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SÃO PAULO – Enquanto parte dos acionistas da Cia. Hering (HGTX3) comemora o acordo com grupo Soma (SOMA3), que avaliou a varejista em mais de R$ 5 bilhões e fez as ações dispararem 26%, alguns integrantes da família Hering, que detêm ações da empresa por meio da holding Inpasa, estão em briga.
Em um processo judicial, três herdeiros da quinta geração de um dos fundadores da Hering acusam Ivo Hering, presidente do conselho de administração da empresa, dois outros membros da família — Klaus Hering e Antônio Diomário Queiroz — e a própria companhia de se apropriarem da participação acionária a qual eles teriam direito.
“A Soma deveria prestar atenção no que estamos fazendo porque contra fatos não há argumentos”, diz Pedro Hering Bell, um dos autores da ação ao lado de seus irmãos, Rafaella Hering Bell e Eduardo Teodoro Hering Bell.
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Os três são netos de Eulália Hering e Max Victor Hering, ambos falecidos. Max Victor é neto de um dos fundadores da Cia Hering e foi diretor da empresa entre 1931 e 1946, quando faleceu aos 58 anos. Eulália, com quem se casou em 1934, faleceu em 2006, aos 97 anos.
Segundo o texto, Eulália era detentora de quase 10% da Inpasa, holding da família controladora que detém 6,8% do capital da Hering. Essa fatia teria sido reduzida por meio de uma série de ações fraudulentas em benefício do tio Klaus e também de Ivo Hering e com conhecimento da empresa.
Na ação judicial, os autores acusam o tio Klaus de passar as ações de sua mãe, Eulália, para si próprio em uma série de movimentos que incluiriam documentos com assinaturas falsificadas, a abertura de dois CNPJs diferentes da Inpasa e o uso de uma offshore do escritório Mossak Fonseca, alvo do escândalo Panamá Papers. Eles também acusam Ivo Hering, presidente do conselho da Hering, de cometer fraudes por meio da Inpasa. As alegadas fraudes teriam sido descobertas durante o inventário de Eulália.
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No documento ajuizado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, estado de origem da empresa, os irmãos pedem que sejam declaradas nulas as vendas de ações que lhes pertenciam, com bloqueio dos respectivos dividendos. As irregularidades, segundo os autores, acontecem desde 1997 — ano em que a Ceval Alimentos, controlada pela família, foi vendida.
Segundo os advogados Rogério Ives Braghittoni, Paula de Camargo Passos e Yasmin Pastore Abdala ainda não é possível estipular o valor exato da causa por não se saber ao certo o número exato de ações que foram “fraudulenta e ilegitimamente transferidas em prejuízo dos autores”.
Apesar do momento em que a ação vem a público, os autores afirmam que tentam uma negociação há anos. “A primeira coisa que fiz quando descobri [as irregularidades] foi tentar conversar com o Ivo. Também tentamos incluir os questionamentos durante o processo do inventário [de Eulália], mas o juiz pediu que o assunto fosse tratado em uma outra ação”, afirma Pedro.
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Os documentos do processo mostram que o último termo para negociação extrajudicial foi encaminhado para os acusados no dia 11 de março, antes das ofertas de Arezzo e Soma.
Pedro, Rafaella e Eduardo afirmam que a Cia Hering teria sido conivente com as fraudes. Apesar disso, o InfoMoney apurou que o processo judicial não foi discutido no Conselho de Administração da companhia. Gestores e analistas consultados pela reportagem também não acreditam que a disputa da família possa afetar as operações e a fusão da Hering com o grupo Soma.
Procurada pela reportagem, a Cia Hering afirmou que desconhece o processo e não fará comentários. Por meio de seu advogado, Ivo Hering disse que o que sabe sobre o caso resume-se “a notas de jornal”. Diomário Queiroz também afirmou desconhecer o “objeto e os termos do processo”. Klaus não retornou o contato feito por e-mail.
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Leia os principais trechos da entrevista de Pedro Hering ao InfoMoney.
InfoMoney (IM) – Na ação judicial protocolada, as acusações apresentadas datam de mais de duas décadas. O documento também diz que as fraudes vieram à tona no inventário de Eulália Hering, falecida em 2006. Como você e seus irmãos descobriam isso?
