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SÃO PAULO – O discurso otimista de várias instituições financeiras estrangeiras em relação ao mercado brasileiro tem ganhado força nos últimos tempos. Há um olhar positivo sobre as reformas em curso, a expectativa de crescimento e a volta dos investimentos, mas nem sempre esse discurso positivo tem se transformado efetivamente em um aumento da alocação no país.
Pelo menos esse é o caso da AllianceBernstein, gestora americana responsável por administrar US$ 600 bilhões em ativos, que está otimista com mercados emergentes, mas tem preferência por países asiáticos, como China (com 26% da alocação total em outubro), Taiwan (com 8,8%) e Coreia do Sul (8,5%). O Brasil aparece apenas na quinta posição do fundo de emergentes AB Emerging Markets Multi-Asset, com uma exposição próxima a 5% do patrimônio total da carteira, de US$ 1,7 bilhão.
Em entrevista ao InfoMoney, Morgan Harting, gestor responsável pelas estratégias dos fundos globais e de mercados emergentes da AB, afirmou que enxerga uma relação entre risco e retorno atrativa para emergentes no horizonte, por conta de um movimento ainda não precificado de crescimento de lucro das companhias.
Com 27 anos de experiência no mercado financeiro e com passagens pelas agências de classificação de risco Standard & Poor’s e Fitch Ratings, Harting disse que 2020 poderá ser um ano forte para o Brasil, porém indicou que o mercado começa a ficar caro em relação aos pares e que o otimismo de investidores já está em boa parte nos preços.
“Não queremos estar extremamente concentrados no país, porque há outras oportunidades ao redor do mundo e acreditamos que os preços no Brasil para ações e bonds [títulos de renda fixa] já incorporam boa parte do otimismo”, diz o gestor, que fica situado em Nova York. “Para comprar Brasil, você está pagando mais do que em outro emergente e mais caro do que o próprio histórico brasileiro.”
Ações do setor de utilities (serviços públicos), de empresas como Eletrobras e Sabesp, estão entre as apostas da gestora no Brasil, assim como as da B3. E o que faria a AB ficar mais otimista com o Brasil? Maior convicção nos lucros das companhias brasileiras.
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Confira a seguir os principais trechos da entrevista feita por telefone com Harting:
InfoMoney: Como o senhor vê o horizonte para os mercados emergentes? A relação entre risco e retorno está atrativa?
Morgan Harting: Quando eu abro o leque de oportunidades disponíveis em emergentes, vejo que o risco-retorno está atrativo e que o potencial é de upside [valorização]. Hoje, o consenso para o crescimento de lucro de mercados emergentes em 2020 é de 10%, o que é mais forte do que o desempenho esperado do S&P 500, que está perto de 6%.
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Se você somar esse crescimento de 10% com um dividend yield [retorno com dividendos] perto de 3% em ações, teria um bom retorno de 13%. O mesmo acontece com os bonds, em que vejo potencial para bons retornos, com rendimentos acima de 5%.
Em um portfólio, isso poderia representar três quartos em ações e um quarto em bonds em mercados emergentes, o que daria potencial para um retorno maior que 10% – considerando que o mundo estaria exatamente o mesmo, sem nenhuma melhora ou deterioração.
Em outras palavras, se o consenso é muito conservador e vemos um crescimento da economia e dos lucros das companhias, a tendência é vermos um aumento nos preços que as pessoas estão dispostas a pagar e, consequentemente, poderemos ver as moedas se valorizarem, assim como os rendimentos dos bonds de emergentes. Neste cenário, um portfólio alocado em ações e títulos de emergentes pode entregar um retorno de 30% em dólar.
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O potencial é de alta, mas também há um cenário de downside [baixa] caso o consenso seja muito otimista, mas acho que os valuations são razoáveis o suficiente para que o potencial de queda seja limitado.
IM: Qual é o emergente com a maior participação no portfólio?
