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SÃO PAULO – Uma semana após a Câmara dos Deputados aprovar o projeto de lei complementar que institui uma nova metodologia para o ICMS cobrado pelos estados e Distrito Federal sobre combustíveis (PLP 11/2020), governadores reuniram-se, na quinta-feira (21), com o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para pedir mudanças ao texto e um debate mais amplo sobre o assunto.
O parlamentar ouviu dos gestores estaduais críticas à fórmula desenhada pelos deputados federais, que, na avaliação deles, faz com que os entes subnacionais arquem com todo o ônus da recente alta dos preços – embora aleguem não serem os maiores responsáveis por isso –, mesmo sem garantias de que a mudança seria suficiente para garantir valores mais baixos cobrados na bomba ao consumidor final.
Os combustíveis são uma das categorias que mais sofreram reajuste nos últimos meses. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a gasolina acumula uma alta de 39,60% em 12 meses até setembro. O óleo diesel, 33,05%. Já o etanol, 64,77%.
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O movimento se explica por uma combinação de fatores, como a alta do preço do barril de petróleo no mercado internacional e a apreciação do dólar ante o real.
Hoje, o imposto corresponde a um percentual entre 25% e 34% incidente sobre o preço da venda da gasolina e de 12% a 25% sobre o diesel. A alíquota incide sobre o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) – valor de referência calculado pelos entes a cada 15 dias. Entenda a fórmula.
Caso a nova regra entre em vigor, o ICMS cobrado em cada estado será fixo e calculado com base no preço médio dos combustíveis nos dois anos anteriores. Mas, para isso, ainda precisa passar pelo Senado Federal e ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
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O texto prevê que as alíquotas específicas sejam fixadas anualmente e valham por 12 meses a partir da data de sua publicação – sem possibilidade de reajuste até o período seguinte. Isso implica em uma mudança do sistema ad valorem (flutuante conforme o preço) para o ad rem (fixo, independente do preço).
A arrecadação não poderia exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final usualmente praticados no mercado, considerado ao longo dos dois exercícios imediatamente anteriores.
Leia também: O que muda com o “novo ICMS” sobre combustíveis, aprovado pela Câmara?
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Considerando os preços atuais, a mudança acarretaria imediata redução dos valores arrecadados pelos estados com o tributo – um hiato que só cresceria a cada novo reajuste nos preços aplicados pela Petrobras. Governadores reclamam que ficaram de fora do debate e estão sozinhos pagando o preço de uma conta que não é deles.
Para efeitos de comparação, em janeiro de 2019, o PMPF dos estados variava de R$ 3,9260 (Amapá) a R$ 4,9420 (Acre) por litro de gasolina. Hoje, os preços vão de R$ 5,1430 a R$ 6,4957 nos mesmos estados, segundo Ato Cotepe divulgado no site do Confaz. Os valores são componente fundamental para a definição do ICMS recolhido.
Mas como o imposto é um entre outros componentes do preço final, não haveria garantias de redução nos valores cobrados na bomba. Novos reajustes de preço poderiam, em tese, tragar o que se deixaria de repassar por litro de combustível aos entes subnacionais, fazendo com que o consumidor final não sentisse os benefícios do projeto aprovado.
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Tido como um dos principais patrocinadores da medida, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sustenta que as mudanças devem levar à redução do preço final praticado ao consumidor de 8% para a gasolina comum, 7% para o etanol hidratado e 3,7% para o diesel B.
O Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) estima que a proposta reduzirá em R$ 32 bilhões as receitas estaduais e municipais. A entidade também contesta os cálculos de redução dos preços apresentados por Arthur Lira como forma de convencer os pares a votar favoravelmente à matéria.
Os governadores esperam, no Senado Federal, reverter os prejuízos provocados pela versão votada pelos deputados federais. Eles tentam convencer os parlamentares a incluir a própria Petrobras nos debates – o que pode mexer ainda mais com os ânimos de investidores, que reagiram positivamente à aprovação do PLP na semana passada.
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Caso o movimento não seja bem-sucedido, discute-se a possibilidade de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF), com alegação de inconstitucionalidade da proposta. Para muitos gestores estaduais, a definição do ICMS caberia exclusivamente às assembleias legislativas e o Congresso Nacional, se mantiver a redação em análise, estaria invadindo competência.
A reunião de ontem marcou uma aproximação inicial entre as partes. Segundo Marcelo Altoé, secretário de Fazenda do Espírito Santo, que participou do encontro, houve acordo para a criação de um grupo de trabalho com um representante de cada região do país e consultores do Senado Federal. Pacheco também teria se comprometido a trabalhar para que um representante da Petrobras seja incluído.
“Ouvimos as demandas [na reunião desta quinta-feira], as reflexões e as impressões dos governadores. Há convergência por parte deles de que o ICMS não é o único problema na composição de preços ou em relação aos preços altos dos combustíveis. Eles disseram muito da importância de se discutir uma política de preços no Brasil com a participação da Petrobras”, afirmou Pacheco.
Segundo ele, é “legítimo” o pedido dos governadores para que a Petrobras participe das discussões sobre o assunto. “[Pode ser] Eventualmente um convite, para que [representantes da Petrobras] possam fazer parte de uma mesa de reunião virtual ou presencial, para que possam dar sua opinião sobre esse problema dos combustíveis. O mais importante numa discussão dessa natureza é ouvir os personagens. É muito importante ouvi-los e saber qual a recomendação técnica e política de cada personagem nessa história”, disse.
