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SÃO PAULO – Quem acompanha as ofertas públicas iniciais nas bolsas de valores já sabe: a tecnologia começou a ganhar espaço entre os investidores, inclusive na brasileira B3. Antes de chegarem aos mercados acionários, os negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos costumam passar por captações privadas. Quem está por trás das apostas nas startups são fundos de venture capital e private equity.
A indústria do capital de risco cresceu no último ano, marcado pelas restrições ao convívio social e pela adoção acelerada de soluções digitais. O movimento continuou no primeiro trimestre de 2021. O InfoMoney coletou dados que mostram que as startups bateram recordes de investimentos por venture capital e private equity tanto no mundo quanto no Brasil (veja mais abaixo).
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Para entender se essa aposta nas startups brasileiras vai continuar acelerada, o InfoMoney também ouviu diversos players de capital de risco: ACE, Astella, Bossanova, Fuse Capital, Invisto, Iporanga Ventures, Maya Capital, NXTP, Redpoint eventures e Start Me Up (SMU).
Para esses investidores, a aposta na digitalização já vinha acontecendo por empreendedores e fundos – mas ganhou uma adoção mais generalizada de consumidores, investidores, grandes empresas e governos durante a pandemia. O cenário deve continuar otimista durante os próximos trimestres, especialmente em um país com tantos desafios (e oportunidades). Porém, isso gera competição ainda mais acirrada entre os próprios fundos de venture capital e private equity pelos melhores empreendedores.
Venture capital e private equity globais
A base de dados Crunchbase registra que o investimento global em capital de risco atingiu US$ 125 bilhões durante o primeiro trimestre de 2021. Esse é uma alta de 50% sobre o quarto trimestre de 2020, e um salto de 94% sobre o primeiro trimestre de 2020. Foi um recorde de funding para startups – a primeira vez em que a captação global bateu a marca de US$ 100 bilhões em um trimestre.
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Os unicórnios foram responsáveis por US$ 57,9 bilhões, quase metade, desse valor captado. Cerca de dois novos unicórnios, startups avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão, foram criadas por dia útil no primeiro tri de 2021. O primeiro trimestre deste teve a adição de 112 novos unicórnios para a base do Crunchbase. Em 2020, o ritmo era bem menor: o mundo recebia um novo unicórnio a cada dois dias úteis.
Na separação por estágio de investimento, as rodadas sementes acumularam US$ 4,1 bilhão no trimestre. Foi uma queda leve de 2,4% sobre o valor visto no quarto trimestre de 2020, mas uma alta de 5,1% na sobre o primeiro trimestre de 2021 (anual). Os investimentos de série A e B (estágio inicial) tiveram alta no período, com US$ 35,5 bilhões (+45% trimestre, +63% ano). Por fim, os investimentos de série C em diante (estágio avançado) também tiveram recorde e alcançaram US$ 85,6 bilhões (+56% trimestre, +122% ano).
Em termos de setores, o Crunchbase destaca saúde, serviços financeiros, transporte e varejo em volume captado.
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Venture capital e private equity no Brasil
A Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e a consultoria KPMG divulgaram dados de captação, investimentos e desinvestimentos dessas indústrias no país durante o primeiro trimestre de 2021.
Os investimentos de venture capital e private equity atingiram R$ 10,71 bilhões no primeiro trimestre deste ano (cerca de US$ 2 bilhões na cotação atua). Foi uma alta de 88% sobre os R$ 5,7 bilhões do primeiro trimestre de 2020.
O investimento médio por empresa também cresceu. Em venture capital, foi de R$ 58 milhões para R$ 139,8 milhões. Em private equity, de R$ 183 milhões para R$ 277 milhões. Os setores preferidos para investimento foram serviços financeiros, TI, comunicação/mídia, saúde/estética e varejo/shopping centers.
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A Distrito, plataforma de inovação aberta, apresentou resultados similares no primeiro trimestre de 2021 e fez uma separação por estágio de investimento. Foram US$ 1,91 bilhões captados no período: US$ 2,5 milhões em investimento anjo; US$ 6 milhões em aporte pré-semente; US$ 42,7 milhões em aporte semente; US$ 140 milhões em série A; e US$ 1,6 bilhão em série B em diante.
