Ações da Eletrobras saltam na semana e podem dobrar de valor se privatização acontecer – mas analistas apontam obstáculos

Sinalização é positiva com envio pelo governo da Medida Provisória para desestatização, mas analistas alertam para receptividade no Congresso

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Após o anúncio da saída do CEO Wilson Ferreira Jr. no final de janeiro e as declarações de Jair Bolsonaro do último fim de semana de que iria “meter o dedo” no setor de energia elétrica, as ações da Eletrobras (ELET3;ELET6) passaram a precificar um ambiente bem mais negativo para a companhia, com a privatização sendo vista como ainda mais distante e até riscos de que ela volte a ser uma estatal mal administrada.

Com esse cenário ganhando força, diversos bancos e casas de análise, como o Credit Suisse na última segunda-feira, revisaram suas recomendações para a companhia, em meio ao aumento do risco político. Porém, desde o final da tarde da própria segunda, notícias vindas justamente de Brasília estão impulsionando os papéis da companhia, que saltam cerca de 20% apenas nos últimos três pregões desta semana.

O último grande acontecimento que animou o mercado foi o anúncio pelo governo da Medida Provisória 1.031 / 2021 referente ao processo de privatização da Eletrobras. A privatização da Eletrobras está condicionada à conversão da MP em Lei, estando o processo sujeito à aprovação da Câmara e do Senado. Assim, apesar do forte ânimo de curto prazo do mercado e com as projeções de uma forte valorização dos ativos se a privatização acontecer, o projeto ainda deve enfrentar muitos obstáculos.

Conforme destaca a Safra Corretora, a MP é, em geral, semelhante ao projeto de lei de privatização 5.877/2019 proposto em 2019, que tramita no Congresso desde então.

As principais alterações em relação ao projeto anterior são: i) a prorrogação da concessão da hidrelétrica de Tucuruí por 30 anos, cuja operação está sujeita ao regime de produtor independente; ii) obrigação de investir R$ 230 milhões por ano, por 10 anos, na revitalização de bacias hidrográficas na área da hidrelétrica de Furnas, e R$ 295 milhões ao ano, por 10 anos, para redução dos custos de geração no Amazonas legal, além dos investimentos de R$ 3,5 bilhões em 10 anos na bacia do rio São Francisco; iii) estabelecimento de novas regras de distribuição de receitas entre Governo e CDE (conta setorial paga pelos consumidores e voltada para subsídios, desenvolvimento e programas sociais), por meio do pagamento de anuidades por 30 anos e a  iv) criação de golden share (veja o que é clicando aqui), de propriedade exclusiva do governo, que estabelece o poder de veto para alguns assuntos, ainda indefinido.

Já os principais pontos da privatização continuam como o projeto anterior são: i) o processo será feito por meio de aumento de capital com direito a voto, que também poderá ser seguido de oferta secundária de ações do governo;
ii) o direito máximo de voto que um acionista poderá exercer ficará limitado a 10% e não será permitido bloco de controle para exercer participação com direito a voto superior a 10%; iii) ativos de geração renovados sob contratos de O&M terão uma nova concessão por 30 anos e, sob a nova concessão, o risco de déficit hídrico (GSF) será da Eletrobras; iv) Eletronuclear e Itaipu passarão por uma reestruturação societária para que o governo mantenha o controle.

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A intenção do governo é de privatização da Eletrobras pela autorização de um aumento de capital em que a União terá a sua fatia diluída e perderá o controle. O objetivo do aumento de capital é pagar novos contratos de concessão do regime de cotas hoje ao produtor independente.

De acordo com a análise da Safra Corretora, essa é uma tentativa de iniciar a privatização da Eletrobras por meio de uma iniciativa mais direta pelo governo, permitindo que o BNDES comece a modelá-la, o que poderia trazer mais clareza sobre alguns aspectos do processo. Essa medida também pode pressionar o Congresso a acelerar o debate, já que a MP irá expirar em até 120 dias.

No entanto, os analistas possuem uma postura cautelosa, principalmente devido a incertezas relacionadas aos atributos da golden share, que pode dar ao governo o poder de interferir na gestão da companhia, elevando os riscos de governança. Além disso, ainda não é claro como o Congresso irá receber a proposta, dado que o projeto anterior não foi apreciado devido a oposições políticas. A Safra Corretora ainda aponta ser cedo para dizer se as estimativas preliminares do Ministério de Minas e Energia são justas. “Dito isso, nós reconhecemos que o início do processo pode animar os investidores no curto prazo”, avalia.

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Na mesma linha, o Credit Suisse aponta que a medida é positiva para a empresa; porém, é necessário apoio político para que a proposta seja aprovada.  “Além disso, a proposta de pagamento da taxa de concessão parece inicialmente maior do que o esperado e vemos incerteza para muitas variáveis”, avaliam os analistas do banco suíço.

Eles ainda apontam que o governo já enfrentou dificuldades com a privatização, avaliando ser importante ter uma visão mais clara da opinião do Congresso.

