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O Chile está passando pelo seu momento de maior turbulência política desde o fim da ditadura Pinochet. No centro do debate, estão questionamentos genéricos sobre o modelo de desenvolvimento chileno e críticas justas ao sistema de previdência e às políticas de combate a desigualdade.
Pode existir razão nestas últimas, mas os dados não permitem afirmar, como muitos tem feito, que o “neoliberalismo” deu errado no Chile. Nenhum país latino-americano deu mais certo nas últimas décadas.
Para entender o que está acontecendo, é importante olhar além das manchetes e discursos da semana. A insatisfação presente nos dias de hoje não pode obscurecer um fato incontestável: o Chile é o maior caso de sucesso econômico da América Latina.
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Por outro lado, seria ingênuo usar um punhado de dados positivos para negar a racionalidade de quem saiu às ruas esta semana. Um conjunto crescente de evidências tem apontado para o papel da desigualdade social na estabilidade política de um país.
Mesmo um apologista do modelo chileno deve reconhecer que o descontentamento popular nos últimos dias pode colocar em risco as instituições que elevaram o Chile, pela primeira vez em sua história, ao posto de país mais desenvolvido da América Latina. Ninguém pode se dar ao luxo de ignorar críticas.
Esse não será o último texto sobre o Chile no blog. Nos próximos, pretendo comentar em maiores detalhes problemas como o sistema de previdência chileno, da concentração de renda e outros.
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Antes disso, neste primeiro texto, discuto um fenômeno tão importante que deveria ser visto como base das discussões sobre o país: há algo especialmente bom nas instituições chilenas, méritos incontestáveis que precisam ser apreciados.
Em 2017, último ano com resultado divulgado no site da ONU, apenas dois países latino-americanos estavam entre os 50 primeiros do mundo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): Chile, em 44º, e Argentina, em 47º.
Quando olhamos para praticamente todas as principais métricas de desenvolvimento, o resultado entre países latino-americano é semelhante:
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– O Chile tem o maior PIB per capita, seguido da Argentina (Fonte: Banco Mundial)
– Os estudantes chilenos tem a melhor nota no PISA, seguidos dos argentinos (Fonte: OCDE)
– A porcentagem de chilenos com renda inferior a U$ 5,50 é a menor da América Latina, seguida da porcentagem de argentinos. (Fonte: Banco Mundial)
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O mesmo se verifica observando outras linhas de pobreza, o acesso a saneamento básico e os mais diversos indicadores de desenvolvimento.
Apesar de próximos em muitos indicadores, Argentina e Chile têm trajetórias e instituições bem diferentes – que incluem e o crescimento econômico, mas não se restringem a ele.
A Argentina é conhecida em todo o mundo como principal exemplo de país ex-rico. Em 1910, de acordo com a Angus Maddison Database, somente Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e Bélgica tinham PIB per capita superior ao argentino. A mesma base de dados mostra que o PIB per capita argentino foi maior que o chileno desde o início da série de dados, nos primeiros anos do século 19.
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Historicamente, a posição de mais rico dos países sulamericanos sempre foi da Argentina. Os chilenos assumiram a liderança em PIB per capita apenas no começo desta década, em 2012.
Essa conclusão – i. e. o Chile é o país mais desenvolvido da América Latina, tendo tomado o posto da Argentina recentemente – é importante porque o posto de país mais desenvolvido do subcontinente não foi ocupado por razões históricas. O Chile não estava predestinado a ter o maior bem-estar social do continente. Esse é um mérito das atuais instituições chilenas.
Observando os dados do Banco Mundial, mais precisos em anos mais recentes, é possível notar que o Chile tinha PNB (Produto Nacional Bruto) por pessoa inferior ao do Brasil no início dos anos 90. A mesma conclusão se mantem quando olhamos o PIB por pessoa.
O gráfico apresenta Argentina, Brasil e Chile como % do PNB por pessoa americano. Nele, é possível notar que o Chile está se aproximando dos países mais ricos do mundo, embora ainda exista muito caminho a percorrer.
Isto foi possível graças a uma incrível expansão do PIB por pessoa. Desde 1986, o crescimento médio neste indicador foi de 3,6%. É um ritmo de crescimento muito mais próximo da Índia (4,7%) do que do Brasil (1,1%) ou Argentina (1%). Como resultado, o PIB per capita chileno mais do que triplicou no período, enquanto o crescimento acumulado no Brasil e Argentina ficou ao redor de 40%.
O gráfico abaixo, com as 10 maiores economias sulamericanas, começa em 1981. Isto é importante para o assunto que pretendo discutir daqui a alguns parágrafos: a reforma da previdência chilena, realizada em 1981. Diversos estudos acadêmicos apontam que essa reforma deu uma contribuição substancial para essa taxa de crescimento.
Apesar da Argentina ser menos desigual, o fato do PIB per capita chileno ser superior fez com que a pobreza se tornasse menor no Chile. O gráfico abaixo mostra a porcentagem da população de cada país com renda inferior a U$ 5,50 dólares por dia. O comportamento é similar ao de outros dados, com o Chile ultrapassando a Argentina nos últimos anos.
Por conta da evidência acima, tenho dificuldade em compreender a opinião de economistas como Monica de Bolle, que questiona a menção ao Chile como exemplo que o Brasil deve seguir. Tenho grande respeito profissional por de Bolle, mas creio que ela está errada ao afirmar isso. O Chile não é perfeito, mas deve ser apreciado como maior caso de sucesso da América Latina e um dos maiores do mundo.
Ao buscar exemplos para o Brasil, faz sentido olhar para o subcontinente no qual estamos inseridos. Por razões históricas, esta banda do planeta tem mais desigualdade, insatisfação popular e instabilidade política do que outras. O que diferencia o Chile dos vizinhos revela mais do que as semelhanças que estão nos holofotes da semana.
Os dados de educação e pobreza sugerem que não faz sentido associar esse crescimento econômico a uma mera melhora de bem-estar dos ricos. O maior nível de desenvolvimento do Chile – que é crescente – também se confirma em outros indicadores, como a expectativa de vida. Uruguai e Argentina foram recentemente ultrapassados pelos chilenos.
Antes de eventuais discussões sobre o que levou milhares de chilenos às ruas, é importante reconhecer que nenhum conjunto de instituições deste continente tem tido tanto sucesso em gerar aumento de bem estar para os seus cidadãos.
Não se trata de afirmar que o Chile é um paraíso na terra. Mas de reconhecer aquilo que é incontestável em distintas métricas sociais (e não apenas econômicas): nas últimas décadas, nenhum país latino-americano teve sucesso comparável ao do Chile.
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