Em termos de setores, a Distrito destacou serviços financeiros (US$ 425,9 milhões), mercado imobiliário (US$ 222,5 milhões), varejo (US$ 295,7 milhões), educação (US$ 222,5 milhões) e logística (US$ 214,6 milhões).
Pandemia, liquidez e juros baixos
O InfoMoney conversou com gestores de capital de risco para entender os números mundiais e brasileiros sobre venture capital e private equity. A primeira conclusão é unânime: a pandemia de fato aumentou o interesse não apenas por compras digitais, mas por startups como negócio e como investimento.
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“Momentos disruptivos, como crises econômicas e pandemia, geram mudanças relevantes nos nossos hábitos e necessidades – consequentemente, favorecem o surgimento de soluções inovadoras para resolver as novas dores”, analisa Mônica Saggioro, cofundadora da MAYA Capital. O fundo de venture capital aportou em empresas como Alice, Gupy e The Not Company.
“Nos Estados Unidos, as empresas de tecnologia foram as que criaram maior valor econômico e na sociedade ao longo dos últimos 20 anos. Agora, vivemos a vez de ver essa transformação acontecer aqui no Brasil”, completa Daniel Chalfon, sócio da Astella Investimentos. A Astella investiu em negócios como Omie, Resultados Digitais e Sallve.
O e-commerce é só o exemplo mais marcante de valorização da tecnologia durante a pandemia. “O setor cresceu em meses o que levaria anos, e uma série de startups fizeram rodadas maiores nas séries A em diante. Mas também surgiram e cresceram muitas startups que endereçam mercados adjacentes aos que tiveram crescimento exponencial e que ainda sofrem com grandes dores. O sucesso do e-commerce impulsionou fintech e startups de logística, por exemplo”, diz Gonzalo Costa, sócio do NXTP. O fundo de venture capital aportou em startups como Amaro, CargoX e Ripio.
Dan Yamamura, sócio da gestora Fuse Capital, concorda que o e-commerce não foi o único setor que apresentou crescimento durante pandemia. “Os órgãos governamentais afrouxaram diversas amarras regulatórias que impediam que a inovação andasse mais rápido. Há uma infinidade de exemplos: na educação, com as aulas online; na saúde, com a utilização de telemedicina; nas finanças, com as contas digitais; ou na indústria farmacêutica, com a criação acelerada de vacinas”. A Fuse Capital aportou em negócios como AIO, Fligoo e W.Dental.
O interesse em tecnologia também parte dos investidores. “Com a pandemia, muitas soluções tecnológicas de startups foram importantes para a digitalização dos negócios, e elas acabaram ganhando maior interesse dos investidores. Com a perspectiva de recuperação da economia, mais investidores entram na bolsa e em outros mercados de investimento de risco, e isso inclui o venture capital”, diz Pedro Carneiro, diretor da ACE Startups.
Esse impulso está se refletindo em eventos de liquidez para as startups, que devem continuar em alta. Uma forma é realizar aberturas de capital. Outra é vender a startup para uma empresa maior. Foram 56 processos de fusão e aquisição (M&A) envolvendo startups ao longo do primeiro trimestre de 2021, segundo o Distrito.
“Os serviços oferecidos pelas startups resolveram os problemas das empresas mais tradicionais, muito impactadas na pandemia. Esse motivo para crescimento fica muito claro quando vemos a quantidade de grandes empresas comprando pequenas startups no Brasil”, analisa João Kepler, CEO da Bossanova Investimentos. A Bossanova investiu em startups como Eats For You, Glebba e Smarket. “Essas oportunidades de saída estão cada vez mais evidentes, e devem continuar ajudando a trazer os melhores talentos para o setor”, completa Mônica.
A cofundadora da MAYA Capital também afirma que pandemia criou novos hábitos inclusive para as startups – como se preparar o máximo possível para black swans, ou eventos imprevisíveis. “Há um foco muito maior em preservar caixa e se preparar para situações adversas hoje. Imagino que isso permaneça por mais tempo”.
