Publicidade
SÃO PAULO – As mudanças na rotina, causadas pelas medidas de distanciamento social impostas pela pandemia, colocaram boa parte da população em casa e levaram à adoção do home office, à suspensão de aulas presenciais e à realização de diversas atividades de forma virtual.
No Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o uso de internet durante a quarentena, de março a junho, cresceu em torno de 40% e 50%.
Com a nova realidade, as pessoas passaram a utilizar mais dispositivos eletrônicos, como smartphones, tablets e computadores, e o aumento da exposição às luzes das telas desses aparelhos podem causar desconfortos e possíveis danos à saúde dos olhos.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), a dependência do uso de computadores para realização de atividades diárias intensificou o aumento de casos de Síndrome Visual Relacionada a Computadores (SVRC), fenômeno que já vinha se acentuando antes da pandemia.
A SRVC é definida como um conjunto de sintomas nos olhos, que inclui: cansaço nas vistas, ardência, dor, irritação, sensação de corpo estranho no globo ocular, vermelhidão, turvação visual e ressecamento.
Um levantamento liderado pelo oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, do Instituto Penido Burnier, especializado em oftalmologia, revelou que a SVRC atingiu cerca de 75% dos jovens e adultos com até 40 anos de idade que procuraram atendimento médico entre maio e agosto deste ano.
Continua depois da publicidade
Entre as crianças, que passaram a realizar as atividades escolares no meio digital, a proporção é de 30%. Já no grupo de pessoas com mais de 40 anos, chega a cerca de 90%.
A grande taxa de prevalência da síndrome entre as pessoas acima dos 40 anos ocorre, segundo Queiroz Neto, porque com o envelhecimento do olho, o cristalino perde a capacidade de focar objetos a curta distância, reduzindo a visão de perto, portanto essa faixa etária tende a sentir mais os efeitos da exposição excessiva às telas.
“Muitos pacientes estão chegando com esses sintomas porque o mundo ficou online e, por conta do home office e do ensino à distância, todo mundo está passando mais tempo no computador. Estamos numa época muito seca e isso também colabora para o agravamento dos sintomas de desconforto da visão”, diz Queiroz Neto.
Continua depois da publicidade
O especialista explica que o percentual de pessoas com problemas relacionados à síndrome também está mais alto, na comparação com os períodos anteriores, porque os atendimentos ainda não voltaram a acontecer com a mesma frequência do período pré-pandemia, portanto os pacientes chegam aos consultórios já com sintomas bem avançados.
Segundo Pedro Carricondo, diretor da emergência em oftalmologia do Hospital das Clínicas e membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), os casos de ressecamento ocular são os mais comuns e cresceram neste período em que mais pessoas passaram a adotar o regime de home office e o uso de dispositivos foi intensificado, seja para estudos ou entretenimento.
“Toda vez que uma pessoa fica muito exposta à tela ou quando está executando qualquer tipo de atividade de atenção, o número de vezes que o olho pisca diminui bastante, o que colabora para o aumento dos sintomas de ressecamento nos olhos”, explica Carricondo.
Continua depois da publicidade
A diminuição do piscar e o excesso de luz que vem dos computadores contribuem também para o agravamento de outras doenças oculares, como a miopia, além de aumentar a sensação de fadiga, segundo Carricondo. O oftalmologista explica que a luz das telas causa uma hiperestimulação na retina e no cérebro – o que faz com que as pessoas se sintam mais cansadas quando passam longos períodos na frente da tela.
“Esses são os principais problemas que apareceram por conta do home office. Alguns estudos questionam se o excesso de luz azul, que vem das telas dos dispositivos eletrônicos, pode aumentar a chance de degeneração macular. Mas essas são reações a longo prazo, que estão sendo acompanhadas pelos profissionais e podem vir a ser um problema para a população daqui a 15 ou 20 anos”, explica o médico.
Miopia preocupa
A miopia é um distúrbio de refração que aumenta a dificuldade das pessoas em enxergar objetos de longe.
Continua depois da publicidade
A estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que em 2050 cerca de 52% da população mundial será afetada pela doença. De acordo com a entidade, o aumento do tempo em ambientes fechados e o crescimento de atividades que exigem o uso da vista para perto estão contribuindo para o aumento do número de pessoas que sofrem de miopia em todo o mundo.
Atividades ao ar livre e a redução do tempo de utilização dos computadores estão entre as recomendações da OMS para reduzir o risco da doença.
A designer mineira Gabriela Silva, de 31 anos, foi uma das vítimas da exposição excessiva aos dispositivos eletrônicos durante a pandemia.
Continua depois da publicidade
Desde o início do home office, Gabriela, que foi diagnosticada com miopia aos 25 anos, passou a sofrer de cansaço na vista e enxaqueca após o fim do expediente. A designer havia trocado de óculos havia pouco mais de um ano e, segundo sua médica, seu grau estava se estabilizando. Porém, com o isolamento social, ela começou a notar que não enxergava de perto tão bem quanto antes.
