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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são de responsabilidade do autor e nãp necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores.
Criptomoedas são ativos digitais que funcionam como meio de troca. Eles utilizam criptografia para formalizar transferências. Por isso, um dos problemas com as criptomoedas é que dão margem para trocas anônimas, envolvendo diversas jurisdições e em altíssima velocidade. O anonimato é conveniente para a realização de operações ilegais, sonegação fiscal e para a prática de crimes como a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Essa é uma das dores de cabeça que reguladores mundo afora têm com o avanço das criptomoedas. Há outras.
A adoção de padrões internacionais tem sido um dos caminhos adotados para lidar com o problema do anonimato e ocultação de identidade. As principais iniciativas são capitaneadas pela Financial Action Task Force on Money Laundering, mais conhecida pela sigla FATF (muita gente no Brasil prefere a sigla francesa, GAFI – Groupe d’action financière).
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A FATF foi fundada em 1989 pelo G7. Na época, o G7 era o clube das nações ricas do ocidente, além do Japão. A FATF emite recomendações. A fiscalização é feita em um regime de cooperação internacional pelo mecanismo de peer reviews. Ou seja, um país cobra o outro.
Era muito aguardado, e finalmente veio. Em 21 de junho de 2019, a FATF publicou um novo guia de análise de risco de lavagem de capitais e financiamento de terrorismo para o setor de ativos virtuais.
A principal regra visa coibir justamente o anonimato. A recomendação é para que os prestadores de serviços com ativos digitais recolham informações sobre seus clientes quando realizam transferências de valores.
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Essa regra vale em particular para as corretoras de ativos virtuais, popularmente conhecidas como “exchanges”. Mas não só para elas. Os indivíduos que trabalhem com criptos como um negócio também estarão sujeitos à regulação.
Trocando em miúdos, isso quer dizer que o setor de criptos deverá ser regulado e submetido a medidas de prevenção de lavagem de capitais.
Pela recomendação da FATF, as exchanges estarão obrigadas a obter uma licença ou registro perante algum órgão governamental. Um dos elementos que deverá ser levado em consideração no licenciamento e registro desses provedores é sua capacidade de reduzir o risco de atividades que envolvam tecnologias de aumento do anonimato do remetente, recipiente, titular ou beneficiário final dos ativos virtuais, como os “mixers” e tumblers.
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Além da licença ou registro, os provedores de serviços com ativos virtuais deverão implementar sistemas de prevenção e controle de lavagem envolvendo a identificação de seus clientes, o registro dos negócios e a comunicação de operações suspeitas.
Os negócios com moedas virtuais têm uma rastreabilidade superior àquela dos negócios feitos com dinheiro em espécie ou depósitos bancários. Cada operação é disponibilizada na web. O grande problema reside não em saber o caminho do “dinheiro”, mas, sim, em identificar quem tem disposição sobre ele.
A recomendação da FATF é para que a identificação inclua o nome do remetente, o número da conta do originador da operação (sua e-wallet), seu endereço geográfico e identidade; e ainda o nome do beneficiário e o número de sua conta (e-wallet).
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A sede do FATF hoje se localiza na sede da OCDE em Paris. São organizações diferentes, mas trabalham juntas. O Brasil pleiteia atualmente o ingresso na OCDE Isso cria uma pressão extra para que o Brasil faça valer dentro do seu território as recomendações da FATF.
Uma parte desse esforço já está em marcha. Uma Instrução Normativa da Receita Federal de maio de 2019 (IN 1888) exigiu que as exchanges de criptoativos e também as pessoas físicas e jurídicas que realizem operações com criptoativos fora das exchanges ou no exterior forneçam uma série de informações sobre as operações, seus titulares, a quantidade e valor da operação, bem como o endereço das e-wallets de remessa e de recebimento. Essas regras passam a valer agora em agosto.
As regras da Receita têm fins tributários e podem servir para coibir a sonegação fiscal. Mas não satisfazem as orientações emitidas pela FAFT. A Receita não exige, por exemplo, o registro ou licença desses provedores de serviços. Tampouco lhes impõe a adoção dos mecanismos de prevenção e controle da lavagem de capitais e financiamento do terrorismo, como a comunicação de operações suspeitas, por exemplo.
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Isto quer dizer que será necessário regular esses aspectos. O órgão responsável pelo licenciamento/registro provavelmente será também o encarregado de emitir a regulação antilavagem para o setor. CVM e Banco Central parecem os candidatos naturais.
A regulação das exchanges vai dar certo? Em publicações especializadas, encontra-se quem diga que as novas recomendações trarão menos transparência para o setor – e não mais transparência, como desejam os proponentes e apoiadores dessas regras, especialmente os Estados Unidos e seus bancos.
A demanda por criptos é em parte movida pela busca do anonimato. Sem o anonimato, é possível que os negócios com criptos simplesmente não sejam realizados nas exchanges. Isso é o que acontece na China, onde essas exchanges estão proibidas.
Ou seja: as novas regras podem empurrar os negócios com criptos para debaixo do tapete, onde continuariam a acontecer normalmente.
Não que a demanda por criptos decorra somente da busca pelo anonimato. O Bitcoin, por exemplo, funciona como um “ouro sintético”. Apesar de não pagar juros nem dividendos, tem valor por causa da convenção de que funciona como reserva de valor. Essa convenção é impulsionada pela existência de um estoque limitado de Bitcoins – 21 milhões de unidades a serem mineradas, nada mais.
Além disso, ao lado do Bitcoin, existem muitas outras criptomoedas que atendem a finalidades diferentes e também são negociadas nas exchanges. O Ripple é utilizado para realizar remessas de recursos ao exterior (embora, no caso específico do Brasil, exista uma longa discussão sobre a legalidade dessas remessas fora do sistema bancário). O Ethereum é utilizado para implementar os smart contracts, ou contratos inteligentes. Ou seja, as criptos podem criar outros tipos de conveniência. Não é só o anonimato.
Diante disso, as exchanges que se dispuserem cumprir as regras da FATF poderão se dissociar da pecha de ilegitimidade que cerca as criptos. O preço será a realização de comunicações a autoridades e o preenchimento das montanhas (digitais, que sejam) de formulários e procedimentos.
Quão custoso será cumprir com as regras? Certamente, muitos desses procedimentos poderão ser feitos de maneira automatizada, inclusive com mecanismos de inteligência artificial. Mas a extensão do uso da automatização vai depender dos detalhes da regulamentação de cada país.
Na prática, além de coibir o anonimato, esses procedimentos poderão prejudicar tanto a rapidez como o baixo custo das operações. Eis a dúvida: será que ainda vai sobrar demanda para as exchanges quando a dança da compliance começar?
Essa é uma boa pergunta. Pode ser que os grandes players consigam retomar o mercado “limpo” para si. É para isso que torcem as corretoras, instituições financeiras e grandes empresas de tecnologia interessadas na criação de novas plataformas.
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Sobre os autores:
Bruno Meyerhof Salama – Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Advogado admitido pela OAB e pelo New York State Bar. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Doutor em direito e mestre em economia. Twitter: @Brunomsalama
Heloísa Estelita – professora da Direito FGV SP onde dirige o Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico. Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Bolsista da Alexander von Humboldt Stiftung (Alemanha). Consultora e parecerista.
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