O ICMS é a segunda variável de maior impacto sobre o preço do diesel e da gasolina na bomba, correspondendo, em média, a 27,9% e 15,4%, respectivamente. Ele perde apenas para o próprio preço de realização da Petrobras: 33,6% e 54,0%, na ordem.
Embora as alíquotas não tenham sofrido modificações recentemente, a alta do preço final trouxe um impacto ainda maior do tributo – o que gerou um “rebote” sobre os preços e uma queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e gestores estaduais.
Mas os governadores alegam que, se os preços continuarem subindo no mercado internacional juntamente com a cotação do dólar e nada for feito em relação à política de preços da Petrobras, não será possível frear novos reajustes na bomba. E ainda: estados e municípios teriam arrecadação comprometida, o que poderia afetar serviços públicos oferecidos aos cidadãos na ponta.
“O presidente [Jair Bolsonaro] fez uma isenção de PIS/Cofins para o diesel em março, e nem por isso se interrompeu a trajetória de aumento do preço do diesel. Ou seja, essa alteração da forma de tributação como uma promessa de impedir aumento vai gerar, além do impacto bilionário nas contas dos estados, uma frustração na população. No começo do ano, a gasolina no RS estava em torno de R$ 4,50, e agora, está R$ 6,50, sem que tenhamos feito qualquer alteração no nosso ICMS”, afirmou Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul.
A Secretaria de Fazenda gaúcha estima que, se a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados estivesse em vigor entre janeiro e setembro de 2021, provocaria redução de R$ 980 milhões em arrecadação para o estado. A perda em um ano é calculada em quase R$ 1,5 bilhão brutos.
Para Leite, a opção que se mostra mais viável neste momento é a de aumentar o período de apuração – 90, 120 ou 180 dias – para diminuir a volatilidade e amortecer os impactos da alteração dos preços dos combustíveis. “Talvez, a melhor opção seja, neste projeto de lei complementar, fazer um substitutivo que remeta ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) a possibilidade de aplicação dessa maior amplitude, obedecendo à Lei de Responsabilidade Fiscal, para a definição dos preços para apuração do preço”, explicou.
“Essa lei que está tramitando afeta duramente a arrecadação dos estados e municípios. E ela não corrigirá o problema, uma vez que o que tem afetado o preço dos combustíveis é a variação do câmbio e o preço internacional do petróleo. Se esse projeto for aprovado no Congresso do jeito que está, e amanhã o petróleo e o câmbio subirem de novo, tudo o que está sendo feito não servirá para nada. Então essa medida não é a solução”, afirmou Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais.
O governo mineiro estima uma perda de arrecadação de R$ 3,6 bilhões por ano com a possível aprovação do projeto de lei complementar nos termos votados pela Câmara dos Deputados, o que também teria impacto direto nos cofres dos 853 municípios do estado, uma vez que 25% (R$ 900 milhões) são destinados às prefeituras. Os combustíveis respondem por 19,6% do total arrecadado com ICMS no estado.
Durante a reunião, também foi discutida a proposta de criação de um fundo de equalização dos preços de combustíveis, que seria uma forma de compensação da variação dos preços, seguindo modelo adotado por outros países. A medida voltou a ser discutida por governadores após a aprovação do PLP pela Câmara dos Deputados.
Segundo Pacheco, a maioria dos governadores argumentou que a solução principal estaria na política de preços da Petrobras e também no restabelecimento do fundo de equalização dos combustíveis.
“O governador Wellington Dias [do Piauí] lançou isso como uma tese que deveria ser suscitada e provocar reflexão, como um fator para poder se resolver o problema”, afirmou.
O encontro dos governadores com Pacheco também marcou um alinhamento de posições em torno de uma reforma tributária ampla, tal qual a Proposta de Emenda à Constituição em discussão no Senado Federal (PEC 110/2019). Para os participantes, a reforma poderia ser um caminho para solucionar, inclusive, o impasse dos combustíveis.
“[Os governadores] defenderam a PEC da Reforma Tributária relatada pelo senador Roberto Rocha [PSDB-MA]. Ficamos de evoluir e desdobrar essa reunião em outras reuniões ao longo da próxima semana para amadurecer esse projeto e identificarmos qual o caminho que nós temos de convergência em relação a essa tributação dos combustíveis. Foi uma reunião muito importante”, disse Pacheco.
“Nunca desistimos de uma reforma ampla. É bem considerável o apoio que essa PEC tem da sociedade civil, dos setores produtivos, dos governadores, da Confederação Nacional dos Municípios e do próprio Ministério da Economia. Nós temos de discutir e buscar o caminho de sua aprovação na CCJ e, eventualmente, sua submissão ao Plenário do Senado ainda este ano”, complementa.
“Ela é vista pelos governadores como uma solução inteligente, com a fixação de um imposto sobre valor agregado em nível federal, e um imposto sobre valor agregado subnacional, que acabaria por dar solução definitiva a essa questão tributária, inclusive quanto aos combustíveis. Ela tem uma regra de transição, e a transição é muito importante para a assimilação por parte da sociedade, do setor produtivo do Brasil”, afirmou.
A PEC 110/2019, de autoria do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) da casa legislativa. O colegiado é presidido por Davi Alcolumbre (DEM-AP). O relator da matéria é o senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
“Queremos uma reforma tributária ampla, que é o caminho adequado, e transmito meu apoio para que a PEC 110 possa tramitar no Senado. Só assim o país ganhará produtividade, pela redução de complexidade do nosso sistema tributário. Mas isso levará tempo, e temos um problema urgente para endereçar soluções. Não podemos fazer arremedos e remendos, postergando uma solução estrutural”, afirmou Leite.