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A fase atual do futebol brasileiro fora de campo é de transformação. Estamos num período em que se fala sobre SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol), criação da liga, entrada de investidores, reestruturação de passivos. Possibilidades de grandes mudanças em direção à modernidade.
Sim, modernidade. O romantismo pelo “futebol raiz” é muito bonito nas postagens de redes sociais, nas lembranças de grandes partidas no estádio da Rua Javari, na memória dos Gols do Fantástico em partidas jogadas em campos que hoje nem na várzea são aceitáveis. Mas fica por aí.
O futebol brasileiro entrou num momento em que não basta mais dizer que formamos muitos craques, que no peito carregamos 5 estrelas. Basta acompanhar comentários nas redes e nas conversas de bar – felizmente elas estão voltando – para ouvir uma frase repetida à exaustão: “Futebol na Europa parece outro esporte”. Quanto mais percebemos a diferença, maior a distância. Quanto mais demorarmos para mudar o cenário local, mais difícil transformarmos o futebol que se pratica no Brasil no mesmo que se joga na Europa.
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A mudança passa necessariamente por aspectos esportivos e de gestão. Esportivamente precisamos praticar jogos mais qualificados. O “outro esporte” que se vê na Europa é resultado da qualidade de quem joga, de quem orienta, de quem prepara. Não são os números de camisa padronizados ou a sequência de câmaras de transmissão, nem mesmo os efeitos gráficos que parecem servir para atrair torcedores que não gostam de futebol. É o jogo. São os 90 minutos.
Porém, só é possível apresentar atletas e profissionais qualificados se tivermos fora de campo um ambiente que permite acesso a dinheiro e a profissionais que sejam capazes. O romantismo é bonito, mas como dizia minha avó, não enche barriga.
O momento de transformação que comentei no início do artigo é justamente aquele em que o dinheiro pode começar a chegar de forma consistente no futebol brasileiro, a ponto de mudar sua estrutura. Seja via SAF, seja via liga, ou através da chegada de novos patrocinadores e modelos de transmissão, fruto da mudança estrutural de gestão que o futebol precisa.
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Existe uma sequência lógica para esta mudança. Por mais que a construção no caos possa gerar resultados, se ela for conduzida de forma organizada tende a ter sucesso mais rápido e mais consistente.
E a lógica passa necessariamente pela organização da indústria. Isto significa trabalharmos na criação de uma liga capaz de operar o futebol em conjunto com as instituições como a CBF. Não há liga no mundo que opera distante da federação nacional, pois há aspectos da indústria que precisam ser geridos por terceiros. Por exemplo, o registro de atletas, para ficar em algo básico.
A liga não pode ser imposta e desenvolvida de fora para dentro. É um instrumento que precisa ser formatado a partir dos clubes. Inclusive para garantir seus interesses. Veja o exemplo da Liga Seria A italiana, que tinha uma proposta de negociação de 10% referentes às receitas comerciais e de transmissão. Este percentual seria negociado por € 1,7 bi, por um prazo de 10 anos. Com um detalhe: os três fundos que se associaram para esta negociação garantiam valor mínimo pelos três primeiros anos, que era consideravelmente superior ao que a liga apresentava em 2019. No final o negócio não foi fechado por uma questão de preço e condições.
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A liga analisa e define seu valor.
Depois de uma liga organizada é que vem a parte da negociação de clubes. Dificilmente investidores chegarão ao futebol brasileiro com cheques graúdos antes de termos uma indústria organizada, e clubes equilibrados. Inclusive porque há muitas opções no mercado. Vale mais quem tem mais a oferecer.
E mais a oferecer não é cair na conversa daqueles que não entendem muito do que estão falando. Quando alguém chegar com o discurso dos 10 milhões de torcedores, de que a Premier League só cresceu depois que os clubes viraram empresa, ou de que o futebol é um lugar pouco confiável porque “meu primo é conselheiro de um clube e falou um monte de coisas”, pode ter certeza de que não é exatamente este pessoal que vai te ajudar.
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Quem pode fazer mais por este processo são aqueles que conhecem as estruturas por dentro, suas mazelas – sim, elas existem – suas fortalezas, seus riscos e oportunidades.
O que um investidor precisa saber é algo que podemos chamar genericamente de “ambiente de negócios”. E aqui podemos resumir o que é isso em 4 pilares:
– Localização: assim como no setor imobiliário, estar bem localizado em termos econômicos e geográficos é fundamental. Afinal, cada modelo de negócios tem um perfil regional e econômico adequado.
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– Torcida: não é o número da pesquisa que conta, mas o relacionamento e seu perfil. Não dá para dizer que um clube com 10 milhões de torcedores tem este mesmo número de consumidores. Há inúmeros outros aspectos qualitativos que transformam estes 10 milhões em números bem menores. Precisamos partir dele, mas é fundamental saber o que os transforma em receitas, e como.
– Demonstrações Financeiras: qual o perfil do clube? É desequilibrado e precisando de dinheiro para sobreviver ou é um clube bem-posicionado, e que com dinheiro pode dar saltos relevantes de competitividade? São coisas completamente diferentes, com riscos e oportunidades diferentes.
– Ambiente Político: com quem você está lidando? Qual o perfil da associação? As pessoas estão dispostas a renunciar a poder e status? Qual o grau de confiabilidade? Qual o relacionamento e dependência do clube em relação a agentes?
Sem entender minimamente isso, o que acontecerá é a repetição de erros do passado, baseados mais no achismo que na capacidade.
O futebol brasileiro nunca atravessou um momento com tantas possibilidades de transformação, que não significa entregar tudo a investidores que vem para “saquear” o futebol e os clubes. Afinal, quem coloca dinheiro quer retorno e os clubes associativos não são todos exemplos de boa gestão.
Nem todos virarão empresa, nem todos precisam ser negociados integralmente. Mas todos precisam estar imbuídos de um espírito cooperativo e um entendimento de que este é o momento de fazer diferente e melhor, sendo protagonista da mudança.
O dirigente que entrará para a história será aquele a conduzir de forma profissional a transformação da estrutura geral e da sua própria, e não aquele que se fechar ainda mais dentro de um bunker, ou na inauguração de uma nova quadra de tênis na sede social.
A mudança é agora. Ou a próxima inauguração será um telão ao lado do bar do clube para que os sócios acompanhem a Premier League.