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No primeiro desta série de dois artigos, expliquei por que o país precisa começar a debater a necessidade de redefinir a regra do teto de gastos, já que o tema será posto na agenda em função das circunstâncias.
A tabela abaixo é útil para ajudar a entender os limites que iremos enfrentar.
Ela apresenta os dados de 2019 – acrescidos de uma inflação média de 3% e expurgados da transferência da arrecadação da cessão onerosa para a Petrobras – e os compara com uma estimativa do que se pode esperar para 2020 (com uma enorme despesa “extrateto” para combater a pandemia do coronavírus) e para os próximos dois anos, tudo apresentado a preços de 2020 para facilitar as comparações.
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Os dados da despesa para 2021/2022 são os da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) recentemente enviada ao Congresso, enquanto os da receita de 2021 e 2022 incorporam o mesmo percentual de carga tributária em proporção do PIB que na tabela da LDO, mas ajustados a uma trajetória mais realista do PIB, supondo uma queda real de 6% este ano, com crescimento de 4% e de 2,5% em 2021 e 2022, respectivamente.
A tabela permite chegar a três conclusões importantes:
– Com esses números, estaríamos falando provavelmente de um déficit público para 2021 e 2022 da ordem de 7% do PIB, número que deve continuar a pressionar a dívida pública rumo a um patamar bastante perigoso, aproximando-se rapidamente de 100 % do PIB;
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– Deixando de lado a despesa de 2020 – fortemente afetada pelos efeitos da crise da Covid-19 –, as despesas discricionárias cairiam mais de 40% entre 2019 e 2022, algo cujo rigor salta aos olhos; e
– O déficit aumentaria enormemente em relação a 2019, pelo fato de que a crise terá feito evaporar algo em torno de R$ 130 bilhões/ano de receita, na média de 2021/2022, em relação à existente antes da crise.
Pouco importa o que as autoridades ou os candidatos a futuras autoridades digam em 2022.
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Olhando para a década de 2020, é preciso que o país se prepare para discutir de forma madura a inevitabilidade de duas coisas: a mudança da regra do teto até 2023 e um aumento futuro da carga tributária, em relação aos níveis que cabe esperar em 2021, depois da pandemia, à luz do nível extremamente deprimido da receita com o qual sairemos da crise.
Aos que se opõem a qualquer aumento de impostos e alegam que “a sociedade não aguenta pagar mais impostos”, informo que em 2021 deveremos ter uma receita tributária mais de 2% do PIB inferior à de dez anos antes, em 2011.
Adicionalmente, caberia indagar como a sociedade aguentaria uma dívida pública que crescesse indefinidamente como proporção do PIB.
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Por outro lado, a quem se opõe a qualquer ideia de restrição fiscal e questiona a agenda de reformas de 2019, alegando que elas não nos levaram a lugar algum, cabe lembrar que o que se dizia em defesa da política econômica da época é que era necessário ter uma articulação política que permitisse aprovar a reforma administrativa e a PEC emergencial.
Em contraste a isso, o que vimos foi a ponte entre o Executivo e o Congresso ser dinamitada, a reforma administrativa ficar presa nas gavetas oficiais e a PEC emergencial ir para o espaço.
Curiosamente, com inflação de 3% ao ano, estamos recriando a situação que o país viveu nos tempos da inflação de 3% por dia útil.
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Como todos sabem que a situação fiscal é insustentável, mas a “porta de saída” não está clara, a solução é encurtar os prazos, assim como nos anos 1980 o país estava viciado no overnight. Essas situações nunca acabam bem.
A tese predominante entre os que defendem o governo com espírito bélico, no ambiente de polarização das mídias sociais, é a de que estaríamos no meio de uma “guerra” e que precisaríamos derrotar “a política tradicional”, “o Congresso” ou seja lá quem seja o escolhido como inimigo da semana nesse estado de desvario coletivo que se apossou do Brasil nos últimos tempos.
Na verdade, o país precisa exatamente do oposto.
Em outras palavras, o progresso requer uma condução equilibrada que, com objetivos estratégicos claros, permita traçar uma rota e aglutinar forças políticas diversas em favor de uma agenda comum de transformação do país, tendo como base uma economia estabilizada e com trajetória fiscal sustentável.
Deveríamos praticar o diálogo e cultivar pactos. Mas o que temos visto é uma sucessão infindável de conflitos – quase todos desnecessários.
Precisávamos dizer “adiós a las armas”. Mas, em vez disso, mergulhamos de cabeça na Guerra Fria.
Assim, sinto concluir: desse jeito, não há a menor possibilidade da agenda de reformas e do país darem certo.
Nesse contexto, mesmo depois da pandemia, com um déficit público enorme, uma dívida explosiva e a taxa de investimento no piso histórico, nos aguarda a travessia do deserto.
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