Após voltar ao oftalmologista e relatar os sintomas, Gabriela constatou o que já imaginava: seu grau de miopia aumentou de 2,25 para 2,75 em um ano por causa da exposição excessiva às telas do computador durante a quarentena.
“Eu já tinha percebido que a minha visão estava bem ruim e também passei a ter dor de cabeça na região próxima aos olhos e sentir indisposição. Isso afetou um pouco meu trabalho porque gerava um cansaço. Meus óculos quebraram e eu precisei voltar à minha oftalmologista em agosto. Ela falou que o meu grau havia aumentado e que muitas pessoas estavam passando pelo mesmo problema na pandemia por causa do excesso de exposição às telas”, diz.
Qualidade de vida
Pedro Carricondo, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, reforça que a saúde dos olhos é importante, inclusive, para garantir mais qualidade de vida, e que as condições adequadas de visão permitem um melhor desenvolvimento das atividades diárias e desempenho no trabalho, principalmente no home office.
Com a flexibilização da quarentena, o médico salienta que é importante que os pacientes restabeleçam seus acompanhamentos médicos periódicos para evitar o agravamento de doenças no futuro.
De acordo com a OMS, atualmente, pelo menos 2,2 bilhões de pessoas têm deficiência visual ou cegueira em no mundo todo. Desses, cerca de 1 bilhão tem doenças oculares que poderiam ter sido prevenidas ou ainda não foram tratadas.
“Como as consultas já estão liberadas, o ideal seria procurar um oftalmologista e fazer o acompanhamento periódico. Para um melhor desempenho das atividades é preciso estar com os óculos atualizados ou fazendo um tratamento indicado pelo médico, para evitar o cansaço nos olhos e o desenvolvimento de outros sintomas, como dor de cabeça, aumento do grau de miopia e coceira na região ocular”, alerta Carricondo.
Outro relatório da OMS, divulgado no final de agosto, revela que a pandemia impactou severamente os sistemas de saúde de 90% dos países do mundo, com interrupções de serviços e tratamentos contínuos prestados à população.
Com base nos relatórios dos 105 países avaliados, houve, em média, interrupções em metade dos 25 serviços analisados. As áreas mais frequentemente interrompidas foram a vacinação de rotina, com 70% das nações entrevistadas registrando problemas no serviço; e diagnóstico e tratamento de doenças não transmissíveis (69%).
Diante desse cenário, o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto reforça que pessoas com doenças como glaucoma e catarata ficaram mais vulneráveis e devem retornar o quanto antes aos seus tratamentos. “As pessoas podem perder a visão de contraste ou até ficar cegas por não fazer o controle, nem o uso correto da medicação para tratar essas doenças, principalmente os pacientes mais idosos”, explica.
Como se cuidar?
Quando uma pessoa está em frente a uma tela, o número de vezes que ela pisca pode diminuir em até 60%, segundo estudos clínicos. Normalmente, a maioria dos indivíduos pisca entre dez a 15 vezes por minuto.
Carricondo explica que os olhos não foram feitos para realizar atividades em frente ao computador por longos períodos. Segundo ele, o ideal durante o teletrabalho é estabelecer intervalos de cinco a dez minutos a cada duas horas de trabalho e tentar descansar os olhos olhando para longe.
Para quem tem sintomas de ressecamento ocular, a recomendação é verificar se a tela do computador não está muito alta e tentar deixá-la em um nível abaixo dos olhos para reduzir os sintomas e a exposição das córneas. Outra orientação é usar colírio lubrificante, quando recomendado, ou quando os sintomas se tornarem frequentes.
A Sociedade Brasileira de Oftalmologia recomenda que quem usa lente de contato passe a priorizar o uso de óculos, se possível, durante esse período de isolamento. Se não for possível usar óculos, em caso de graus altos, é necessário redobrar os cuidados com a higiene e lavar as mãos com água e sabão antes de colocar ou retirar as lentes de contato.
Na lavagem, o ideal é não usar álcool gel para não correr o risco de cair no olho e causar irritação, além de higienizar o estojo que guarda as lentes e enxaguá-lo.
Queiroz Neto ressalta também que é preciso evitar o uso de qualquer equipamento no período da noite. O médico explica que a luz das telas dos aparelhos eletrônicos causa alterações hormonais que levam ao envelhecimento precoce do sistema ocular e antecipam a formação da catarata, além de expor a retina a lesões que podem levar à perda permanente da visão.
“A tela emite luz azul que é predominante durante o dia. Quando usamos estes dispositivos à noite enganamos nosso organismo e, como resultado, as pessoas tendem a ter insônia devido à produção de hormônios que nos mantêm em estado de alerta”, diz Queiroz Neto.