Economistas veem riscos se acumulando após PIB decepcionante no 2º tri e revisam projeções para atividade

Crise hídrica, inflação, variante delta, geadas, riscos fiscais e eleição de 2022 são alguns dos fatores monitorados, apesar do otimismo com vacinação

Lara Rizério Ricardo Bomfim

Fotos Públicas
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SÃO PAULO – Após um começo de ano que surpreendeu positivamente os economistas, o segundo trimestre foi decepcionante para a atividade econômica brasileira. O Produto Interno Bruto (PIB) divulgado nesta quarta-feira (1) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou variação negativa de 0,1% na comparação com os três primeiros meses do ano, ante estimativa de crescimento de 0,2% na base trimestral.

O resultado vem na esteira já de seguidas revisões para baixo do PIB tanto para este ano quanto para o ano que vem divulgadas pelo relatório Focus, que compila projeções de mercado para diversos indicadores.

Além disso, apesar de haver uma expectativa positiva do mercado em geral para a segunda metade de 2021 com a aceleração da vacinação e a reabertura da economia por aqui, fatores de risco (alguns já sentidos no segundo trimestre) são monitorados de perto, levando inclusive a novas revisões para baixo por bancos.

Pelo lado da oferta, o grande destaque negativo apontado por economistas foi o desempenho negativo em 2,8% da agropecuária (na comparação trimestral), que havia “brilhado” nos trimestres anteriores, mas que entre abril e junho sofreu com secas, que prejudicaram a safra de milho, além da questão da bienalidade da safra do café (levando a uma menor produção este ano). Já o o impacto das geadas deve ser refletido de forma mais forte no próximo trimestre.

Enquanto isso, a indústria registrou queda marginal de 0,2%, com baixas de 2,2% na indústria de transformação, que segue prejudicada pela continuidade dos problemas nas cadeias de suprimento, e de 0,9% na atividade de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos. Esses números mais que compensaram a alta de 5,3% nas indústrias extrativas e de 2,7% na construção.

Por outro lado, houve crescimento do PIB nos serviços, o que foi particularmente positivo uma vez que responde por 70% do cálculo pela ótica da oferta. O setor teve a recuperação “atrasada” frente outros por conta das medidas de restrição à mobilidade e teve alta de 0,7% na comparação trimestral, em meio ao processo de reabertura da economia.

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Do lado da demanda, com a inflação em alta e a renda em queda, o consumo das famílias ficou estagnado, enquanto o do governo teve alta de 0,7%.

Na avaliação de João Leal, economista da Rio Bravo, apesar dos dados de serviços terem sido positivos, eles não devem mais garantir um crescimento superior a 5,5% no ano como parte do mercado começava a prever. Para o economista, a recuperação de serviços deve sustentar o crescimento no segundo semestre, mas o fraco desempenho da indústria e da agricultura devem limitar o crescimento da economia no restante do ano. Ele ainda destaca o risco da variante delta do coronavírus para a economia.

“A variante delta levou a uma piora nas cadeias de suprimentos, o que deve retrair ainda mais a indústria, e as fortes geadas de julho, juntamente com a falta de chuvas, devem prejudicar o crescimento do agronegócio. Com a inflação em alta, o consumo também não deve ajudar nesse crescimento”, aponta. Assim, ele avalia que a projeção anterior da casa de alta de 5,3% do PIB em 2021 será revisada para baixo.

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O Credit Suisse já cortou suas projeções de crescimento econômico do Brasil para este ano e o próximo, na esteira de dados piores do que o esperado sobre a atividade no segundo trimestre de 2021, e citou a crise hídrica como o principal risco para seu cenário.  O banco espera agora que o PIB brasileiro cresça 5,3% neste ano, ante estimativa anterior de alta de 5,5%. Para 2022, a projeção passou de 2% de alta para 1,5%.

Quem também já revisou para baixo as suas estimativas de PIB para 2021 foi o Goldman Sachs. Em relatório assinado por Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para a América Latina, o banco reduziu sua projeção para a atividade brasileira de alta de 5,4% para avanço de 4,9%, levando em consideração também as revisões de dados para trimestres anteriores e o sinais dos indicadores antecedentes e coincidentes da atividade (como indicadores de sentimento e confiança do consumidor).

Essa revisão, vale ressaltar, ainda presume que não haverá grandes limitações no fornecimento de energia, enquanto haverá redução gradual dos atritos na cadeia de fornecimento, reconstrução gradual dos estoques e um quadro de Covid amplamente controlado no segundo semestre do ano.

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“Esperamos que a recuperação econômica avance ainda mais nos próximos trimestres, em conjunto com o progresso na vacinação da Covid, estímulos fiscais renovados e termos de troca na balança comercial ainda favoráveis, assim como o cenário externo em geral. Isso deve, no entanto, ser mitigado pelo aumento das taxas de juros, inflação em alta, altos níveis de endividamento das famílias, problemas persistentes da cadeia de abastecimento que assolam várias indústrias manufatureiras e aumento do ruído político e da incerteza política”, aponta a análise do Goldman.

Mariam Dayoub, economista-chefe da Grimper, aponta que, no segundo trimestre, o auxílio emergencial voltou menor, houve aumento no emprego de acordo com dados apresentados pelo Caged e mais crédito para a pessoa física. Porém, a inflação impactou bastante o consumo.

“Em geral, deve haver uma revisão nas projeções”, avalia a economista, que reduziu a projeção do PIB para este ano de alta de 5% para dado positivo de 4,8%, enquanto projeta avanço de 1,8% para o ano que vem.

