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SÃO PAULO – A fuga de investidores estrangeiros da B3, a bolsa de valores brasileira, já representou uma saída de R$ 87,5 bilhões em capital externo do mercado acionário nacional apenas entre janeiro e setembro de 2020.
O dado foi apresentado nesta quinta-feira (15), pelo Banco Central, em evento fechado para investidores. A retirada de não residentes havia ficado em R$ 44,5 milhões em 2019 — a maior fuga até então desde o início da série histórica da B3, em 2004.
Em 2020, as saídas se aprofundaram. O pior mês deste ano foi março, no ápice da pandemia de Covid-19, quando foram sacados R$ 24,2 bilhões. O saldo ficou negativo até maio, até que em junho houve uma entrada de R$ 343 milhões de capital estrangeiro na Bolsa. Mas o movimento não se sustentou em julho ou agosto, com saídas de R$ 8,4 bilhões e R$ 444,1 milhões respectivamente.
Estímulos sem data para terminar
O vai e vem acompanha as turbulências econômicas do Brasil. “Os estrangeiros estão receosos com o futuro fiscal do país, então é natural que tenhamos uma maior saída de capital”, analisa Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Esse futuro fiscal está estressado pelos estímulos concedidos pelo governo, diante da recessão ligada à pandemia de Covid-19. Também segundo dados divulgados pelo Banco Central na apresentação feita a investidores, o Brasil é o quarto país que mais adotou estímulos fiscais como percentual de seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2020.
Por aqui, o volume de recursos destinado a medidas de combate aos efeitos da pandemia chegou a cerca de 9,5% do PIB. O Japão lidera a lista, com 16% do PIB. Na sequência, aparecem Canadá e Estados Unidos, com cerca de 12%.
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A Alemanha ficou empatada com o Brasil na quarta posição (9,5%), enquanto países como a também emergente China deram menos respostas em políticas fiscais como proporção do PIB (6%).
“Temos um gasto fiscal enorme, próximo daquele de países desenvolvidos. Eles têm mais condição de realizar esses estímulos, com uma taxa de juros próxima a zero”, analisa Vale. “Outro ponto é que os programas sociais nos países desenvolvidos foram considerados como temporários. Aqui, vemos uma pressão significativa de colocá-los na agenda permanente de alguma forma. Foi o que vimos no caso do Renda Brasil.”
Com reeleições próximas e sem ver argumentos ou movimentações do governo que tenham capacidade de mudar esse cenário fiscal, o economista-chefe diz que a tendência é a fuga dos estrangeiros continuar. “Estamos caminhando para um cenário de desregramento contínuo da economia brasileira nos próximos anos.”
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Os efeitos da fuga de estrangeiros
A saída é preocupante porque os investidores do exterior, mesmo com a debandada recente, continuam representando uma parcela significativa da bolsa brasileira. Eles foram responsáveis por 48,59% do volume total (compras e vendas de papéis) movimentado em setembro de 2020, segundo a B3.
Os efeitos não se sentem apenas no mercado acionário. A saída de capital externo da Bolsa é um dos componentes que explica o enfraquecimento do real, por exemplo. O dólar acumula uma alta de 40,14% em 2020. “Sem uma mudança de cenário, o câmbio continuará depreciado, o crescimento se manterá baixo, a inflação será crescente e os juros seguirão pressionados pela situação fiscal. A população terá de arcar com a conta desse desequilíbrio macroeconômico”, diz Vale.
Risco fiscal pode ameaçar os juros
A combinação entre deterioração das contas públicas e dólar alto é monitorada com atenção pelo Banco Central, já que ambos os fatores podem exercer pressão sobre a inflação e afetar a trajetória dos juros (entenda a relação entre juros e inflação no vídeo abaixo).
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No evento com participantes do mercado financeiro, Roberto Campos Neto, presidente do BC, reforçou que a taxa básica de juros da economia deve se manter em patamares baixos ao dizer que “a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado.” Ou seja, a economia desaquecida continua exigindo juros baixos, para estimular o consumo.
Mas Campos Neto de novo fez questão de ressaltar, assim como tem feito nas últimas semanas, que o BC pode fazer ajustes graduais no atual grau de estímulo se novas informações alterarem a atual avaliação do Copom sobre a inflação, mencionando especificamente o risco fiscal.
“Eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal”, disse Campos Neto.
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Para Sergio Vale, a fala do presidente do BC reforça que existe pouco espaço para a queda na Selic. “A sinalização de uma nova queda de juros só estaria acontecendo agora em uma rodada adicional da pandemia, afundando ainda mais a economia. Estamos em franca recuperação, então faria sentido a Selic cair ainda mais agora.”