Pedro Hering (PH) – Sou filho da Elke [Hering], filha da Eulália. Minha mãe faleceu muito cedo [1994], quando meu irmão Eduardo era menor de idade. Meus tios nunca deram satisfação dos negócios para nós. Como tínhamos uma herança muito grande, nunca nos preocupamos com dinheiro. Quando ocorreu a venda da Ceval [a empresa foi comprada pela multinacional Bunge, em 1997], eles [tios] nos fizeram assinar uma série de papéis. Fomos pressionados e não pudemos mostrar os papéis para os nossos advogados. Ocorreu essa venda da Ceval, a minha tia Maike [Hering] faleceu mais tarde e pouco depois a minha avó morreu.
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Dos três irmãos, sobrou meu tio Klaus. Eu o pressionei a fazer o inventário da minha avó. No inventário, ele disse que era o único herdeiro. Fora isso, enterrou minha avó sem atestado de óbito. Isso me causou muita estranheza. Foi quando entramos com um pedido e ele perdeu a inventariança.
Eu me tornei responsável pelo inventário em 2013 e tive conhecimento de que muitas das ações e participações que a minha avó tinha em companhias haviam desaparecido. Todas as suas ações da Ceval, Cia Hering, Renaux, Cremmer e outras desapareceram de um ano para outro em seu imposto de renda a partir do momento em que ela concedeu procuração ao Klaus para administrar seus bens.
Ao mesmo tempo em que as ações sumiram, o Klaus tem uma offshore no Panamá, da Mossack Fonseca. Ele se declara como falido. Por que alguém que está falido precisa de uma offshore?
Foi quando descobri também que a Inpasa tem dois CNPJs diferentes. A Inpasa é a holding que garante a participação da família em todos os negócios. Comecei a ver as atas e notei que ela tem dois CNPJs diferentes, um de 1958 e outro de 1966.
Em 1993, consta nos documentos como maior acionista da Inpasa uma administradora que une várias pessoas da família, em segundo aparece a Eulália Hering [..], o Ivo Hering aparece em sétimo. As histórias que correm sobre a época da venda da Ceval é sobre o uso de informações privilegiadas da parte do Ivo. O Ivo era presidente da Ceval e antes do anúncio da venda da empresa ele teria entrado em contato com todos os acionistas para comprar participação da Ceval, sabendo que o valor da companhia ia aumentar.
Ele comprou as minhas ações, as ações da minha irmã… Depois da venda, ele se tornou o maior acionista da Inpasa. Só que isso não seria possível mesmo com as ações que comprou. O documento de 1993, de um CNPJ, mostra que a minha avó possuía 2,5 milhões de ações na Inpasa. No documento depois da venda e em outro CNPJ, o número de ações dela cai para 72 mil. Onde foi parar o restante? Os dois CNPJs existem para que?
IM – Como avalia a condução dos negócios e gestão da empresa nos últimos anos?
PH – Desde que começaram a colocar a gente de lado eu perdi o interesse. Eu atuo no turismo de luxo, cada um dos meus irmãos tem uma profissão diferente.
IM – Nesta segunda-feira a Hering anunciou que fechou um acordo com o grupo Soma, que avalia a varejista em mais de R$ 5 bilhões. Como veem a aquisição?
PH – As minhas ações vão subir e até me ligaram dando parabéns, mas não ligo para isso. A Soma deveria prestar atenção no que estamos fazendo porque contra fatos não tem argumentos.
O fato de a empresa [Inpas] ter dois CNPJs significa que todas as ações desde a venda da Ceval podem ter nulidade jurídica. Quem compra uma empresa [Hering] como essa tem que saber que tudo pode desmoronar porque tenho tudo comprovando, tenho áudios de conversas com o Ivo e o Klaus. O prejuízo que Inpasa e Hering podem ter que arcar é enorme.
IM – O senhor e os demais autores do processo tem interesse em atuar executivamente na companhia?
PH – Eu tenho 50 anos já, tenho minha carreira, não tenho esse desejo. Tenho outros interesses e que me dão me dão muito mais prazer. Eu já tive a oportunidade de trabalhar lá [Hering]. O que a gente gostaria é que fosse feito justiça e essa fosse vista como uma questão historicamente brutal de tantas outras situações de empresas familiares que certamente existiram.