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* Por Helena Masullo
O investimento sustentável baseia-se na integração dos fatores “ESG”, acrônico de Environmental, Social and Governance (em português: ambiental, social e governança), na seleção e tomada de decisão de investimentos. Tudo começou quando alguns investidores começaram a refletir sobre a coerência entre seus investimentos financeiros e seus valores pessoais. Afinal, quem gostaria de ser sócio de uma empresa envolvida em escândalos de corrupção, trabalho análogo ao escravo ou desmatamento ilegal?
Esse tipo de investimento surgiu a partir de uma abordagem de “seleção negativa” (ou negative screening), a partir da qual investidores excluem determinadas companhias ou setores de seus portfólios de investimentos por não estarem de acordo com seus valores individuais. Os setores mais impactados por essa visão foram petróleo e gás, tabaco, álcool, mineração, armamentos e jogos de azar.
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Porém, a seleção negativa tem algumas limitações. Primeiro, você pode excluir determinada companhia ou setor de seu portfólio, no entanto, diversos investidores podem continuar investindo neles.
Segundo, essas indústrias não desaparecerão de um dia para o outro, de modo que, ao invés de simplesmente não investir nelas, poderia ser mais efetivo pressionar seus executivos e conselheiros a integrar a pauta ESG em suas estratégias. Terceiro, essa visão limita-se a mitigar riscos relacionados a fatores sociais, ambientais e de governança, mas desconsidera a geração de valor.
O investimento sustentável evoluiu, passando a tratar não só de mitigar riscos, mas também de identificar oportunidades. A abordagem best in class consiste na seleção ativa das melhores companhias com boas práticas ESG em determinado setor, pois considera que elas apresentarão retornos superiores no longo prazo.
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Apesar de gerar valor, essa abordagem reduz o universo de investimentos possíveis, excluindo, por exemplo, companhias em fase de transição. Entretanto, investir em companhias no início do processo de adequação de suas políticas e práticas a fatores ESG, estratégia conhecida no mercado como ESG momentum, pode ser um ótimo negócio(1). Por exemplo, companhias que estão começando a investir em eficiência energética provavelmente terão custos mais baixos de energia no futuro, o que poderá impactar positivamente seus resultados financeiros.
Nesse contexto, a abordagem “integração ESG” ganhou muito espaço. Ela consiste em utilizar fatores ambientais, sociais e de governança na análise e tomada de decisão de investimentos, independentemente da estratégia e/ou classe de ativos. Assim, pode ser aplicada a qualquer tipo de investimento, adicionando uma nova variável à tradicional análise de risco e retorno. O objetivo dessa integração é melhorar os retornos ajustados ao risco dos investimentos no médio e longo prazo.
Por fim, vale destacar a abordagem “ativismo acionário”, que consiste em usar o poder do voto e engajamento dos acionistas em prol da sustentabilidade empresarial. O investidor ativista se envolve diretamente no progresso das empresas no que tange aos riscos e oportunidades ESG. De modo geral, essa estratégia é empregada por credores e investidores que possuem uma participação relevante na companhia e, portanto, têm mais poder de influenciar sua gestão.
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Estima-se que o investimento sustentável já represente 30 trilhões de dólares no mundo. Na última edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos, CEOs de grandes empresas promoveram o “capitalismo de stakeholders”, que leva em consideração os interesses de colaboradores, fornecedores, distribuidores, consumidores e clientes, bem como interesses da comunidade e do meio-ambiente, na condução dos negócios da companhia.
Recentemente, CEOs de empresas que atuam no Brasil enviaram um manifesto ao governo federal, demonstrando sua preocupação com o impacto potencial sobre os negócios do olhar negativo do mundo para o Brasil no que tange às questões socioambientais na Amazônia.
A pergunta que não quer calar é: empregar fatores ESG no processo de investimento leva a melhores resultados financeiros? Estudo que compilou o resultado de mais de 2.000 pesquisas sobre o desempenho financeiro de investimentos sustentáveis indica resultados melhores frente a investimentos tradicionais(2).
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Pesquisas recentes também atestam que, se utilizados a partir de uma ótica de materialidade financeira, os fatores ESG podem aumentar o retorno dos acionistas, enquanto investir em questões imateriais de sustentabilidade tem, quando muito, impacto praticamente nulo sobre os retornos(3) . Sob a ótica do risco, o investimento sustentável parece promissor.
Segundo a pesquisa feita em parceria pelo Morgan Stanley e a Morningstar, os fundos sustentáveis apresentaram downside deviation(4) 20% menor, além de um índice de sharpe(5) maior, em relação a fundos tradicionais e, portanto, um risco menor(6).
Apesar desses estudos indicarem que investimentos sustentáveis geram valor, não há dados suficientes para uma conclusão inequívoca. De qualquer modo, é possível argumentar que os fatores ESG funcionam como um grande filtro de qualidade, possibilitando melhor gestão de risco e retornos mais saudáveis no médio a longo prazo, independentemente de serem ou não superiores no curto prazo.
