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SÃO PAULO – Mais de três anos se passaram desde que o povo britânico decidiu que queria deixar a União Europeia e até agora ninguém garante quando – e nem se – isso realmente irá acontecer. Marcado inicialmente para 29 de março de 2019, hoje o chamado Brexit é previsto para 31 de janeiro de 2020.
O atual primeiro-ministro, Boris Johnson, é o terceiro que ocupa o cargo na tentativa de fazer o processo de saída acontecer. Seus antecessores lutaram para conseguir realizar o chamado “Brexit suave”, ou seja, com um acordo bem desenhado entre as duas partes para evitar problemas durante o divórcio, mas sem sucesso.
Diante do grande impasse, Johnson decidiu antecipar as eleições gerais, que deveriam acontecer apenas em 2022. O pleito, que ocorreu em 12 de dezembro de 2019, garantiu a maioria para o seu partido, Conservador, abrindo caminho para que o Brexit realmente aconteça.
Depois de tanto tempo de negociação, existem mais dúvidas que certezas sobre o assunto. Entenda o que aconteceu até aqui neste processo:
Como o Brexit começou
A decisão do Reino Unido deixar a União Europeia teve início como um acordo político. De olho em conseguir ser reeleito, o então primeiro-ministro David Cameron, que fazia parte da ala conservadora, decidiu se aliar ao Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês).
Porém, para apoiar o premiê, a sigla exigiu que fosse realizado um referendo em que a população iria decidir se iria ficar ou sair do bloco europeu. Em 1975, dois anos após entrar para a UE, o Reino Unido já havia feito isso e ganhou o “permanecer”.
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Partido de forte viés nacionalista, o UKIP argumentava que os europeus retiravam a soberania britânica em assuntos econômicos e questões imigratórias. Vale lembrar que mesmo aceitando fazer parte da UE, o Reino Unido nunca aceitou 100% os termos do bloco.
Entre outras coisas, eles mantiveram sua própria moeda, a libra esterlina, além de não fazer parte do chamado Espaço Schengen, que permite a livre circulação de pessoas.
No dia 23 de junho de 2016, por 51,9% a 48,1%, a população britânica decidiu deixar a União Europeia. O resultado levou à queda do premiê David Cameron.
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O calendário (até agora) do Brexit
Segundo o Artigo 50 do Tratado de Lisboa (que trata sobre o funcionamento da UE), uma vez comunicado ao bloco, o desmembramento de um país ocorre efetivamente em dois anos. Como a nova primeira-ministra, Theresa May, entregou os documentos em março de 2017, o Brexit ficou marcado, inicialmente, para 29 de março de 2019.
No fim daquele ano, May aceitou o pagamento de 45 bilhões de euros para que o Reino Unido deixasse o bloco, além de um período de dois anos de transição após a efetiva saída.
A grande questão é que, apesar do Brexit ser aprovado, não havia nenhum termo definido, não existia uma proposta fechada entre as duas partes para tudo isso acontecer. Por isso, desde que assumiu o cargo, a maior missão de May foi arquitetar um acordo que agradasse tanto os britânicos quanto os europeus.
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Com isso, ela costurou o que ficou conhecido como “acordo de retirada”, que tratava das regras para todo o processo. Porém, após todo o trabalho, a premiê foi derrotada três vezes no Parlamento do Reino Unido, sendo que uma delas, por 230 votos de diferença, foi considerada a pior derrota do governo britânico desde 1924.
Em meio a todas essas dificuldades, o processo de divórcio foi adiado diversas vezes, passando para começo de abril, depois para junho, outubro, e atualmente é esperado para 31 de janeiro de 2020. Neste meio tempo, vendo que não conseguiria ter sucesso, May acabou renunciando ao cargo.
A gestão de Boris Johnson
Em 23 de julho, Boris Johnson foi eleito primeiro-ministro com uma proposta muito mais agressiva. Desde o seu primeiro discurso, afirmou que o Reino Unido deixaria a UE em 31 de outubro com ou sem acordo, mas sua relação com o Parlamento se mostraria um grande problema, com diversas derrotas em votações importantes.
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Ainda nas primeiras semanas no cargo, Johnson viu o deputado Phillip Lee deixar o Partido Conservador, migrando para o Liberal Democrata, levando o premiê a perder a maioria na Câmara.
Sua primeira grande decisão na função ocorreu em 28 de agosto, quando conseguiu a autorização da Rainha Elizabeth II para suspender o Parlamento por cinco semanas. A estratégia de Johnson era simples: com a paralisação, os parlamentares não teriam muito tempo para aprovar medidas que pudessem adiar ou evitar o Brexit.
Porém, sem ter a maioria e com a polêmica em torno da decisão, a primeira reação do Parlamento foi dura. Os deputados aprovaram uma proposta para proibir o “Brexit duro”, levando Johnson a tentar convocar novas eleições e deixar o cargo. Mas nem isso ele conseguiu aprovar na Câmara.
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“Prefiro estar morto numa vala [a pedir o adiamento do Brexit]… Não quero uma eleição, mas não vejo outra saída” – Boris Johnson
Os planos de Johnson seguiram em queda quando, após duas semanas de paralisação, a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que a suspensão era ilegal, levando à volta dos trabalhos dos parlamentares.
