Medo de aumento de impostos? Passado favorável? Como os investidores devem reagir à vitória de Joe Biden

Desde 1901, a Bolsa americana teve suas melhores fases durante mandatos de presidentes democratas com o Congresso republicano ou com o Congresso dividido

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – As eleições americanas tiveram um forte impacto no mercado financeiro, mesmo antes de Joe Biden ter sido declarado presidente. Na última semana, os três principais índices das Bolsas americanas tiveram o melhor desempenho para o período desde abril, com o Dow Jones valorizando 6,9%, o S&P 500, 7,3% e o Nasdaq subindo mais ainda, 9%. O movimento também foi acompanhado pela Bolsa brasileira, com o Ibovespa tendo uma alta de 7,42% no período.

Agora que Joe Biden foi consagrado vencedor, os investidores já olham para um período mais longo para tentar entender como as propostas e a postura do democrata poderá afetar os ativos financeiros.

A reação inicial bastante otimista de Wall Street não tem relação direta com a caminhada de Biden para se tornar presidente, mas na verdade foi por conta do que estava acontecendo na eleição para o Congresso. Um dos grandes temores dos investidores era que o democrata assumisse a presidência, enquanto o partido ficasse com maioria na Câmara e no Senado, a chamada “onda azul” (“blue wave”).

Isso porque, caso os democratas ficassem com o comando das duas Casas, havia um temor sobre as pautas que poderiam passar no Congresso, já que não haveria força dos republicanos para frear (ou suavizar) o tão temido aumento de impostos para empresas.

Porém, mesmo que ainda não tenha sido concluído o cenário para a eleição do Congresso, analistas acreditam que não haverá a “onda azul”, o que traz alívio para o mercado.

“Se o cenário Biden/Congresso dividido se materializar, os mercados devem comemorar”, disse Esty Dwek, responsável por estratégia de mercado global da Natixis Investment Managers, para a Bloomberg.

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Entre as propostas do democrata, a que mais poderia ter algum impacto no mercado é a de aumentar impostos para empresas, de 21% para 28%. E, apesar de elevar custos das companhias ser sempre algo negativo, analistas não acreditam que isso mudaria o rumo positivo dos ativos financeiros.

Outro ponto está no pensamento ideológico de Biden, em especial a sua defesa de pautas de meio-ambiente. O BB Investimentos, por exemplo, apontou que “papéis de empresas que possuem boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG), devem ser beneficiadas com a vitória dele.

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“Por outro lado, os incentivos à economia de energia limpa e renovável e o fim dos subsídios para combustíveis fósseis poderiam prejudicar o desempenho de empresas ligadas à cadeia de petróleo”, avaliam a equipe de análise do banco.

Sobre a commodity, Biden sinalizou durante a campanha que buscará trazer o Irã de volta ao acordo nuclear de 2015 que os EUA negociaram quando ele era vice-presidente de Barack Obama. Isso significa que as sanções econômicas impostas por Trump – e que foram intensificadas nesta semana – poderiam eventualmente serem flexibilizadas, abrindo caminho para mais de 2 milhões de barris por dia de exportações de petróleo iraniano.

Bancos de Wall Street, como Goldman Sachs, JPMorgan Chase e RBC Capital Markets, estimam 1 milhão de barris por dia ou mais de petróleo iraniano entrando no mercado no próximo ano, o que pode pressionar bastante o mercado petrolífero.

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Mas, mesmo que as pautas de Biden tenham algum impacto em setores específicos, a visão é que isso não seria suficiente para se tornar algo totalmente negativo para o mercado. Segundo Otavio Costa, gestor da Crescat Capital, um dos grandes interesses do mercado agora está no novo pacote de estímulos.

“As eleições praticamente não importam a médio e longo prazo”, disse ele em live no InfoMoney, explicando ainda que houve um aumento de cerca de US$ 4 trilhões da dívida pública nos últimos meses nos EUA para impulsionar a atividade econômica por conta da crise.

“Ao longo do tempo, o que vamos ver é que os mercados financeiros e a economias estão sempre ligados com estes ciclos financeiros de expansão e contração do crédito e da oferta monetária”, afirma Costa.

