O ano de 2021 foi desafiador para o setor automotivo: a crise de falta de peças impediu uma recuperação sólida diante da pandemia.
Considerando somente automóveis no acumulado do ano até novembro, foram emplacados 1,4 milhão de veículos, queda de 1,4% na comparação com o ano de 2020 – quando houve uma queda de 99% na produção de carros.
Em termos de produção, os resultados de novembro também ficaram muito aquém do esperado para o penúltimo mês do ano, tradicionalmente aquecido.
Foram licenciados 173 mil veículos, queda de 23,1% na comparação com o mesmo mês de 2020, o que representa o pior novembro dos últimos 16 anos, segundo dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Autoveículos).
Com a produção reduzida, os preços seguem em alta: no acumulado do ano até setembro, os modelos 0 km apresentam 13% de alta nos preços, segundo os dados mais recentes da KBB. Os seminovos também sobem mais de 11% no mesmo período.
É verdade que o cenário atual pode afastar os interessados em comprar ou trocar de carro em 2022, mas mesmo assim ainda há consumidores que estão com este item na lista de realizações para o ano que vem.
É o caso de Rodrigo Zagonel, gerente na Suzano, que admite gostar muito de carros e que vai trocar de veículo por um 0km.
“Sou apaixonado por carros e geralmente troco de modelo me deixando levar pelo emocional mais que o racional. Quero trocar meu carro atual, uma Toyota SW4 por um Volvo XC60”, conta.
Ana Isabelle Oliveira, gerente industrial na Plascar, também pretende comprar um novo carro. Vai partir, no entanto, para um modelo seminovo.
“Vou ter que trocar de carro porque o meu atual está muito antigo, ano 2012. Eu me mudei do Nordeste para Betim, em Minas Gerais, e por aqui a mobilidade não é muito boa. O carro vai ser necessário e quero evitar manutenção com o modelo que tenho. Por isso, quero pegar um SUV seminovo para ficar com ele mais anos e evitar a fila de espera do carro 0km”, afirma.
O InfoMoney consultou alguns especialistas do setor automotivo que explicaram os efeitos da crise de peças, se vale ou não comprar um carro em 2022 e também deram dicas de como fazer um bom negócio diante das circunstâncias.
Efeito da crise de peças
O InfoMoney vem mostrando em algumas reportagens os efeitos da pandemia na produção e nos preços dos carros. De forma geral, faltam peças que compõem os carros em todo o mundo, especialmente os chamados semicondutores – que são peças como microchips e itens eletrônicos que fazem parte dos sistemas dos veículos. Por isso, todo o processo de fabricação está mais lento que o normal.
É esse atraso na produção de carros novos que está redirecionando a demanda de modelos 0km para modelos seminovos e usados inflando os preços como consequência. Afinal, faltam modelos novos no mercado.
“A sequência de acontecimentos coloca o mercado brasileiro à prova. Vínhamos nos recuperando de uma crise em 2018, veio a pandemia. Tivemos parada na produção, impactos muito fortes. Em meados de setembro começamos a vislumbrar uma nova retomada, veio a crise de semicondutores. Foram muitos momentos complexos nos últimos anos”, avalia Milad Kalume Neto, diretor da Jato Dynamics, consultoria automotiva.
Diante disso, o cenário atual é de diminuição da produção e preços muito altos. “Tínhamos uma estimativa de que no fim de 21 deveríamos ter alguma reversão de cenário. Mas isso já é passado. Talvez no último trimestre do ano que vem as coisas comecem a melhorar, se não fica para o primeiro semestre de 2023”, diz Kalume Neto.
Segundo ele, o mercado de carros chinês já está apresentando sinais de retomada. “A produção está estável e isso é bom sinal. A tendência é que isso se expanda para outras regiões, como Europa, EUA e depois aqui para o Brasil. Mas os desafios ainda são grandes. A produção de semicondutores exige expertise, competência técnica específica, além de ser cara. Acelerar a produção para acompanhar a demanda atual é complexo”, diz.
Ana Renata Navas, diretora geral da Cox Automotive, grupo dono da KBB, acrescenta que o Brasil tem como característica a reação rápida em termos de retomada de produção.
“Por isso, acredito que fim do ano que vem, as coisas vão melhorar e o portfólio de carros novos vai começar a voltar a estar disponível. Por outro lado, o mercado de usados do Brasil é enorme na comparação global, e também mantém a dinâmica do setor com pessoas sem parar de comprar e vender carro”, avalia.
Porém, se a crise se prolongar muito o mercado de usados também vai desaquecer – como já aconteceu em novembro com os novos. Somado a isso alguns clientes chegam a esperar cinco ou até seis meses para receber um carro 0km, por exemplo.
“Nesse ritmo o adiamento da compra vai acontecer. Para além das dificuldades do setor, temos outros impactos como a alta do dólar que encarece o preço do carro, menos montadoras no país, a exemplo da saída da Ford, a baixa no estoque de carros seminovos e usados e o consequente aumento de preço, manutenção cara, entre outros pontos podem fazer com que os clientes deixem o carro para depois”, explica Ana.
Vale a pena comprar um carro em 2022?
Os especialistas entendem que os preços não vão baixar no próximo ano. “Se o consumidor puder esperar para trocar de carro, é ideal. Hoje não tem oferta de carros, e a demanda está alta até para negociar fica difícil nessas condições”, disse Kalume Neto.
“O último trimestre do ano é historicamente muito bom para a venda de carros: férias escolares, décimo terceiro, bônus, muitas pessoas consideram a troca ou a compra do carro. Mas não estamos vendo exatamente esse público se movimentar neste ano”, diz Ana Renata.
Antonio Jorge Martins, coordenador na Fundação Getúlio Vargas (FGV), acrescenta que as montadoras não vão querer reduzir o preço dos veículos e correr o risco de afetar o caixa e a margem de lucro em um momento complexo.
