Colunista convidado: Rodrigo Terni, fundador da Giant Steps, uma gestora “quantitativa” (mas se o futuro for como Terni diz no texto, ela será em breve apenas “gestora”)
O trabalho de um gestor de fundos é muito similar ao trabalho de extrair ouro da natureza. Primeiro é preciso encontrar as “pepitas” no mercado, que são as oportunidades de gerar retornos, e depois capturá-las.
Acontece que o processo de extração de ouro mudou radicalmente nos últimos 500 anos. Se no passado, o garimpo era feito com peneiras e outras ferramentas rudimentares, hoje são utilizados softwares de mapeamento geológico, dragas extratoras sofisticadas e complexos processos químicos.
O objetivo não mudou: continua sendo encontrar ouro na natureza. O processo, porém, evoluiu radicalmente. E a mesma coisa aconteceu no mercado financeiro.
Alguns anos atrás, um gestor que estivesse minimamente bem informado conseguia digerir as informações disponíveis e encontrar as pepitas de ouro no mercado. No Brasil, a NTN-B (hoje chamada de Tesouro IPCA) é talvez o exemplo da nossa pepita mais famosa, amplamente explorada pela maioria dos fundos multimercados. Mas o tempo passou, o mercado financeiro evoluiu e a realidade é que as pepitas estão em lugares bem menos óbvios que antes.
A principal mudança experimentada pelo mercado foi a explosão de dados. O volume de informações disponível para um ativo é infinitamente maior que no passado, tornando o processo de sintetização de informação extremamente desafiador para o cérebro humano (para não dizer impossível). Equivale a continuar usando uma peneira para garimpar ouro nos dias de hoje.
Presenciamos duas soluções possíveis para essa situação: i) ignorar grande parte das informações, de forma que o cérebro interprete apenas parte dos dados disponíveis; ii) reconhecer nossas limitações humanas e empregar maciçamente tecnologia para auxiliar neste processo de “garimpo”.
No Brasil, a primeira forma ainda é predominante. Mas em mercados desenvolvidos, quem não migrou para o segundo modelo já está extinto.
Para quem já nos viu aqui no Stock Pickers, sabe que a Giant Steps optou pela segunda opção. Desde o início da nossa empresa, era evidente que a indústria passaria por uma enorme disrupção e que todas as gestoras seriam obrigadas a se reinventar. Porém, percebemos ao longo de nossa trajetória uma enorme resistência à mudança de alguns players, fortalecida por dogmas que foram criados (se você souber como, fale para nós!) e que hoje lutamos para quebrar.
São eles:
Quants e não quants
Ao longo da última década, percebemos uma obsessão por quebrar a classe de multimercados em caixinhas. Inicialmente, existiam apenas fundos como o Verde, um fundo “macro raiz”.
Depois, surgiram os long & short, que claramente eram diferentes dos macros pois não tinham correlação com eles, mas eram correlacionados entre si. A confusão começa quando surgem os equity hedges: eles parecem mais com macro ou com long & short?
Eventualmente surgem os ditos quantitativos (ou “quants”, para os íntimos), que claramente eram diferentes e mereciam uma nova caixa. Onde estamos hoje então? Peguei algumas divisões de fundos multimercados para descobrirmos a nossa caixinha: macro direcional, macro trading, retorno absoluto, long & short, equity hedge, multiestratégia, quants, sistemáticos….
Parece um trabalho impossível classificar em todas as caixas existentes, mas, por sorte, você não precisa fazer isso, pois não faz sentido.
Vamos entender o motivo de existir uma caixa multimercado primeiro.
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Eles não são renda fixa, mas também não têm o mesmo risco de ações, então, por que investir neles?
A razão de sua existência no passado, era incluir no seu portfólio fundos que não tinham relação com os mercados tradicionais e teriam bons retornos independentemente do cenário. O grande motivo deles existirem era consistência.
Alguns dos melhores fundos do mundo são multimercados e coloco dois para vocês terem como exemplos: Magellan e Medallion. Ambos de extremo sucesso, porém com técnicas totalmente diferentes. Um é focado em economia e outro focado em matemática. Ambos usando tecnologia.
Chego então à minha conclusão: ignore a classificação e vá pela qualidade do fundo e a sua contribuição na sua carteira. O que define se um fundo é descorrelacionado ou não é o comportamento do seu retorno, e não a legenda que você dá para ele.
Se você tem um fundo long and short com correlação altíssima com um fundo macro, por mais que você o tenha separado por legenda, não agregou diversificação de nenhuma forma para sua carteira. Idealmente, o que você quer para sua porção de fundos multimercados são excelentes fundos que usam técnicas diferentes entre si, e isso deve aparecer na correlação entre eles, e não na legenda dada.
Ahhh, mas fundo quantitativo é arriscado!
Como você mede risco? Se você conhece algo de mercado financeiro, então deve usar volatilidade, drawdown, VaR, stress e outras medidas como essa. Usar uma classificação arbitrária como medida de risco é como dizer que um time de futebol não pode ser considerado para um campeonato pois ele veste camisas azuis em vez de verdes. O que interessa é o jogo e, nas regras dele, a cor da camisa é pura estética, assim como o nome quantitativo.
É sempre bom ter um pouquinho de quantitativos na carteira para dar uma descorrelacionada.
Se você leu o primeiro item, já ficou claro para você que qualquer ativo que você compra deveria contribuir para sua carteira em termos de retorno e diversificação, independentemente do nome atribuído a ele. A diversificação é o único almoço grátis do mercado financeiro, mas ter uma carteira verdadeiramente diversificada não é tarefa fácil.
Você deve medir a correlação de um novo ativo que pretende investir e comparar com o restante da sua carteira. Se for baixa, ótimo, vai agregar muito desde que adicione uma exposição que faça sentido de acordo com o risco desejado para sua carteira.
Se a correlação for alta, cheque o retorno desse ativo; se ele for maior que a maioria dos seus ativos, você achou um excelente substituto para um deles.
O seu objetivo como investidor é ter os melhores e mais diferentes entre si. Uma carteira de fundos diferentes, que não rendem, não adianta nada e o pouquinho que rendem só ajuda você emocionalmente, pois não vai mudar nada para sua carteira no longo prazo.
Uma carteira de fundos excelentes que se comportam exatamente igual também apresenta um risco enorme no caso de passarem por uma crise que atinja essa estratégia especificamente em cheio.
Agora estou convencido, a indústria de fundos quantitativos vai crescer muito no Brasil.
O correto aqui seria dizer que a indústria de fundos está passando por um processo profundo de transformação e esse processo só tende a acelerar. Essa transformação deixará todos os fundos com a cara de quantitativos, pois todos precisarão usar tecnologia em suas estratégias. A discussão no futuro será: qual a gestora melhor preparada para usar essas ferramentas de forma inteligente e conseguir manter a consistência dos seus resultados?
No futuro, carros autônomos não serão chamados de carros autônomos, apenas de carros, pois todos serão autônomos. Da mesma forma, não existirão fundos quantitativos, apenas fundos. O ponto positivo disso tudo é que quem tem mais a ganhar é o investidor, pois os fundos estarão cada vez melhores ao aplicarem tecnologia em seu processo.