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Derrocada das ações de techs nos EUA levanta dúvida no mercado: baixa é pontual ou a “bolha” estourou?

Alguns analistas veem correção saudável, mas ponderam caso movimento se estenda a outros ativos; já outros ressaltam que baixa pode perdurar por mais tempo

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A sessão da última quinta-feira (3) marcou uma forte derrocada das grandes techs americanas, baixa essa que se estendeu na sessão desta sexta-feira (4) – ainda que de forma mais tímida – e impactando inclusive as ações das companhias brasileiras.

É certo que as companhias do segmento, que inclui Apple, Google, Facebook, Amazon, Alphabet, se beneficiaram muito durante a pandemia do coronavírus com a crescente demanda dos investidores, uma vez que as pessoas ficaram em suas casas e passaram a usar cada vez mais os serviços dessas empresas para trabalharem e se entreterem.

Contudo, havia muitas dúvidas sobre a sustentabilidade da alta dessas ações, que levaram as bolsas americanas para as máximas históricas no último mês, mesmo em um cenário de forte queda da atividade econômica em meio à pandemia.

A dúvida foi reforçada com a queda de 8% das ações da Apple na véspera, perdendo mais de US$ 180 bilhões do valor de mercado – a maior perda diária para qualquer companhia na história. Enquanto isso, Amazon , Alphabet (Google) e Microsoft caíram mais de 4% e outras como Tesla e Zoom tiveram quedas ainda maiores, entre 9% e 10%. O Nasdaq teve queda de 4,96%.

Na sessão desta sexta, a baixa se prolongou, com derrocada que chegou a ser entre 5% e 8% para essas ações, para na reta final do pregão amenizarem. O Nasdaq chegou a ter perdas superiores a 4%, mas fechou em queda de 1,27% (veja mais clicando aqui).

Mas, afinal, essa forte queda explica uma baixa pontual ou uma queda contínua dos mercados? Ou, indo até mais longe, pode-se dizer que a “bolha” das techs estourou?

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Primeiro, ainda há dúvidas sobre se o cenário atual pode ser caracterizado como o de formação de bolhas para os papéis do setor.

Conforme destaca Betina Roxo, estrategista-chefe da Rico Investimentos, as ações de tecnologia, a princípio, poderiam ser candidatas a entrarem em um cenário de bolha de preços, em que eles se descolam dos fundamentos e um frenesi para comprar as ações acontece.

Um grande expoente desse movimento é a Tesla, de Elon Musk, com ganhos superiores a 400% no ano. A montadora de veículos elétricos e fabricante de baterias vinha, até então, desafiando os tantos pessimistas que sempre duvidaram de seu modelo de negócios. No final de agosto, o valor de mercado da companhia era de incríveis US$ 430 bilhões, valendo mais que todas as outras montadoras no mundo – somadas.

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Porém, apesar de algumas ações serem candidatas a verem a “bolha de preços estourar”, para o setor de tecnologia como um todo é difícil justificar que já há uma bolha, avalia Betina.

Isso porque o setor está despontando em uma série de indústrias no mundo (mídia, financeiro, varejo, transportes, dentre outros). Além disso, foi o maior vencedor no “mundo pós-pandemia”, com a aceleração significativa das tendências de tecnologia e digitalização.

“Por isso, as tech viraram ‘superstars’ e têm crescido rapidamente. Os resultados do 2º trimestre, durante a pandemia, comprovaram isso, dado que as empresas de tecnologia foram as que mais surpreenderam
positivamente”, afirma. Ou seja, há fundamentos que embasam a alta de muitos dos ativos de techs.

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Conforme aponta Pedro Fagundes, analista de varejo da XP Investimentos, há quem compare o cenário atual com a bolha da internet vivida entre 1999/2000.

Contudo, avalia o analista, essa é uma comparação não se sustenta: “há 20 anos, muitas das empresas de tech eram projetos, hoje elas existem, são líderes absolutas em nível global, geram muito caixa e atuam em diversos mercados diferentes. (…) Quando se fala no setor de maneira global, ele negocia com prêmio, mas um prêmio justificado, o que leva a crer que houve uma correção mais técnica do que uma mudança estrutural”.

Mas há um porém, segundo ressalta Betina: “se essa alta meteórica de preços das ações do setor no mundo continuar a se espalhar além de apenas alguns nomes específicos e se tornar uma tendência mais ampla de preços,  desvinculando completamente dos fundamentos, com os investidores comprando apenas na euforia e na aposta, então poderemos viver uma nova bolha de preços de ativos no mundo”.

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Também em um tom cauteloso, Ron William, estrategista da RW Advisory, destacou que há risco de que um momento “Minsky” esteja ocorrendo. Ele se refere a um movimento no mercado de ações que leva o nome do economista Hyman Minsky e que indica uma queda súbita das ações após uma alta insustentável.

Isso ocorre, na visão de William, pela injeção monetária sem precedentes feita pelo Federal Reserve, segundo destacou o especialista para a CNBC.

O momento Minsky citado por William pode levar os ativos caírem de “20% a 30% ou mais”, disse ele, fazendo com que o mercado volte a testar a forte queda experimentada pelos mercados em março. O S&P foi a 2.237,4 em 23 de março e, na última quarta-feira, fechou em 3.580,84 – uma valorização de 60%.

Combinado com o valuation esticado, o mercado sazonalmente mais fraco entre o período entre o final de agosto e início de setembro e levando em conta o próximo ciclo eleitoral, William aponta que o mercado pode estar procurando “bolsões de correção”. E isso, na avaliação do estrategista, pode ser saudável a longo prazo, trazendo um “período de reparo de vários anos antes que o mercado do “touro” [altista] de longo prazo reapareça novamente”.

