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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores.
No clássico Catch 22 de Joseph Heller, o soldado americano John Yossarian se vê diante de uma situação sem saída. Uma armadilha das regras.
A trama ficcional se passa durante a Segunda Guerra. Yossarian está furioso porque o exército lhe obriga a cumprir missões de guerra cada vez mais perigosas.
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Pelas regras vigentes, a única maneira de que dispõe Yossarian para evitar essas missões perigosas é declarar-se insano. Yossarian vai então ao médico do exército, Doc Daneeka, pedir um atestado de insanidade.
Mas Doc Daneeka lhe adverte: o artigo 22 do livro de regras contém uma pegadinha (um “catch” – daí o título do livro: Catch 22).
A pegadinha é a seguinte: quem quiser sair do serviço de combate não será considerado louco. Ou seja, um soldado demonstra sua sanidade ao solicitar a dispensa por insanidade.
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Por isso, a única maneira de demonstrar insanidade é realizar mais e mais missões perigosas! Em outras palavras: a regra está lá. Mas por causa da pegadinha, não serve pra muita coisa. Não gera os seus efeitos práticos mais óbvios.
A brincadeira é ótima, e a armadilha lógica deixa o livro divertido, apesar de um pouco angustiante.
No Brasil, a prática judicial imita a arte, em cores muito vivas.
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Uma dessas armadilhas lógicas criadas pelo Judiciário diz respeito à responsabilização do sócio por dívidas tributárias da empresa insolvente.
Em tese, em uma empresa de responsabilidade limitada, as dívidas da empresa não se confundem com as dívidas do sócio. Salvo comprovada fraude, o sócio não responde pela dívida tributária da empresa.
Os sócios não são, portanto, “garantes” da empresa. A dívida da empresa é uma coisa. O patrimônio pessoal do sócio, outra. Assim, o sócio não arca com o passivo tributário em aberto da sua empresa quando esta se torna insolvente.
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Essa é a regra. E ela é muito importante para fomentar a atividade empresarial.
Mas há uma pegadinha. Podemos chamá-la de “catch 135” (em alusão ao artigo 135 do Código Tributário Nacional, que a ampara).
A pegadinha é a seguinte: o sócio responde pelas dívidas fiscais da empresa se ela tiver sido dissolvida irregularmente.
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Acontece que nenhuma empresa que quebrou encerra suas atividades com o passivo tributário em dia. Logo, toda empresa quebrada tem sua dissolução “irregular” (a irregularidade está justamente no fato de que débitos tributários não foram quitados e a empresa não pôde ser formalmente encerrada).
Trocando em miúdos, quer dizer que a regra da responsabilidade limitada dos sócios, em matéria tributária, é muitas vezes um conto de fadas. Na prática, é muito comum sócios acabarem respondendo por dívidas tributárias da empresa insolvente.
O Catch 135, portanto, acabou com a responsabilidade limitada dos sócios em matéria tributária.
E daí?
Walt Disney quebrou antes de criar o Mickey Mouse. Henry Ford quebrou antes de inventar o Ford Model T, Milton Hershey quebrou antes de industrializar seus chocolates. Donald Trump quebrou antes de se tornar presidente. Abraham Lincoln também. Há muitos outros exemplos.
Mas no Brasil, por causa do Catch 135, histórias como essas são muito difíceis de acontecer.
É uma pegadinha mesmo.
Um dos autores do presente texto (Bruno Salama) publicou em 2014 um longo livro intitulado “O Fim da Responsabilidade Limitada no Brasil: História, Direito e Economia”. A tese do livro era a de que, cada vez mais frequentemente, dívidas não honradas pelas empresas ditas “limitadas” estavam sendo automaticamente redirecionadas aos seus sócios.
O título gerou certo alarme. De lá para cá, muitas iniciativas foram tomadas para domar o problema.
O Novo Código de Processo Civil criou o chamado “incidente de desconsideração de personalidade jurídica”. A Reforma trabalhista tratou do redirecionamento dos débitos trabalhistas. E, recentemente, a festejada Lei da Liberdade Econômica reforçou a limitação de responsabilidade na esfera das obrigações cíveis e comerciais
Tudo muito bonito, mas ficou faltando o principal: a esfera tributária.
É preciso criar condições para o florescimento da atividade empresarial no país. Para isso, é preciso, antes tarde do que nunca, acabar com o redirecionamento tributário.
Ou então, que o Judiciário perceba o erro – que não vem de hoje – e o faça ele próprio.
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Bruno Meyerhof Salama – leciona em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Advogado no Brasil e nos Estados Unidos. Twitter: @Brunomsalama
Luiz Roberto Peroba Barbosa – Sócio do Pinheiro Neto Advogados possui especialização em direito pela Universidade de Nova York. Atuou no Núcleo de Estudos Fiscais, na Associação Brasileira de Direito Financeiro e na Associação Brasileira do Direito da Informação e Telecomunicações.
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