SÃO PAULO – Todo investidor pode emprestar dinheiro ao governo em troca de uma remuneração no futuro. Trata-se do investimento com menor chance de calote no mercado brasileiro. Quem decide, em vez disso, fazer um empréstimo a um agente privado, pede, portanto, um retorno maior que compense o risco adicional corrido.
Um dos principais caminhos para quem deseja buscar essa rentabilidade extra se dá pelo investimento em debêntures. Acontece que, assim como nos títulos públicos (com exceção do Tesouro Selic), o valor desses papéis de crédito privado oscila durante a “jornada” até o vencimento, isto é, há riscos no percurso.
E ainda que o investidor não tenha a intenção de resgatar uma aplicação antes do prazo final, é fundamental entender quanto receberia pelos ativos se desejasse vendê-los hoje, lembrando que, se os juros pagos sobem, o valor cai, e vice-versa. A esse processo se dá o nome de marcação a mercado.
O período recente foi marcado por altos e baixos no valor das debêntures. Em novembro, o Índice de Debêntures atreladas aos juros DI (IDA-DI) fechou com baixa de 0,07%, primeiro resultado negativo desde sua criação em 2009. Em dezembro, contudo, o índice voltou para o terreno positivo, marcando alta de 0,43%.
O IDA-DI é calculado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Antes disso, o índice de debêntures Idex, calculado pela gestora JGP, já havia acusado o movimento. Com foco nos papéis com mais liquidez do mercado, o índice marcou uma queda de 0,18% em outubro, a mesma baixa de novembro. Com um histórico de 27 meses, esses foram os primeiros desempenhos negativos.
Como a maior parte das emissões de debêntures só pode ser acessada por investidores institucionais, os fundos dedicados a crédito corporativo são um veículo popular no país, especialmente por conta da isenção tributária a pessoas físicas (no caso de fundos de debêntures de infraestrutura) e também por conta do cenário de taxas de juros nas mínimas históricas.
Levantamento realizado pelo InfoMoney com base em dados da Economatica revela que há 70 desses fundos acessíveis ao segmento de varejo no país, com no mínimo mil cotistas e com a maior posição do patrimônio em debêntures no mês de novembro.
O recuo das debêntures atingiu em cheio as cotas em novembro: 26 fundos tiveram perdas naquele mês. Em dezembro, o cenário foi revertido e apenas um fundo fechou o mês no vermelho. No acumulado de 2019, 39 fundos tiveram retornos abaixo do CDI. O retorno médio dos fundos levantados corresponde a 6,20% em 2019, pouco acima do CDI (5,9%).
Detentor do melhor desempenho do grupo, o fundo de debêntures incentivadas da CA Indosuez teve ganho de 14,3% no ano e foi responsável pelo maior aumento do número de cotistas: passou de menos de 7 mil do início do ano para 45 mil.
Esse é o único fundo que bateu no ano o índice IMA-B5, referência para o setor entre as estratégias que não usam derivativos para se indexar ao CDI. O IMA-B5 é composto por títulos públicos atrelados à inflação e com vencimento mais curto.
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Entenda o vaivém das debêntures
A queda da taxa básica de juros da economia, a Selic, vem gerando uma migração de recursos em direção a ativos de mais risco, inclusive na renda fixa. A maior procura por fundos de crédito privado nesse contexto aumentou a demanda pelas debêntures, o que levou a uma redução gradual dos prêmios pagos.
Esse movimento aconteceu até meados de 2019, quando se reverteu em um chamado “ajuste técnico”: a demanda diminuiu, exigindo um preço melhor do lado da oferta.
Quando a remuneração das debêntures vinha caindo, as cotas dos fundos, inversamente, valorizavam, por conta da marcação a mercado. A partir do momento em que o movimento foi alternado, em agosto, a rentabilidade começou a recuar e, com isso, vieram os resultados negativos.
“O spread [taxa paga acima do CDI] foi diminuindo e atingindo mínimas, parecia ter ficar esticado demais, a ponto de algumas empresas que tradicionalmente faziam captações no exterior mudarem para dívida local, nitidamente influenciadas por um spread de crédito no Brasil mais amassado do que o preço justo”, assinala Fábio Oliveira, gestor de renda fixa do braço de investimentos do BNP Paribas.
Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), até outubro, 44% das captações do mercado de capitais em 2019 no Brasil partiram de debêntures, um valor de R$ 138,5 bilhões distribuído em 246 operações, das quais apenas sete não foram restritas a investidores institucionais. O grande volume de emissões dá sequência aos anos de 2017 e 2018, quando foram lançados, respectivamente, R$ 96,6 bilhões e R$ 153,7 bilhões em debêntures.
Somente em maio, mês que teve o maior volume de ofertas, foram colocados R$ 33,2 bilhões em debêntures. O refinanciamento dos passivos representava a maior destinação dos recursos das emissões, com 42,1% (incluindo nessa parcela a recompra ou o resgate de debêntures de emissão anterior).