“Lembramos a investidores que o governo sofreu anteriormente (para avançar) com a privatização e, consequentemente, acreditamos que é importante ter uma visão mais clara sobre a opinião do Congresso em relação a essa nova MP.” O projeto de lei sobre a desestatização enviado ao Congresso pelo governo Bolsonaro no final de 2019 não andou, e sequer teve relator indicado.

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Enquanto isso, ainda está no radar a nomeação do novo presidente para a empresa, uma vez que Wilson Ferreira Jr ficará no cargo de CEO da Eletrobras apenas até 5 de março.

A Levante Ideias de Investimentos também chama a atenção para o prazo oficial da tramitação das MPs, destacando que existem hoje, na fila, outras 25 Medidas Provisórias que têm preferência sobre a da Eletrobras.

Conforme já destacado acima, o prazo oficial de tramitação das MPs até que elas percam validade é de 60 dias, prorrogáveis por igual período. Nesse caso, a venda do controle da empresa por meio de diluição em uma oferta secundária de ações somente ocorreria após a conversão da MP em lei.

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No entanto, segundo o ministério de Minas e Energia, a modelagem da desestatização já poderá ser realizada enquanto o Congresso discute a MP e os estudos levam, em média, cerca de oito meses para conclusão. “O período coincide com as estimativas do ministério da Economia para a venda de ativos da Eletrobras – segundo apresentação do Programa de Parceria de Investimentos deste mês, o processo deve tomar forma apenas no quatro trimestre de 2021”, avaliam.

Assim, apesar de avaliar que o envio da MP tem impacto positivo nas ações da estatal (e a tendência deve seguir no curto prazo), o alerta é para a possibilidade de vencimento no Congresso devido à delicadeza do tema – que precisa de maioria simples nas duas Casas para ser aprovado. “Seguiremos atentos às negociações políticas em torno dela e, nesse contexto, será possível ter maior clareza se a capitalização da Eletrobras será feita, de fato, no final deste ano ou se o projeto vai ser adiado mais uma vez”, apontam os analistas da Levante.

Na avaliação de Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, o processo tem poucas chances de ser concluído no curto prazo, com as discussões devem se estender, podendo esbarrar inclusive no calendário eleitoral em 2022.

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Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, e para Alex Agostini, da Austin Rating, o movimento do governo federal para a privatização da Eletrobras é um claro afago a Paulo Guedes, ministro da Economia, que sofreu um revés após Jair Bolsonaro criticar e anunciar a substituição do atual CEO da Petrobras, Roberto Castello Branco (que foi indicado pelo ministro). Além disso, sinaliza para a continuidade da pauta liberal depois dos sinais intervencionistas do governo nas estatais no último fim de semana.

Vale aponta, contudo, que ainda não está claro o poder do Estado através da golden share nessa modelagem de privatização da companhia; ele ainda ressalta que é possível que o “afago” a Guedes após o revés na Petrobras termine por aí. Por outro lado, Agostini destaca que a medida indica o reconhecimento por Bolsonaro da importância que Guedes tem para o governo, indo em linha com o que já tinha sido encaminhado de medidas prioritárias para o Congresso, ainda que destacando as chances do projeto não ser aprovado pelo Legislativo.

Cenários para a companhia

Desta forma, mesmo com as considerações positivas e a forte alta dos ativos, o cenário geral é de cautela para os ativos.

Na avaliação do Goldman Sachs, o  cenário de análise pós-capitalização (desestatização) sugere um valor hipotético no intervalo entre R$ 58,3 e R$ 91,30 reais por ação para ELET3 (ações ordinárias) e entre R$ 63,80 e R$ 100,20 por ação para ELET6. Esses valores configurariam uma alta entre 78% e 179% para os ativos ON e entre 86% e 192% para os ativos PNA, levando em consideração o fechamento da véspera.

Contudo, destaca o banco americano, “há potenciais desafios para a aprovação da proposta, especialmente uma vez que a companhia ainda não tem um novo CEO indicado”.

O Itaú BBA, por sua vez, que possui recomendação outperform (desempenho acima da média) para as ações ELET3, com preço-alvo de R$ 56 por ativo, avalia que o papel ELET3 pode valer R$ 64 se a estatal for privatizada, um valor 95,90% maior frente o fechamento da véspera.

A Safra Corretora possui recomendação neutra para ELET3 e ELET6 desde a renúncia de Wilson Ferreira Junior do posto de CEO da Eletrobras, uma vez que avalia que aquele foi um sinal de que a privatização não aconteceria no curto prazo. O preço-alvo para as ações ELET3 é de R$ 35,10. Para ELET6, o preço-alvo é de R$ 36,70.

“Nós inicialmente tomamos uma postura cautelosa sobre a privatização até termos um senso melhor de como o processo irá evoluir”, ressaltam os analistas. Em caso de sucesso da privatização, eles apontam pontos positivos como plano de desinvestimentos, programas de economia de custos, melhoria na alocação de capital e melhor gestão dos passivos. Porém, ainda é preciso aguardar a receptividade do projeto no Congresso para traçar perspectivas mais positivas.

(Colaboração de Priscila Yazbek)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.