Na mesma linha de enxergar uma correção saudável do mercado, está Scott Knapp, estrategista-chefe de mercado do CUNA Mutual Group. “Tivemos disparadas excessivas nos mercados ultimamente – particularmente no setor de tecnologia – e isso precisava ser corrigido até certo ponto”, disse à CNBC.

Knapp ainda complementa: “não é preciso olhar além do recente aumento irracional nos preços das ações da Tesla e da Apple depois que ambas as empresas anunciaram um desdobramento de ações, especialmente entre os investidores de varejo”, afirmou. Tesla e Apple desdobraram recentemente as suas ações em meio à forte disparada de seus papéis.

Em relatório, Guilherme Giserman, estrategista internacional da XP Investimentos, destaca que a realização das ações é compreensível, uma vez que o Nasdaq chegou aos 12 mil pontos, 23% acima de sua máxima histórica.

“Somado a isso, investidores de varejo aumentaram sua presença de 10% para 25% no volume do mercado, dando preferência para grandes nomes de tech”, explica ele ressaltando ainda que o índice de medo/ganância já registrava 72 pontos (extrema ganância) e o volume anormal de opções de compra gerava pressão altista nas ações.

Enquanto isso, empresas que viram as suas ações caírem forte no ano, como é o caso de aéreas e de companhias ligadas ao setor de viagens, conseguem sustentar ganhos no mercado americano dos últimos dois pregões, caso da operadora de cruzeiros Carnival e da aérea United Airlines.

“Vemos finalmente ver rotações que podem levar a uma nova liderança de mercado”, disse Peter Cardillo, economista-chefe de mercado da Spartan Capital Securities. “Isso é algo que nos falta há muito tempo.”

Impacto na Bolsa brasileira

Um movimento similar aconteceu no Brasil uma vez que, desde a sessão da véspera, ações das empresas que mais acumularam ganhos no ano, justamente as de e-commerce, registraram forte queda (ainda que amenizando as perdas no fim do pregão), enquanto  empresas que viram seus papéis caírem significativamente no período subiram, mostrando um movimento de rotação de carteiras de fundos.

Magazine Luiza (MGLU3), Via Varejo (VVAR3), B2W (BTOW3), Lojas Americanas (LAME4), além de companhias como a Totvs (TOTS3) e a exportadora Marfrig (MRFG3) vêm registrando perdas expressivas nos últimos dois pregões (até a tarde desta sexta), entre 5% e 8%.  Até a última quarta-feira, essas companhias tiveram ganhos de 96%, 84%, 77% e 25%, respectivamente, enquanto Totvs e Klabin avançaram cerca de 38% e Marfrig subiu 75% no acumulado de 2020 – no mesmo período, o Ibovespa caiu 11,88%.

Entre as maiores altas desde a sessão da véspera, a Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4) avançaram 6%, enquanto bancos variaram entre uma alta de 6%, caso do Santander Brasil (SANB11), e de 2%, caso do Banco do Brasil (BBAS3). Vale destacar que, no acumulado do ano até o fechamento da última quarta-feira, as ações de bancos caíam entre 34% (Itaú) e 42% (Santander), enquanto Azul registrava baixa de 60% de seus ativos e a Gol tem queda de 48%.

Algumas recomendações também reforçaram o cenário de recuperação para as ações dessas companhias, caso das aéreas com a Gol e a Azul tendo seus ADRs (American Depositary Receipts) elevados para outperform (desempenho acima da média do mercado) pela Raymond James, que citou a tendência de recuperação da demanda doméstica após um período de grande baixa das operações por conta do coronavírus.

Ainda nesta semana, o Bank of America elevou a recomendação para o setor financeiro para market weight (exposição em linha com a média do mercado) por conta da melhora dos dados  macroeconômicos no Brasil e valuation atrativo. “Vemos o setor como suficientemente negligenciado”, destacou David Beker, estrategista do BofA, em nota.

Contudo, também apontou continuar gostando de companhias de e-commerce. Ainda que ponderando o valuation esticado, Beker avalia que elas se beneficiam de mudanças estruturais aceleradas e consolidação de mercado durante bloqueios. As exportadores de proteínas também são vistas com bons olhos, uma vez que a demanda global ainda apresenta tendências sólidas.

Vale destacar que, nesses dias de queda, o Ibovespa conseguiu relativa resiliência frente as bolsas americanas: enquanto o S&P500 caiu cerca de 2,3%, o Dow Jones teve baixa de 1,82% e o Nasdaq teve uma queda de 3,27% na semana, o benchmark da Bolsa brasileira subiu mais de 1% no mesmo período em dólares, em meio à queda da divisa americana na semana.

É bom lembrar que o índice brasileiro, contudo, registra um dos piores desempenhos do ano em dólar (baixa de 34%), enquanto o Nasdaq sobe mais de 20%, o S&P500 sobe 5% e o Dow Jones cai cerca de 2%. Ou seja, a rigor, há menos espaço para o Ibovespa cair. Além disso, após semanas descolado do exterior monitorando o risco político, houve maior otimismo nos últimos dias com o envio da reforma administrativa ao Congresso. Assim, o cenário doméstico, que vinha trazendo até então impacto negativo para o desempenho dos ativos, desta vez ajudou.

De qualquer forma, conforme destacou à Bloomberg Carlos Menezes, gestor de portfólio da Gauss Capital, o “mercado está com receio desse movimento do S&P, de gerar uma aversão ao risco maior”. Caso o cenário de piora se prolongue, os ativos brasileiros seguirão sentindo o impacto.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.