Risco minimizado
Paulo Bokel, diretor de crédito privado da gestora ARX, defende que essa oscilação faz parte da classe de ativos, mas que os riscos foram ofuscados pela série de bons retornos no primeiro semestre.
“Muita gente não sabe o que compra, acha que só vai ganhar. A primeira coisa é o conhecer o conceito de marcação a mercado; quando os fundos deram 125% do CDI por conta de uma reprecificação, ninguém perguntou o que estava acontecendo”, afirma.
Para Bokel, o momento difícil pode servir para que os investidores entendam melhor o funcionamento desse mercado. “É muito improvável repetirmos o ganho que tivemos com debêntures incentivadas, porque veio em grande parte da queda de juros. Então não dá para entrar em um fundo olhando somente rentabilidade passada”, diz.
Os baixos prêmios pagos no início do ano levaram os gestores da Icatu Vanguarda a colocarem o pé no freio em crédito privado. Agora, a casa já enxerga taxas mais alinhadas com o risco do segmento.
O fundo Icatu Vanguarda Inflação Crédito Privado saiu de 2018 com 85% do patrimônio investido em crédito e foi reduzindo a exposição ao longo de 2019 até 50% no meio do ano, conta Alan Corrêa, gestor de portfólio do fundo.
“Ainda não temos todas as informações na mesa para dizer que do nível [de spread] que está, não passa, mas vemos uma acomodação do mercado. Pode ser até que os spreads abram mais, mas no nível atual, vemos muitos ativos de alta qualidade de crédito negociando perto de CDI mais 1,5 ponto percentual, que já faz todo o sentido para o médio prazo”, avalia Corrêa.
Diversificação via debêntures segue relevante
Embora as perdas tenham levado alguns investidores a resgatar seu dinheiro desses fundos, a alocação em debêntures ou em fundos com esses papéis segue importante para diversificar as fontes de retorno, explica Leticia Camargo, planejadora financeira com certificação CFP. O problema, na avaliação dela, é que alguns se posicionaram de maneira exagerada nessa classe.
“Muitos fundos de crédito privado estavam subindo tranquilamente acima do CDI, e as pessoas acharam que renda fixa era tudo igual, que era conservador, só que ganhando mais. Mas não tinham percebido o risco por trás disso, tanto de crédito quanto de mercado”, diz Leticia. “Quem tomou susto provavelmente arriscou mais do que devia. Talvez seja um momento para reajuste da carteira ao risco que se aguenta. Faz sentido ter risco de crédito, mas talvez as pessoas tenham exagerado no tamanho.”
Para quem tem fôlego para aguentar as oscilações, a planejadora recomenda ajustar o horizonte de investimento ao tipo do produto. “Uma reserva de emergência, por exemplo, não pode estar em um fundo de crédito, porque você pode precisar utilizar esse dinheiro a qualquer momento e, se o fundo cair, você vai precisar realizar um prejuízo. Tem que pensar que aquele não é o dinheiro do curto prazo e, em um ajuste de taxas como esse, esperar um pouco para recuperar”, afirma.
Ela acrescenta que o ideal é ter uma carteira com vários títulos, o que pode ser restritivo para investidores com um volume de capital pequeno. “Quando você investe em um fundo, já está em algo diversificado, é uma vantagem.”
Empresas saudáveis
O risco de mercado machucou os investidores de debêntures, mas outro risco relevante do produto, o de crédito, não preocupa os gestores, ainda que o caso da Rodovias do Tiête tenha deixado alguns desconfiados. A debênture teve seu preço marcado a zero por diversos fundos por conta do vencimento antecipado da dívida da concessionária, que entrou em recuperação judicial.
“O investidor de crédito tem que temer o calote, a marcação a mercado é transitória. Em 2013 e 2014, houve casos efetivamente problemáticos de crédito, que contaminaram o resto. Mas hoje as empesas estão saudáveis”, diz Fábio Oliveira, do BNP Paribas.
Aneliza Crnugejl, analista da Moody’s para a área de infraestrutura, afirma que a dificuldade da Rodovias do Tiête em pagar quem investiu em suas debêntures não se repete em outras empresas, ainda que do mesmo setor.
“Vemos o caso da Tietê como algo mais isolado. Esse episódio não deve complicar o mercado, pelo contrário. As debêntures de infraestrutura têm crescido cada vez mais, dada a necessidade de investimentos no país, que atualmente está muito aquém do que seria o adequado para ter um crescimento saudável. No passado, o setor sempre cresceu principalmente por meio de financiamento público, com até 80% do mercado, o que é inviável hoje pela situação fiscal do país”, afirma.
Isso não quer dizer que os investidores não devam acompanhar de perto a situação das empresas, diz a analista. “Quem compra uma ação está acompanhando o tempo todo se subiu ou caiu o preço. O investidor de dívida não acompanha muito, mas toda a ação de rating feita para um emissora é pública e está no site da companhia. Se eu fosse comprar um papel que está com nota ‘Caa’, por mais que estivesse pagando muito, eu consideraria que existe uma probabilidade de perda do meu dinheiro.”
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