Harting: A China, que é o segundo maior mercado de capitais do mundo, depois dos Estados Unidos. Lá, nós temos mais de 350 companhias para escolher, por isso não é surpreendente que a posição tenha um grande peso em qualquer portfólio. Não temos tanta exposição na China como um benchmark passivo de ações, mas encontramos diversas companhias chinesas que têm crescimento e valuation atrativos. É por isso que o país ocupa um espaço maior em nosso portfólio do que outros.
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IM: Qual o tamanho da alocação da AllianceBernstein no Brasil?
Harting: Depende do portfólio. No momento, temos no nosso fundo AB Emerging Markets Multi-Asset Portfolio cerca de 5% em Brasil, que se posiciona entre os dez países com maior exposição. Outros emergentes com posição relevante no fundo são China, Taiwan, Coreia, Índia, Rússia, África do Sul, Indonésia e México.
IM: Essa é a maior alocação que a AB já teve no Brasil?
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Harting: Já tivemos mais. Assim como o mercado, vemos muito potencial para o Brasil. O que é empolgante sobre o país é que, fundamentalmente, temos reformas importantes que aconteceram, como a da Previdência, e há outras que estão por vir, em termos de melhora da eficiência econômica e o papel do Estado – e isso pode ser bom para o lucro das companhias e também para a condição fiscal do governo.
O mercado está esperando elevados ganhos para as companhias brasileiras no próximo ano, de cerca de 15%, o que faria do Brasil um dos países com mais rápido crescimento no mundo, em termos de lucratividade das companhias. O movimento também seria muito acelerado para um país que está saindo de uma recessão e com um crescimento da economia esperado de quiçá 2% em 2020.
Mas nas últimas semanas as expectativas dos lucros das companhias foram reduzidas, então acho que os investidores estão cautelosamente otimistas. Eles estão dizendo que os lucros das empresas e o fluxo de caixa livre estão bons hoje – e esperamos que eles melhorem –, mas estão pagando muito por isso.
O valuation do Brasil hoje está em 13 vezes o lucro do próximo ano, enquanto outros mercados emergentes negociam a 12 vezes. Então, para comprar Brasil, você está pagando mais do que em outro emergente e mais caro do que o próprio histórico brasileiro.
A alavancagem histórica para o Brasil é de cerca de 10 vezes, então você está pagando um prêmio que não significa um mal investimento, mas indica que as coisas precisam ir bem para que se torne uma boa aplicação. E, é claro, há sempre uma certa incerteza sobre isso, então acredito que este seja um dos motivos pelos quais queremos manter uma parte mínima do nosso portfólio em Brasil.
Não queremos estar extremamente concentrados no país, porque há outras oportunidades ao redor do mundo e acreditamos que os preços no Brasil para ações e bonds já incorporam boa parte do otimismo.
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IM: Em quais ativos a AllianceBernstein investe no Brasil e o que teria que acontecer no país para que a gestora aumentasse sua posição?
Harting: No momento, estamos vendo algumas oportunidades interessantes em ações brasileiras em setores menos comuns para os investidores, como o de utilities, caso de empresas como Eletrobras e Sabesp, pois podem ter melhoras significativas em suas governanças e apresentar um elevado valuation. A privatização também pode ser um upside.
A B3 é outra companhia que acreditamos ser um bom investimento. Apesar de não ser tão barata quanto outras empresas, vemos que os investidores locais estão otimistas. Além disso, tem a questão da retomada da atividade.
Não temos tanta exposição aos bancos brasileiros como nossos concorrentes, porque eles são caros quando comparados com seus próprios históricos, e porque encontramos bancos mais baratos em outras partes do mundo.
O que faria com que ficássemos mais otimistas com o Brasil? Seria necessário ter mais convicção nos lucros das companhias brasileiras. […] Muita coisa pode dar certo se a inflação continuar baixa e, se as políticas fiscais se mantiverem prudentes, poderemos voltar a ver um fluxo de capital para o Brasil e bons retornos para os investidores. 2020 pode ser um forte ano para o país.
