Martín Escobari: o importante não é termos unicórnios, e sim casos de sucesso duradouros
O copresidente do General Atlantic, fundo de private equity que administra 80 bilhões de dólares, vê enormes oportunidades para investir em startups no Brasil. Mas aponta riscos decorrentes da imaturidade
A pandemia do novo coronavírus colocou holofotes no mercado de tecnologia — e não foi diferente para as startups brasileiras. Os negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos nacionais receberam 33,5 bilhões de reais de fundos de venture capital nos nove primeiros meses de 2021, segundo a Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity.
Trata-se de um recorde: o triplo do valor arrecadado pelas startups no mesmo período de 2020. O país também superou a marca de 20 unicórnios (startups avaliadas em pelo menos 1 bilhão de dólares).
Martín Escobari, copresidente e responsável pela América Latina do fundo de private equity General Atlantic, trabalha no ecossistema brasileiro de tecnologia desde 1999. Foi cofundador da empresa de comércio eletrônico Submarino, hoje parte da Lojas Americanas, e investiu em empresas como XP, Cetip, Arco Educação, Quinto Andar e Gympass.
São dez anos de experiência apenas no General Atlantic. O fundo administra 80 bilhões de dólares, dos quais 20% na América Latina. A região tem dado os melhores retornos nos últimos cinco anos, segundo Escobari.
“O Brasil vive um momento de florescimento maravilhoso do ecossistema”, diz. Cauteloso e ao mesmo tempo otimista, ele fala sobre os riscos do despreparo nos negócios e aponta alguns setores que considera mais promissores.
Quais fatores ajudaram o ecossistema brasileiro de empreendedorismo a dar um salto nos últimos anos?
O Brasil vive um momento de florescimento maravilhoso do ecossistema, numa escala difícil de ser imaginada anteriormente. Isso acontece por três fatores.
Primeiro, a infraestrutura está construída. O país tem 75% da população com acesso à internet. A maioria já fez compras em sites e se familiarizou com meios de pagamento online. As empresas abraçam a computação em nuvem com razoável velocidade. Temos companhias valiosas que construíram grandes negócios em cima dessa infraestrutura. A América Latina tem 26 unicórnios, com um valor acumulado superior a 100 bilhões de dólares, e a maior parte deles está no Brasil.
Em segundo lugar, temos uma valorização do empreendedorismo. A sociedade apoia e torce pelo sucesso dos empreendedores. Eles são vistos como heróis do capitalismo. Essa proeminência do empreendedor batalhando cria um incentivo para recém-graduados desejarem abrir um negócio também.
Por fim, temos a aceleração digital. Fizemos um experimento no qual ninguém podia sair de casa por um ano. Descobrimos que podíamos realizar muitas coisas digitalmente. Com isso, barreiras regulatórias históricas foram destruídas. Você não precisa mais ir a uma agência bancária para abrir uma conta. Não precisa mais ir ao médico para se consultar ou pegar uma receita. Dá para ter educação física com um professor online. Essas mudanças já estavam ocorrendo e se aceleraram ainda mais com a pandemia.
As startups brasileiras estão captando um volume recorde de investimentos. A que se deve essa preferência crescente por negócios brasileiros, já que a pandemia digitalizou também outros países?
A magnitude do crescimento do fluxo de capital é ainda mais marcante do que a do crescimento dos negócios. No período de cinco anos encerrados em 2019, foram investidos 7,3 bilhões de dólares em venture capital. Nos últimos 12 meses, foram 10 bilhões de dólares. Por muitos anos, faltou capital. Então, parte desse crescimento foi para colocar o país mais perto da média global de economia digital e de fluxo de investimentos. Outra parte é que nosso ecossistema está numa fase adolescente.
O que acontece nessa fase? O corpo cresce de forma desajeitada. Cerca de 40% do capital recebido pelas startups está indo para fintechs e muito pouco para educação, entretenimento, saúde ou segurança digital. Há áreas que atraem investimento desproporcional. Isso tende a se normalizar. O adolescente também tende a oscilar entre a euforia e a depressão. Tivemos cinco ofertas públicas iniciais em 2019, ante 45 em 2021 até agosto. No entanto, 30 desses IPOs estão abaixo do preço de largada. Claramente, as empresas estão indo ao mercado antes do tempo.
Além do maior volume financeiro como um todo, cada startup está recebendo cheques maiores. É outro reflexo desse momento de euforia?