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Tanto Mariam quanto Ramos destacam o efeito do carry over, ou o carrego estatístico (em que o ponto de partida para o PIB do ano corrente foi elevado por conta da recuperação ao longo do último trimestre do ano anterior) na atividade econômica. O carrego estatístico foi positivo entre 2020 e 2021, uma vez que houve queda de 4,1% do PIB no ano passado, mas houve uma recuperação no quarto trimestre, que é levada em conta para a atividade deste ano.

“Se não crescermos mais até o fim do ano, o crescimento para 2021 fica em 4,9%. Será o carrego estatístico que vai puxar o PIB este ano”, afirma Mariam.

Riscos e oportunidades para os próximos trimestres

Segundo Gustavo Arruda, diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas, enquanto o número do segundo trimestre não chegou a ser uma grande surpresa, os próximos trimestres podem ser mais positivos.

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“Chamo atenção para as perspectivas de recuperação. O número do terceiro trimestre deve ser bem mais forte, com efeito base e indicativo de um número mais próximo de 1%”, defende.

A XP, por sua vez, que projetava alta de 0,3% do PIB na comparação trimestral, avalia que, apesar da surpresa negativa, ainda espera uma sólida recuperação do PIB brasileiro ao longo do segundo semestre de 2021, impulsionada principalmente pela retomada dos serviços prestados às famílias e gradual normalização dos serviços. “Por enquanto, vemos o PIB crescendo 0,7% no terceiro trimestre na comparação trimestral”, avalia a equipe de análise econômica.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, aponta estar mais otimista olhando para a frente. Ele avalia que o PIB decepcionou um pouco os investidores, mas lembra que a projeção do PIB para o ano registrou diversas revisões para cima desde que foi divulgado o dado do primeiro trimestre.

Além disso, as questões que afetaram o PIB por aqui, como a quebra de safra e interrupção da cadeia de suprimentos, não foram questões específicas do Brasil. “Há aumento de casos de Covid na Ásia, um porto é fechado e isso impacta a oferta global por meses. Isso não está perto de ser resolvido”, avalia, ressaltando que há diversas regiões do mundo com pouca vacinação.

Para Cruz, apesar da alta trimestral, o dado de serviço pode ter decepcionado um pouco, mas há otimismo uma vez que muitos negócios estão reabrindo aos poucos. Um outro fator positivo apontado pelo estrategista é que o Brasil passou os Estados Unidos em vacinação (levando em conta a primeira dose) e deve passar a Europa nos próximos meses. “Este pode ser o grande ativo para a economia melhorar no resto do ano”, aponta.

Por outro lado, mesmo entre os mais otimistas com a atividade até o fim do ano, há muitos fatores de risco a serem monitorados.

A XP, por exemplo, atribui um ligeiro viés de baixa à expectativa de crescimento de 5,5% do PIB de 2021 na comparação anual, enquanto a estimativa para 2022 é de alta de 2,3%.

“Reconhecemos que as condições financeiras se deterioraram significativamente nas últimas semanas com o aumento da percepção de risco fiscal, enquanto outros riscos relevantes para a atividade doméstica permanecem no radar”, aponta a equipe de análise, inclusive com impacto ao longo do próximo ano.

São três os riscos em especial, em análise também compartilhada por diversos economistas: (i) a persistência das pressões inflacionárias (levando inclusive à elevação da taxa básica de juros, promovendo um “esfriamento” da economia); (ii) a crise hídrica e a crescente probabilidade de algum racionamento de eletricidade; e (iii) a probabilidade de disseminação da variante delta da Covid-19, possivelmente levando a um crescimento mais lento do que o esperado na economia global.

Na terça-feira, cabe lembrar, o Ministério de Minas e Energia anunciou uma nova bandeira para as tarifas de energia, chamada escassez hídrica, que irá vigorar até 30 de abril de 2022. A bandeira foi elevada para R$ 14,20 a cada 100 kwh e o aumento na conta de luz será de 6,79%. Com isso, diversos economistas já revisaram para cima as suas estimativas para a inflação, que supera os 7,5% para este ano.

Arruda, do BNP, teme ainda outras consequências de um racionamento até o fim do ano. “É um risco importante, pois pode fazer com que as projeções de 2% de crescimento do PIB para 2022 saiam para próximo de 0% caso entremos em um período de racionamento.”

Além disso, o fiscal deve ser ainda menos expansionista do que neste ano em 2022, assumindo que não haja novos pagamentos de auxílio. “A política monetária será mais contracionista, não vai ajudar o PIB, mas o global deve ser positivo”, complementa.

Mauro Morelli, estrategista-chefe da Davos Investimentos, aponta ainda para o dado negativo da formação bruta de capital fixo, com queda de 3,6%, que leva a uma preocupação sobre o crescimento futuro, principalmente para o PIB de 2022.

O Bradesco BBI aponta que continua esperando números positivos do PIB nos próximos trimestres, principalmente devido à reabertura da economia e aos melhores números relacionados à Covid-19 recentemente. “No entanto, notamos que o Brasil enfrenta grande incerteza para 2022 devido à situação fiscal frágil, além de ser um ano eleitoral”, ressalta a equipe de análise.

Assim, apesar de haver catalisadores positivos no radar, tendo principalmente a vacinação no radar, os fatores de incerteza se somam, levando diversas casas a revisarem as expectativas para baixo.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.