O que fazer nos momentos seguintes a um crash do mercado financeiro

Paciência, entendimento do que está acontecendo e foco na atuação do Banco Central são a receita para o sucesso

Gustavo Cunha

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Neste segundo texto sobre o desenrolar de uma crise financeira, vou tratar dos dias seguintes a um grande crash.

A palavra do momento aqui é paciência. Nesses momentos de crash dos mercados, a maior dificuldade é separar o que é notícia relevante para o desenvolvimento do mercado daquilo que é ruído que vai nos distrair e, eventualmente, nos levar para a direção errada.

Nesses períodos, gosto muito de acompanhar as posturas e declarações de grandes gestores brasileiros e internacionais. O Stuhlberger, da Verde, o Woelz, da Kapitalo, e o Appel, da Adam, estão entre os meus preferidos. Internacionalmente, gosto muito do Ray Dalio.

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Esses são apenas alguns dos que acompanho, porque sei que fazem o dever de casa bem-feito, além de terem sob gestão muito dinheiro. Suas opiniões, quando colocadas em prática, impactam os mercados.

Mas a visão e entendimento deles sobre o que está acontecendo é, para mim, mais relevante do que a projeção que fazem em relação ao mercado.

Em um crash mundial, certamente a primeira coisa que devemos buscar é o entendimento do que está acontecendo, o que gerou aquele movimento. Essa compreensão é essencial para podermos criar cenários sobre o que pode vir a seguir.

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De posse de um entendimento adequado do que está acontecendo, o segundo passo é a concepção dos prováveis cenários futuros. Aqui entram outros atores a acompanhar: os reguladores ou, no caso de uma crise financeira, os Bancos Centrais.

Com um bom entendimento das crises, podemos analisar quais mecanismos de contenção da crise os Bancos Centrais têm, qual seu ângulo de ação.

Dois episódios foram emblemáticos na minha carreira até agora.

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O primeiro aconteceu em 1999, quando o Brasil passou do câmbio quase-fixo para o câmbio flutuante. Durante alguns dias, logo após a saída do Gustavo Franco da Presidência do Banco Central, tentou-se um mecanismo de transição mais suave para o câmbio flutuante, a famosa “banda diagonal endógena”.

Todo o mercado financeiro ficou uns dois dias focado no Excel para tentar entender o que era aquilo, para depois concluir que a ideia podia ser até boa, mas não para ser implementada em um momento de crise como aquele. E daí já sabemos o que aconteceu. Esqueceram a “banda diagonal endógena” e lá foi o Real ter câmbio flutuante.

Outro episódio aconteceu na crise de 2008. Falando com o tesoureiro de Nova York do banco em que eu trabalhava, perguntei quais impactos a quebra o Lehman teria sobre nossto banco nos Estados Unidos.

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Recebi a seguinte resposta: “Não sabemos ainda, estamos analisando os contratos que temos com eles nas várias áreas (crédito, derivativos, seguros etc.) e acredito que em dois dias devemos saber com precisão”. Ahn?

Lembro-me como se fosse hoje: parei em uma rua em Pinheiros para conversar com ele, pois estava no celular voltando para casa. Depois dessa conversa, cheguei em casa, jantei e minha cabeça ficava martelando: se o banco no qual eu trabalho, que é um dos mais conservadores e controlados do mundo, não sabe a exposição que tem com a Lehman, qual banco saberá? Além disso, se os bancos não sabem, o que dirá o Fed? Como ele vai atuar sem saber o que está acontecendo? Pois é. Parece inacreditável, mas eu presenciei isso.

Óbvio que de lá para cá os controles dos bancos melhoraram. Os Bancos Centrais (especificamente, o Fed) fizeram mudanças para melhorar suas informações sobre ao mercado, criando alguns veículos pelos quais podem atuar. Mas isso acontece em termos internacionais.

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Aqui, além do mercado americano, está longe de chegar perto ao que temos no mercado financeiro brasileiro. Mérito para nós, porque a primeira coisa que o Banco Central tem que fazer antes de atuar é entender o que está gerando a crise.

Voltando ao ponto. A atuação dos Bancos Centrais nos últimos anos tem sido no sentido de conter a volatilidade, ou seja, de sustentação do mercado. Bolsa caiu, sinal de crise, BCs suportam o mercado.

E a forma mais comum dos Bancos Centrais fazerem isso pós crise de 2008 é via emissão monetária. Imprimir dinheiro, quantitative easing, compra de títulos públicos e privados para a carteira do Banco Central, dê você o nome que lhe convém.

Todas essas alternativas geram mais dinheiro no mercado, aumento da base monetária, como os economistas chamam. Destaco dois pontos em relação a isso.

O primeiro é que o mercado está para esses incentivos monetários como um usuário de drogas que precisa sempre de doses maiores. O segundo é um fator conhecido como “moral hazard”, que diz algo como: se eu quebrar alguém me socorre, se eu ganhar o ganho é meu.

Esses dois fatores colocam os Bancos Centrais no corner. O que parece ser uma opção de política monetária dele, acaba sendo, nada mais, nada menos, do que a única alternativa que ele pode ter.

E será igual no próximo crash? Acredito que sim. O único ponto a se observar é o primeiro ponto citado acima acerca da eficácia decrescente desse tipo de política. Mas acho que ainda não chegamos no momento de ela ter eficácia desprezível.

Quando chegarmos nesse momento, então a crise será muito maior, uma crise de desconfiança do dólar e da arquitetura do mercado financeiro mundial, em que as saídas são poucas além de itens básicos (casa e comida) e, provavelmente, Bitcoin.

A essa altura você me pergunta. Ok, Gustavo, entendi o mecanismo, mas o que devo fazer nos dias seguintes ao crash?

Minha primeira recomendação é a que coloquei lá no começo: tenha paciência, ouça pessoas que tem um bom entendimento do mercado para entender o que gerou o movimento e, por fim, espere o Banco Central dizer que irá suportar o mercado fazendo tudo o que estiver ao alcance dele.

Você pode não pegar a primeira parte da volta do mercado, mas terá uma posição muito mais fundamentada e com um risco/retorno muito melhor.

Outra pergunta deve ser: e a inflação que essa chuva de dinheiro vai gerar? Pois é, essa é a parte que economistas se debatem desde 2008.

A verdade é que inflação de consumo (a medida pelo CPI americano ou pelo IPCA no Brasil) está muito comportada para essa farra de emissão. Mas não podemos dizer o mesmo para os ativos (Bolsa, imóveis etc.). Isso é efeito da deflação gerada por inovações? Não sei. Mas me parece improvável que não tenhamos uma inflação crescente. Mas isso é assunto para outro artigo.

Propositadamente descrevi todo o processo de como a crise se desenrola sem citar um ativo específico que deva ser comprado no pós-crise. A razão disso é que essa decisão depende de fatores que só você pode saber (sua idade, prazo que pode dispor desse dinheiro, percentual do seu património total, etc).

Mas, para não te deixar no vácuo, gosto de uma carteira balanceada, que tenha grande parte em ativos bastante seguros (caixa, por que não?) e uma parte menor em ativos que tenham potencial enorme (cripto, entre os meus preferidos).

Se você tem uma experiência diferente ou que corrobore essa minha descrição dos momentos seguintes a um grande crash de mercado, adoraria ouvi-la.

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Gustavo Cunha

Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)