As pessoas fazem coisas rápido demais e cedo demais em momentos de euforia. Existe uma lógica, testada há 40 anos no mundo de venture capital, que é dar capital em conta-gotas. Não ter dinheiro de sobra faz o empreendedor pensar melhor em como usá-lo. Se o fundo coloca capital muito rápido, há muito desperdício e não dá tempo para o aprendizado do empreendedor. Isso me preocupa. Um investimento subestimado é menos perigoso do que receber mais dinheiro do que o necessário naquele momento.
É como um filho adolescente que recebe uma mesada de 10 mil reais por mês. Ele gasta mais rápido do que deveria e de forma desorganizada. Se o empreendedor perder a disciplina de execução, de dar um bom retorno sobre o dinheiro que levanta, expõe-se ao risco de perda de capital. É o momento de termos mais cuidado para que esta não seja uma onda maravilhosa, porém passageira. Pode ser uma onda menos exuberante, mas que dure dez anos.
Na prática, como as startups devem exercitar essa cautela?
Algumas empresas globais de tecnologia fizeram sua estreia no mercado acionário antes de dar lucro, como a Uber. A empresa deveria acessar o mercado quando seu modelo de negócios fosse comprovado, o time estivesse estabelecido e existisse uma razoável previsibilidade de resultados, de forma a não desapontar os investidores. Se ela no agregado ainda não desse lucro, mas atingisse esses três quesitos, não vejo problema.
Também seria importante se organizar um pouco melhor e pensar no longo prazo para não cair nas armadilhas que o país já sofreu no passado. Deixamos que a euforia tomasse conta e vimos depois uma correção que pesou demais no sentido oposto. Aconselho aos empreendedores que não pensem em 8 ou 80. Que foquem a criação de valor ao consumidor, em ter uma unit economics [custo e receita por unidade de produção] que funcione e que cresça rápido, mas sem perder a disciplina na execução.
Os próximos anos serão tão acelerados e relevantes quanto este em termos de aportes de venture capital, aportes de private equity e IPOs de startups no Brasil?
A tendência é muito positiva num horizonte de dez anos. Mas é provável que vejamos volatilidade: desde que o ser humano é ser humano, a exuberância é seguida por depressão. O mercado de tecnologia é mais suscetível a essas oscilações porque todo mundo consegue sonhar com seu potencial.
Com o tempo, a amplitude dessas oscilações vai diminuir. O país ficará mais previsível, os fluxos de capitais ficarão mais constantes e vai melhorar a capacidade dos empreendedores de acessar capital e construir negócios duradouros.
Da mesma forma, a criação de unicórnios seguirá acelerada? E quão importante é termos empresas avaliadas em pelo menos 1 bilhão de dólares?
No curto prazo, vejo o número de unicórnios crescer em ritmo acelerado. No médio e no longo prazo, teremos uma consolidação de ritmo. Mas o importante não é termos unicórnios, e sim casos de sucesso. Empresas duradouras, que valem muito, têm muito lucro, criam empregos e fazem bem para sociedade.
Em quais setores o General Atlantic está de olho no Brasil?
Na maioria dos segmentos, ainda existe espaço para novos líderes. E temos enormes oportunidades.
Primeiro, a tecnologia para cuidados com a saúde será um mercado gigantesco, porque é importante para resolver os problemas do setor no Brasil.
A educação digital também é fundamental. Não só para modernizar a educação tradicional mas também para levar aprendizado a uma camada de adultos defasados. É preciso retreinar as pessoas que já se educaram, mas não cresceram com ferramentas modernas, como Slack e TikTok.
Além disso, haverá muita oportunidade na inclusão digital financeira. Muito tem sido feito em fintech para as classes econômicas A e B. A grande promessa agora é trazer serviços de baixo custo e alta qualidade para ajudar os milhões brasileiros fora do sistema financeiro brasileiro.
Por fim, a segurança digital será cada vez mais importante. Num mundo completamente digital, o crime segue esse mesmo rumo e encarece serviços para todo mundo. Temos de aprender a controlar as fraudes, que avançam de forma significativa.
Nesses e em outros setores, surgem empreendedores e modelos de negócios brasileiros, mas de classe mundial. Eles têm a capacidade de se internacionalizar tanto no restante da América Latina quanto em outras regiões do mundo. Podemos ter empresas multilatinas e globais.
A Gympass tem crescido nos Estados Unidos. A Hotmart vende para 150 países. A dLocal tem operação em 32 países. A próxima onda de decacórnios [startups que valem 10 bilhões de dólares ou mais] brasileiros será multinacional. Não existe mais gap entre os melhores fundadores de startups daqui, dos Estados Unidos, da China ou de Israel. O que existe é um potencial gigantesco em olhar para além de nossas fronteiras.
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