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O indicativo de que o investimento sustentável apresenta uma melhor relação risco x retorno comprova que ter um olhar estratégico para os stakeholders e o meio ambiente não se transforma em custo para o acionista, mas sim em oportunidade para gerar valor de forma mais consistente, evitando flutuações e risco de cauda(7).
Nesse sentido, o “capitalismo de stakeholders” não é antagônico ao “capitalismo de shareholders”, mas sim uma evolução. Afinal, companhias que levam em consideração fatores ESG de forma estratégia, a partir de uma lógica de materialidade financeira, podem ser positivamente impactadas nos seguintes fatores: atração, retenção e engajamento de talentos, fidelização de consumidores, valorização dos bens intangíveis da companhia (ex. marca), qualidade de produtos e serviços, menor custo de capital, inovação tecnológica e gestão preparada para desafios globais de longo prazo.
A Microsoft, uma das maiores empresas norte-americanas em valor de mercado, não só tem apresentado um desempenho positivo em termos financeiros, mas também em relação à implementação de políticas ESG(8).
A companhia assumiu a meta de se tornar neutra em carbono até 2030 e de compensar suas emissões históricas até 2050. Também, desenha seus dispositivos com base em design eco-friendly, uso de materiais reciclados, recicláveis e renováveis e eficiência energética. Em relação à inclusão digital, atua globalmente em parceria com organizações sem fins lucrativos, governos, educadores e empresas para garantir que jovens de populações desassistidas tenham acesso a treinamento em habilidades digitais e educação em ciências da computação. Privacidade de dados foi endereçada por meio da criação de uma diretoria específica e formação de um grupo interno que analisa questões éticas em torno da inteligência artificial.
As práticas ESG da Microsoft endereçam riscos que poderiam impactar os resultados da companhia, como regulações obrigando a compensação da pegada de carbono por parte de empresa. Além disso, geram valor ao engajar seu mercado consumidor atual e futuro e posicioná-la na vanguarda ao endereçar temas de interesse global. Em razão dessas práticas, a empresa conquistou um lugar na lista “50 Melhores Empresas ESG” do Investor’s Business Daily em 2019(9).
Estamos surfando numa onda de digitalização e globalização das relações. Somos diariamente bombardeados com notícias preocupantes sobre o futuro do nosso planeta. Enfrentamos uma pandemia. Nesse ambiente, indivíduos têm cada vez mais poder para pressionar e regular privadamente empresas e governos, de modo que adequam suas práticas em prol daquilo que acreditam, assumindo um papel multifacetado de acionista, consumidor, colaborador e cidadão, conscientizando as empresas a assumirem as externalidades negativas de seu negócio e compensarem os custos públicos gerados na condução de suas atividades.
Por essas razões, acredito que o investimento sustentável é, por natureza, liberal. Como diria F. A. Hayek: “Liberdade significa não somente que o indivíduo tenha tanto a oportunidade quanto o fardo da escolha; significa também que ele deve arcar com as consequências de suas ações. Liberdade e responsabilidade são inseparáveis(10).”
(1)NN Investment Partners and ECCE report. The materiality of ESG factors for equity investment decisions: academic evidence, 2016.(2)Deutsche Bank’s Asset and Wealth Management division em parceria com a University of Hamburg ESG and Corporate Financial Performance: Mapping the global landscape.(2015).
(3)Khan et al. Corporate Sustainability: First Evidence on Materiality, 2015).
(4)O downside deviation é um valor que representa a perda potencial que pode surgir do risco medido contra um retorno mínimo aceitável, isolando a parte negativa da volatilidade. É, portanto, semelhante ao desvio padrão, mas considera apenas retornos que caem abaixo do retorno mínimo aceitável.
(5)O Índice de Sharpe é um indicador que permite avaliar a relação entre o retorno e o risco de um investimento.
(6)Morgan Stanley & Morningstar. Sustainable Reality: Analyzing Risk and Returns of Sustainable Funds, 2019.
(7)Risco de cauda refere-se à probabilidade de ocorrência de eventos raros. Tais eventos podem ser positivos ou negativos e são quase impossíveis de prever ou quantificar.
(8)Informações disponíveis no site eletrônico oficial da Microsoft.
(9)Investor’s Business Daily. 50 Best ESG Companies: A List of Today’s Top Stocks For Environmental, Social And Governance Values, 2019.
(10)HAYEK, Friedrich August Von. Op. cit., p. 76.
*Helena Masullo é associada do IFL-SP e sócia da Wright Capital Wealth Management, atuando nas áreas de planejamento patrimonial & sucessório, investimentos de impacto & ESG e jurídico & compliance. É advogada formada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Possui a Certificação CFP® (Certified Financial Planner). Já atuou como voluntária em diversas instituições e projetos filantrópicos.