Na manhã do dia 17 de outubro uma pequena luz surgiu no fim do túnel. Johnson anunciou que conseguiu um acordo com a União Europeia que pode levar ao Brexit no dia 31 de outubro. Num primeiro momento isso parecia uma ótima notícia, mas as dificuldades continuaram.
Estabelecido pela Comissão Europeia como o prazo para se fechar um acordo, o dia 19 de outubro (sábado) foi histórico, com a primeira sessão do Parlamento em um fim de semana em 37 anos. Havia a expectativa da votação do acordo conquistado de última hora, mas os parlamentares acabaram aprovando primeiro uma emenda que levou a um pedido de adiamento do prazo.
Por 322 a 306, os parlamentares aprovaram uma emenda apresentada pelo ex-legislador do Partido Conservador Oliver Letwin, que determina que o acordo de Brexit só poderá entrar em vigor quando uma porção da legislação relacionada à saída for aprovada na Câmara.
Sem muito tempo para garantir esta análise mais completa das regras, Johnson acabou obrigado a pedir um adiamento do prazo, o que foi feito em um documento enviado à Comissão Europeia sem assinatura, como forma de mostrar seu descontentamento com a situação.
Correndo contra o tempo, Johnson conseguiu, no dia 22 de outubro, fazer com que o Parlamento aprovasse o acordo que ele costurou, por 329 votos a 299. Foi a primeira vez em que os congressistas apoiaram qualquer proposta de saída negociada pelo governo com o bloco europeu.
Apesar da vitória, os parlamentares rejeitaram um pedido para adiantamento dos prazos, o que manteve a necessidade de um adiamento do prazo do Brexit. Por conta disso, a Comissão Europeia concedeu a prorrogação para janeiro de 2020.
Com todos estes impasses no Parlamento, Johnson conseguiu a aprovação para antecipar as eleições gerais na busca e reconquistar a maioria na Câmara dos Comuns e assim levar ao avanço de seu acordo para o Brexit.
O premiê conseguiu uma vitória tranquila, com o Partido Conservador garantindo seu melhor resultado desde 1987, com 364 cadeiras no novo Parlamento, uma maioria de 78. A expectativa agora é que o divórcio da UE ocorra realmente em janeiro, mas o período de transição, esperado até o fim de 2020, ainda reserva muitos debates entre as duas partes.
As dificuldades de acordo
Entre as muitas regras estabelecidas em um possível acordo, dois pontos chamam mais atenção e são os que mais têm travado a definição do Brexit.
O primeiro é o modelo alfandegário, que estabeleceria uma zona de livre comércio e um novo acordo com os demais Estados membros da UE, para manter um comércio sem atritos com o continente. Mas dentro do Parlamento isso gera muitas discussões, já que para os mais radicais, esta proposta manteria prejudicada a soberania do Reino Unido.
Mas o grande tema que não deixou um acordo definitivo sair é a relação entre Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, e a República da Irlanda, que está na UE. Atualmente não existem barreiras físicas ou postos de checagem de pessoas ou mercadorias entre os dois países.
Caso sejam restabelecidos estes pontos na divisa, o que é chamado de “fronteira dura”, existe um grande temor de que antigas tensões entre irlandeses e norte-irlandeses possam voltar também. Após 30 anos de conflitos, foi assinado um acordo de paz em 1998 entre nacionalistas, que queriam a integração com a Irlanda, e unionistas, que queriam que o Norte continuasse fazendo parte do Reino Unido.
Por outro lado, a manutenção de uma fronteira “livre” é bastante criticada pela ala britânica mais radical pró-Brexit, já que neste modelo, o Reino Unido acabaria ficando dentro da união aduaneira da UE. Para eles, isso não só não retoma a soberania britânica como pode ameaçar a própria existência do reino.
As consequências do Brexit
Todas as incertezas estão aqui, principalmente por não se saber se haverá um Brexit com ou sem acordo. Com certeza uma saída mais “tranquila”, com regras estabelecidas irá amenizar os impactos econômicos, que mesmo assim serão pesados principalmente para o Reino Unido e a UE, mas com potencial de pesar no mundo todo.
Na avaliação mais recente feita pelo Banco da Inglaterra, no “pior caso de um cenário sem acordo e sem transição”, haveria uma queda de 5,5% no Produto Interno Bruto (PIB) britânico.
Ainda no cenário do “Brexit duro”, segundo a Bloomberg, a maior vítima seria o próprio Reino Unido, que certamente entraria em recessão. Já para a zona do euro, o Banco Central Europeu (BCE) avalia que haveria um impacto entre 10% a 30% do efeito nos britânicos, o que marcaria a diferença entre apenas desacelerar e também entrar em recessão.
Em meio ao cenário de guerra comercial entre Estados Unidos e China e outras questões em países europeus, especialistas ainda se dividem sobre se o Brexit poderia realmente levar a uma recessão global por si só. A questão é que, em um momento delicado no mundo todo, este evento poderia pesar bastante negativamente.
O Brasil também deverá ser bastante impactado. Recentemente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou que, dependendo de como o Brexit acontecer, a indústria brasileira poderá amargar perdas anuais de até US$ 736 milhões em exportações.
Isso porque a UE já anunciou que, com a saída do Reino Unido, reduzirá suas cotas preferenciais fixas que mantém com outros países, sendo que com o Brasil serão eliminadas 11 cotas específicas de importação. A CNI estima que isso leve a uma perda de exportações de 112 mil toneladas já no primeiro ano.
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