduais e das demais séries nacionais – afinal, falamos de quantas séries dentro da liga? Qual o relacionamento com as competições que ficarem de fora, se é que ficarão? Como será o relacionamento com as entidades que regulam o esporte?
Daí vem o desafio do crescimento de receitas. Aqui talvez haja a maior expectativa, mas também a maior chance de frustração. Não é fácil aumentar receitas, já tratei sobre isso recentemente aqui. Mas vamos reforçar alguns aspectos.
Usando 2010 como base 100, ou seja, variando anualmente as receitas em relação ao valor de 2010, temos o comportamento acima. Sabemos disso, mas nunca é demais reforçar: as receitas que crescem são aquelas com direitos de transmissão e negociação de atletas. As demais são bastante estáveis.
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No caso das receitas com negociação de direitos de transmissão, temos boas e más notícias. Vamos olhar rapidamente a pior delas: talvez o valor de direitos de transmissão não seja tão baixo como se imagina. Abaixo temos um comparativo entre a evolução das receitas com transmissão da Premier League e do Brasileirão, a partir de 2010.
Também utilizando 2010 como base 100, note que a Premier League encerra o período acima do Brasileirão. Mas, se analisarmos com atenção, a diferença de crescimento não é tão grande assim, e o maior impacto vem da negociação de direitos internacionais. E daí vem outra notícia ruim: direitos internacionais dependem de muitas coisas que precisam ser endereçadas antes pela liga e pelos clubes.
A primeira é ter um calendário eficiente, que pense na possibilidade de criar datas e horários que permitam acessar mercados que demandam e pagam por direitos. Depois, é preciso encontrar interessados em assistir ao futebol brasileiro além dos brasileiros que vivem no exterior. Porque o valor depende da demanda. Mas o desafio não acaba aí.
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Há uma questão envolvendo o produto, a qualidade do que se vê em campo. Quando falamos que na Europa se joga outro esporte, alguém acredita que outros mercados não perceberão o mesmo, ainda mais com a comparação direta com as demais grandes ligas europeias? Logo, há que se melhorar a qualidade do jogo, o core business.
Porque em alguns mercados pode haver demanda, como nos EUA, que vive a chamada “Guerra do Streaming”, na qual vários operadores estão correndo atrás de novos assinantes e, para isso, é fundamental ter conteúdo para mostrar. Esporte é um conteúdo interessante, então é possível que haja uma disputa entre Disney, NBC, CBS, Dazn, entre outras, pelos direitos do Brasileirão nos EUA e talvez até em alguns países da América Latina.
Para se ter uma ideia do desafio, a Serie A italiana fechou acordo de € 170 milhões por três anos, o que dá perto de € 56 milhões anuais (equivalente a R$ 368 milhões). A Ligue 1 francesa recebe € 80 milhões anuais (R$ 520 milhões anuais) da beIN por todos os direitos internacionais da competição.
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Alguém dirá que a Premier League fechou contrato com a NBC americana por € 2,45 bilhões por seis anos! Sim, e isso dá € 409 milhões anuais, ou importantes R$ 2,65 bilhões. É o dobro do valor anterior, impulsionado pela “guerra do streaming”.
Essa é uma guerra nos EUA pois, na Europa, os valores seguem estáveis. Na Ásia, há contenção de investimentos e, na América Latina, há pouco dinheiro em jogo. Assim como no Brasil. E daí vem outro tema: os contratos do Brasileiro só mudam a partir de 2025. Ou seja, até lá não haverá alterações. E, quanto mais o tempo passa, maior a chance de arrefecimento de alguma guerra de streaming no Brasil.
Há sempre a ideia fixa de dizer que operadores americanos pagariam barato, e em dólares, se comprassem os direitos do Brasileirão no país. O problema é que convenientemente esquecem que as receitas também são em reais, ou seja, a conta precisa fechar em reais. Não é simples, vide o que estamos vendo no Campeonato Paulista, que ainda não fechou a cota de pay-per-view, e talvez tenha que operar através de um terceiro.
No Brasileiro, há um caminho através da melhor negociação de parte do dinheiro do pay-per-view. Mas tirando custos, estamos falando de adicionais na casa de R$ 500 milhões, o que seria algo da ordem de R$ 25 milhões dividido por 20 clubes. Bom, dinheiro é sempre bom, mas essa quantia não vai mudar a vida dos clubes. Ainda mais sem saber como será a distribuição dos valores.
Vamos então a outro tema, que é o das receitas com negociação de atletas. Temos lido e ouvido a defesa de que não podemos viver de vender atletas, que isso afeta nosso futebol, e que a liga seria vital para reverter esse quadro. Muito bonito no discurso, mas novamente esse argumento carece de melhor entendimento. Negociar atletas é do jogo e uma liga não muda isso, necessariamente.
No gráfico acima, cuja fonte é a Uefa, veja que no Brasil 70% dos clubes da Série A dependem de menos de 25% das receitas vindas da negociação de atletas. E quando essas receitas não vêm é sinal de o clube terá dificuldades. Daí vem uma falácia: os clubes não negociam por opção, mas por necessidade, para fechar suas contas. Logo, dizer que não podemos depender dessas receitas é mais força de mídia que realidade.
Note que em Portugal 85% dos clubes tem mais de 50% das receitas vindas das negociações, assim como na Itália e na Espanha há dependência maior que no Brasil. As exceções são Inglaterra e Alemanha, que vivem sem depender profundamente de negociar atletas.
Portanto, a questão não é negociar, mas negociar bem. E isto significa negociar sem pressão, que vem da necessidade de fechar as contas. A liga ajuda, mas não muda a essência: quem forma, vende.
Por fim, não basta dinheiro se o uso não for controlado de alguma forma, essencialmente através de um sistema de Fair Play Financeiro. Muitos já sabem que eu desenvolvi junto à CBF um modelo que está sendo aplicado em fase de testes há três anos, com resultados bastante sólidos, faltando apenas aparar algumas daquelas arestas que comentei no início do artigo para entrar em vigor. Quais arestas? A aprovação dos clubes.
Nem é preciso criar nada de novo, pois já existe, está sendo monitorado, há sistemas e tudo. Basta que os clubes aceitem adotá-lo. Os mesmos que precisam se unir de forma organizada para impulsionar a transformação do futebol brasileiro.
SAF, associações, liga, fair play financeiro, ideias, pessoas. Precisamos juntar tudo isso se quisermos um futebol melhor.
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