Porém, a pandemia não é a única a ser creditada pela maior importância dada às startups. Anderson Thees, sócio operador da Redpoint eventures, destacou que o interesse por soluções digitais também se somou a um contexto macroeconômico de aumento de liquidez e redução da taxa básica de juros pelo mundo. Os fundos que investem em startups conseguiram atrair mais investidores e captar recursos. “Essa combinação de liquidez e juros baixos tem ajudado bastante a indústria de venture capital e private equity nos últimos anos, e se acentuou durante a pandemia”, diz. A Redpoint eventures investiu em negócios como Creditas, Gympass e Rappi.
“O investimento em capital de risco globalmente e regionalmente já era forte antes da pandemia. Mas o momento só acelerou o fato de que a tecnologia tornou-se quase que obrigatória para muitos mercados e de que a classe de ativos de maior riscos e maior retorno está atrativa diante de juros baixos e fortes estímulos fiscais e monetários”, concorda Renato Valente, sócio da Iporanga Ventures. O fundo investiu em empreendimentos como Quero Educação, Loggi e Olist.
Futuro das startups: competição otimista
Diversos fundos de venture capital e private equity realizaram captações privadas durante 2020. Já do lado das captações públicas, a onda de SPACs atingiu tanto mercados globais quanto a própria América Latina – SoftBank e Valor Capital Group estão entre os que aderiram, com propostas focadas em capital de risco. “No Brasil, nós nunca tivemos tanto capital disponível para empreendedores em empresas nascentes de tecnologia como temos agora”, diz Chalfon.
Essa liquidez pode gerar competição pelos melhores empreendedores, segundo Costa. “O que certamente pode acontecer no futuro próximo é uma escassez de boas oportunidades de investimento, o que pode levar a um aumento dos valuations e também à flexibilização dos termos de investimento”. Valente, da Iporanga Ventures, concorda e ressalta: “O país tem muita carência e desafio. É um prato cheio para empreendedores cada vez mais preparados e com acesso a capital. Existe também uma inflação de salários de desenvolvedores, o que faz com que o valor dos aportes cresça.”
A liquidez deve continuar pelo resto de 2021. “Houve acesso à capital facilitado por quase todos os bancos centrais, e também facilidade de crédito na esfera privada. Os investidores conseguiram se organizar para uma maior captação de recursos em 2020, e se prepararam para investimentos em momentos subsequentes. É natural que os investimentos em VC e PE estejam aquecidos em 2021, frente ao ano anterior”, diz Marcelo Amorim, sócio operador da Invisto. A Invisto tem no portfólio startups como Gofind, HeroSpark e Knewin. “Nessa perspectiva, a Invisto não vê uma queda nestes níveis de investimento e temos várias indicações que durante os próximos meses o nível de atividade em Venture Capital e Private Equity deve permanecer elevado.”
“Para os próximos meses, estamos animados com uma recuperação ainda mais forte com um possível efeito das vacinas e aquecimento da economia. O investidor brasileiro está em busca de investimentos alternativos e mais retorno, dado o fim dos altos juros em aplicações como títulos do Tesouro Direito”, concorda Rodrigo Carneiro, CEO da SMU Investimentos. A plataforma de equity crowdfunding mediou aportes em negócios Flapper, Lady Driver e Pink Farms.
Mesmo com avisos de aportes pontualmente inflados, os especialistas afirmam que ainda temos muito caminho a percorrer em termos de investimento na tecnologia.
“Não acreditamos que esse fenômeno seja passageiro. Ainda existem muitas ineficiências nas cadeias de valor e oportunidades na prestação de serviços que a tecnologia pode endereçar”, afirma Valente. “Muitas corporações se viram muito mais atrasadas; muitos investidores se viram muito mais mal alocados; e muitos governos perceberam que são menos incentivadores de inovação do que imaginavam. Essa percepção generalizada e muito forte que faz com que os investimentos em startups e empresas inovadoras de tecnologia ainda venham a atrair muito capital não só ao longo dos próximos trimestres, mas certamente nos próximos anos e talvez décadas”, concorda Yamamura.
A adoção da rede 5G traz um impulso ainda maior para soluções digitais. “Internet super rápida e baixa latência vão permitir, por exemplo, fazer cirurgias mais precisas à distância, lançar carros autônomos, construir cidades inteligentes e muito mais coisas, que não conseguimos sequer imaginar”.