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Segundo ele, o mercado de metais preciosos e a indústria mineradora são ótimas opções para os investidores, inclusive para se protegerem deste cenário de dívida nos EUA. “Para o investidor, qualquer barulho que a gente tiver no mercado agora, principalmente em metais preciosos, é uma oportunidade. Uma queda neste mercado me parece uma oportunidade a médio e longo prazo”, conclui.

De um modo geral, olhando para ativos no médio e longo prazo, o cenário em que Biden preside com um senado republicano pode ser positivo para: ouro, prata, empresas com práticas ESG, veículos elétricos e cannabis, aponta a equipe de análise da XP. Por outro lado, pode ser negativo para, além das petroleiras, empresas do setor de farmácias, seguros de saúde e montadoras tradicionais.

Isso porque, no último debate presidencial antes da eleição, o então candidato propôs o chamado Bidencare, com a opção de seguro de saúde público para pessoas sem condições financeiras (o que seria negativo para seguradoras) e mirou a redução dos preços de medicamentos (negativo para as farmacêuticas). Já do lado das beneficiárias, a expectativa é de que, com a eleição de Biden, haja descriminalização da cannabis em nível federal nos EUA; Biden também defende a legalização para fins medicinais.

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No curto prazo, contudo, os analistas da XP apontam para um risco no momento que a judicialização do processo eleitoral já está em curso e poderá se estender por período prolongado, à medida que há recontagem dos votos nos estados ainda em disputa e longas batalhas judiciais. “Ainda há chances do ‘pior cenário para o mercado’ se concretizar, logo após uma forte alta nas bolsas globais”, avaliam.

Histórico é otimista

Como destaca Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP Investimentos, desde 1901, os melhores desempenhos da Bolsa americana aconteceram durante mandatos de presidentes democratas com o Congresso republicano ou com o Congresso dividido entre os dois partidos. Este é o cenário agora.

Dados históricos indicam que a valorização do mercado acionário dos Estados Unidos no dia seguinte às eleições é um bom presságio para mais ganhos nos próximos três meses.

O índice S&P 500 deu um salto de 2,2% na quarta-feira, o melhor desempenho no dia após a eleição presidencial nos EUA, segundo dados da Sundial Capital Research, considerando uma base desde 1932. O ganho médio do índice de referência nos três meses seguintes ao pleito foi de 4,4%, segundo a análise.

Já o site MarketWatch destaca ainda o impacto histórico de se haver um Congresso dividido (com um partido na maioria do Congresso e outro no Senado), como deve ocorrer agora.

Considerando dados desde 1945, o S&P 500 registrou um retorno anualizado de 13,6%, em média, quando o presidente era democrata e o Congresso estava dividido. Como comparação, em um cenário de domínio democrata na presidência, Câmara e Senado, o retorno ficou na média de 9,8%.

E como fica o Brasil?

O movimento de Wall Street sempre teve grande impacto nos mercados do mundo todo, e no Brasil não é diferente. Mas se tratando de um período de médio e longo prazo é importante lembrar que fatores domésticos podem ter mais impacto para o desempenho das ações.

E neste sentido, o Brasil está em uma situação fiscal bastante complicada e será importante ver a capacidade do país de realizar os ajustes necessários sem estourar o teto de gastos.

Para Júlio Erse, gestor da Constância Asset, é possível que o Ibovespa mantenha os ganhos conquistados nos últimos dias, podendo se sair ainda melhor que as bolsas americanas nos próximos meses.

O especialista lembra que o Brasil continua sendo um dos piores mercados do ano e o valuation das empresas não está tão esticado que demande uma correção muito forte. “Qualquer múltiplo que você queira utilizar, seja por lucro ou patrimonial, aponta para um valuation bem acima da média nos mercados desenvolvidos, enquanto estávamos com preços mais contidos aqui”, analisa.

Desse modo, a expectativa é de o Ibovespa tenha um desempenho melhor que o de índices como o Dow Jones e o S&P 500 pelo menos enquanto o cenário seguir como está, sem nenhuma reviravolta negativa no âmbito fiscal.

“A aprovação do projeto que prevê autonomia para o Banco Central aqui foi muito bem recebida pelo mercado e esperamos para depois das eleições municipais o encaminhamento da [Proposta de Emenda à Constituição] PEC dos gatilhos, que deve mostrar o que o governo fará em termos de ajuste fiscal e como será financiado o programa social que substituirá o Auxílio Emergencial”, conclui.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.