“As montadoras estão produzindo menos carros e mantendo sua rentabilidade porque estão direcionado as peças que chegam para versões e modelos específicos, que estão saindo mais. Estão alocando as peças escassas nos veículos que têm maior margem de lucro. Por isso, não recomendo a compra se o consumidor puder esperar. Mas nem sempre a compra de um carro é feita na razão. Às vezes o consumidor deseja o modelo e vai buscar opções e vai comprar”, avalia Martins.
O que avaliar para comprar um carro
Diante do cenário, os especialistas citados separaram algumas dicas práticas de como buscar um bom negócio para quem já decidiu que vai comprar um novo carro dentro dos próximos meses mesmo com o cenário desfavorável. Confira.
1. Compre, se realmente for necessidade
Com falta de oferta de carros e preços altos, a recomendação dos especialistas é que o consumidor avalie com cautela se realmente necessita trocar o carro.
“Por que que trocar ou comprar um novo carro? Importante entender os motivos, já que se for possível esperar um ano, por exemplo, a chance de pagar menos existe com a estabilização da produção”, diz Kalume Neto.
Mesmo a compra de seminovos pode ser um desafio daqui para frente: com preços mais altos e modelos mais antigos à disposição diante da redução de estoque deste grupo de veículos.
O diretor da Jato Dynamics sugere que o consumidor faça as contas na ponta do lápis para avaliar os custos e seu orçamento. “Se existe a chance de o consumidor ter que apertar os cintos para pagar o carro, deve esperar. Ainda estamos em um momento difícil da pandemia e a economia ainda não está recuperada dos acontecimentos. É uma compra para se pensar e avaliar com calma”, diz.
2. Compare modelos em diferentes concessionárias
Segundo Ana, se o consumidor decidiu pela compra o crucial vai ser comparar preços entre concessionárias diferentes.
“Busque concessionárias que tenham um estoque de veículos – seja novo ou seminovo – um pouco maior para ter uma margem de negociação mínima. Se a loja estiver desabastecida o consumidor vai ter problemas para negociar qualquer coisa e vai ficar à mercê das condições da concessionária. Antes de comprar faça uma pesquisa de campo mesmo para conseguir ter uma noção das condições ofertadas”, sugere a executiva.
3. Busque modelos com mais margem de negociação
A dica é selecionar modelos que têm maior poder de negociação, portanto, maior inventário. “Para quem vai comprar um carro em 2022 e quer alguma condição melhor precisa pensar mais no carro que está disponível e menos no carro que deseja. Na prática, quanto maior o estoque do veículo, maior vai ser o poder de negociação. Mesmo assim não adianta ir com muita sede ao pote porque estamos em um momento menos propício para o consumidor diante da demanda e falta de oferta”, avalia Ana Renata, da KBB.
“Uma opção é buscar carros mais simples: algumas montadoras vem barateando carro para extrair semicondutores. São modelos menos tecnológicos, mas que podem estar disponíveis mais rapidamente e por valores menores. É uma alternativa que o consumidor que quer comprar um carro em 2022 tem na mesa”, acrescenta Kalume Neto.
Outra dica, segundo Ana, é quando comprar o carro em 2022. Ela explica que janeiro e fevereiro são meses historicamente mais fracos na venda de veículos com carnaval e outras contas de início do ano, por isso, podem surgir oportunidades.
“Pode ser que as concessionárias queiram facilitar uma condição ou outra para acabar com o estoque neste início de ano. A partir de março, as condições de negociação vão ficar ainda mais difíceis como devido à escassez de peças”, diz a executiva.
Kalume Neto lembra que o consumidor não pode esquecer de comparar, além do preço, as taxas de juros do financiamento, o prazo e entrega, custo de manutenção, entre outros custos do carro.
4. Avalie o tempo de espera do carro 0km
Outro ponto importante é tomar a decisão entre carro novo 0km e um carro seminovo ou usado. Para isso, Kalume Neto sugere comparar o custo-benefício em todos os sentidos entre os modelos.
“O veículo novo pode ser o sonho de consumo, mas na atual situação o tempo de espera chega a seis meses e nem todo mundo pode ou quer esperar. Você tem esse tempo disponível? Acha que vale a pena já ir pagando o carro mesmo sem tê-lo em mãos?”, diz.
O InfoMoney fez uma matéria mostrando os prazos de entrega das montadoras e explicando os motivos.
“Considere também avaliar diferentes versões do modelo 0 km que procura – a depender da versão pode ficar um pouco mais barato ou mais caro. Não esqueça também dos custos de manutenção – geralmente os usados têm esse custo de forma mais frequente”, afirma o diretor da consultoria automotiva.
5. Busque por seminovos em boas condições
Diante das dificuldades em encontrar um carro novo, os consumidores podem partir para uma opção seminova ou usada. Mas fazer um bom negócio exige atenção.
“A compra de um carro depende muito do perfil do consumidor, mas se precisa de um carro para o dia a dia um seminovo é uma boa saída, embora os preços também estejam subindo. De qualquer maneira, é preciso se atentar a alguns pontos”, explica Kalume Neto.
Segundo o executivo, os principais pontos de atenção são:
- faça um test drive com o carro para analisar motor, pedais e funcionamento em geral;
- busque concessionárias ou pontos de venda com credibilidade e que já são conhecidos;
- procure um histórico do ponto de venda e também do carro para avaliar se o modelo já se envolveu em roubos ou acidentes, por exemplo;
- veja o estado de conservação geral do carro;
- tente trabalhar com opções, ou seja, não se prenda muito em um modelo específico – entre na mentalidade da necessidade e não do desejo para fazer uma compra de bom custo-benefício.