IM: No começo de novembro, os leilões da cessão onerosa no Brasil frustraram os investidores, dada a falta do apetite de estrangeiros. O que falta para o alocador global voltar a investir no país?
Harting: Recomeçar o crescimento no Brasil não depende de um único leilão. Acredito que é necessário que o governo continue a ter progressos em sua agenda de reformas e aumente a participação do setor privado na economia. Quando os investidores virem evidências disso, o fluxo para o Brasil poderá ser forte e poderemos ver as ações brasileiras e os bonds com um ótimo desempenho em 2020.
IM: Um dólar mais forte pode prejudicar a recuperação dos emergentes no longo prazo?
Harting: Acredito que um dólar mais forte pode até ajudar as companhias de mercados emergentes que dependem da exportação. Olhando para as empresas brasileiras, se o real se desvalorizar em relação ao dólar, o poder de compra das companhias brasileiras tende a melhorar, então os jatos da Embraer e as empresas de suco de laranja ficariam mais competitivas em relação aos aviões da Boeing e em relação às produtoras de suco no México.
Um dólar mais forte, portanto, significa que as pessoas nos EUA terão mais poder de compra do que outros países. Em teoria, não é algo ruim e, historicamente, o enfraquecimento das moedas emergentes antecipam um retorno melhor das ações no futuro.
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Nos últimos meses, alguns investidores têm preferido ficar mais posicionados na moeda americana, porque a veem como segura, mas acho que eles não devem se preocupar muito com o seu preço. Hoje, nosso portfólio tem cerca de 35% em dólar, como hedge [proteção].
IM: O Brasil nunca viu sua taxa básica de juros tão baixa. Em outubro, o Federal Reserve também cortou os juros nos EUA, e esse cenário tem sido uma tendência global. O que um mundo com juros mais baixos significa para os mercados?
Harting: Os bancos centrais cortam os juros porque veem espaço para estimular a economia sem provocar inflação. Olhando para o Brasil, a inflação é a menor histórica. Ao redor do mundo, cerca de dois terços dos mercados emergentes têm reduzido seus juros. Não víamos uma quantidade tão grande de bancos centrais emergentes cortando as taxas básicas de juros desde a crise financeira global.
Ao mesmo tempo, não estamos no meio de uma crise, então isso é interessante, porque significa que há uma série de estímulos acontecendo e isso irá reduzir o risco de uma recessão. Esse cenário é bom para a lucratividade [das empresas], para as companhias que possuem dívidas, pois pagarão menos em juros, e também para os investidores.
IM: Em um cenário internacional marcado pela guerra comercial entre China e EUA, bem como por um crescimento mais baixo das economias ao redor do mundo, há risco de uma recessão pela frente?
Harting: Uma recessão global não é o nosso cenário-base. Acreditamos que os estímulos que os bancos centrais têm promovido ao redor do mundo, especialmente nos mercados emergentes, mas também nos EUA e na China, serão suficientes para estabilizar a atividade ao redor do globo e, portanto, não entraremos em uma recessão.
IM: Quais os impactos da situação política na América Latina nos investimentos?
Harting: Ela certamente tem feito os investidores globais pensarem duas vezes antes de investir na América Latina. Na Argentina, há bastante incerteza com relação ao crédito soberano. O país, contudo, não tem um grande mercado de capitais, mas forma uma grande parte dos bonds de emergentes, então isso é algo que vai trazer bastante incerteza nos próximos meses.
IM: Vocês estão posicionados na Argentina? Qual o tamanho da posição?
Harting: Temos uma pequena posição em bonds argentinos, que representam menos de 1%, e que estão sendo negociados com um desconto de mais de 30%. Mas é uma estratégia arriscada, então queremos limitar o tamanho.
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