Eurasia vê Bolsonaro pressionado por inflação e risco fiscal, e aponta Lula em leve vantagem para 2022

Consultoria rebaixou para “negativa” percepção sobre o ambiente político para os próximos dois anos, em meio a desafios fiscais e tensão institucional

Marcos Mortari

Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria internacional de risco político Eurasia Group (Fonte: Christian Parente/ Um Brasil)
Christopher Garman, diretor para Américas da consultoria internacional de risco político Eurasia Group (Fonte: Christian Parente/ Um Brasil)

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SÃO PAULO – A combinação de desafios fiscais − aprofundados pelas despesas com precatórios em 2022 e os esforços do governo em implementar o Auxílio Brasil – com o clima hostil entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e tribunais superiores levou a consultoria Eurasia Group a rebaixar de “neutra” para “negativa” sua percepção sobre o ambiente político para os próximos dois anos.

Em relatório distribuído a clientes na última quarta-feira (18), Christopher Garman, diretor para Américas da Eurasia, chamou atenção para a persistente inflação e os impactos de um maior risco fiscal sobre os preços – além das consequências de crescentes riscos energéticos decorrentes da crise hídrica.

A combinação dos fatores tende a pressionar os juros e abalar as perspectivas para o crescimento econômico no ano que vem – e, de quebra, influenciar nas eleições de 2022, já que a recuperação do PIB seria uma das principais armas trabalhadas por Bolsonaro para recuperar popularidade.

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“Com a distribuição de vacinas [contra a Covid-19] a caminho no Brasil para imunizar 90% da população adulta com uma dose até setembro, não apenas o fim da pandemia estava à vista, mas os dados econômicos junto com os resultados fiscais foram surpreendentemente para o lado positivo neste ano (as previsões de crescimento saltaram para mais de 5% do PIB). Acrescente-se o espaço que o governo teve para gastar em um programa de bem-estar social reformulado sob o teto de gastos para 2022 e uma reforma sobre o imposto de renda que proporciona alívio para as pessoas com renda mais baixa, e as condições para Bolsonaro se recuperar nas pesquisas pareciam definidas”, observou.

“Mas as perspectivas econômicas para o próximo ano parecem mais desafiadoras devido a um ciclo vicioso entre inflação, gestão fiscal e política. Com as expectativas para a inflação em 2021 seguindo em tendência de alta (de 5,2% para 7,1% entre maio e agosto), a política de aprovar uma PEC para lidar com o enigma dos precatórios não será fácil. Mais inflação significa menos espaço sob o teto de gastos para gastar em um programa social, o que aumenta os incentivos políticos para a presidência e o Congresso de simplesmente endossar algumas medidas fora da regra fiscal”, complementou.

Com seus níveis de aprovação em queda e um ambiente econômico mais desafiador, o analista acredita que Bolsonaro poderá ter mais incentivos para tentar deslegitimar o processo eleitoral de 2022 a partir da contestação da confiabilidade das urnas eletrônicas. Uma das consequências esperadas seria o aprofundamento da tensão institucional e a deterioração da qualidade da agenda econômica no Congresso Nacional.

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Pesquisa XP/Ipespe, realizada 11 e 14 de agosto, mostrou que 54% dos eleitores avaliam a atual gestão como ruim ou péssima ‒ oscilação positiva de 2 pontos percentuais ante julho. O indicador está em trajetória de alta desde outubro de 2020, quando atingiu 31%.

Para Garman, a superação da pandemia do novo coronavírus e o novo programa Auxílio Brasil – que pretende ampliar o número de beneficiários do Bolsa Família e o valor médio dos repasses mensais – devem ajudar Bolsonaro a recuperar terreno. Mas a inflação mais elevada e um crescimento mais tímido limitam o espaço para os ganhos de imagem.

“Um Bolsonaro enfraquecido significa que ele dobrará aposta na polarização política e na contestação das eleições”, avalia Garman.

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“O risco de a eleição não ser realizada é muito baixo (menos de 5%), mas há risco de violência na campanha, principalmente se Bolsonaro perder. É muito provável que o Brasil siga o roteiro dos Estados Unidos em relação à eleição contestada. E quanto à legislação que o Congresso Nacional poderá aprovar para as próximas eleições, sua qualidade tende a cair – com mais riscos fiscais associados à reforma tributária”, complementou.

Ainda assim, o especialista acredita em uma saída “satisfatória” para a equipe econômica no imbróglio dos precatórios. Ele também aposta que o novo programa social do governo seja mantido sob as regras do teto de gastos e que seja possível avançar com pautas microeconômicas até o fim do ano, como a privatização dos Correios.

Mas a atual conjuntura política e econômica levou Garman a transferir o favoritismo da corrida presidencial de Bolsonaro para uma leve vantagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem liderado em todos os cenários de primeiro e segundo turnos nas pesquisas.

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“A eleição ainda será apertada, mas se tivéssemos que fazer uma aposta hoje, o pêndulo vai mais para a direção de Lula do que de Bolsonaro. Dito isso, muito vai depender da composição da repercussão da pandemia no início de 2022”, avaliou.

Não que a candidatura de Lula seja sinônimo de responsabilidade fiscal – e as sucessivas contestações ao teto de gastos atestam o contrário –, mas o risco fiscal é pauta que mina o atual governo, já que promove um ciclo negativo de inflação mais elevada, juros altos e crescimento pressionado, e prejudica os planos de Bolsonaro pela reeleição.

Para o diretor da Eurasia, as chances de um candidato da “terceira via” – campo hoje disputado principalmente por Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB) e Luiz Henrique Mandetta (DEM) – cresceram de 10% para 20%.

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Tal cenário é considerado pouco provável pela consultoria, dada a percepção de que Bolsonaro conta com uma base fiel próxima a 20% e que a candidatura de Lula está consolidada.

“Para um terceiro candidato chegar ao segundo turno, o apoio a Bolsonaro teria que cair ainda mais. Possível se o ambiente econômico se deteriorar mais e principalmente se o governo sofrer com um racionamento de energia, mas ainda improvável. Mas esse cenário está agora mais no radar do que um mês atrás”, avaliou.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.