Retomada acelerada da China eleva o risco inflacionário global em 2023?

Alerta foi dado por Christine Lagarde em Davos; preços de commodities tende a subir, mas análise é que cadeias de suprimentos se favoreçam

Roberto de Lira

(Shutterstock)

Publicidade

Uma acelerada recuperação da economia chinesa em 2023 (as projeções variam de alta de 4,5% a 5,5% para o PIB) motivada pelo levantamentos da restrições de mobilidade no gigante asiático que – em maior ou menor medida – perdurou por quase três anos deve oferecer ao mundo uma oportunidade de crescimento superior às mais recentes estimativas. Mas coloca também na conta um risco de pressão inflacionária que não deve ser desprezado.

Durante a realização do Fórum Econômico Mundial, realizado na semana passada em Davos, na Suíça, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, explicitou essa preocupação durante um debate. “A mudança da política de covid vai reavivar a economia. Isso é positivo para o resto do mundo, mas haverá mais pressão inflacionária”, afirmou.

Numa mesa redonda patrocinada pelo The Wall Street Journal na quarta-feira (18), o presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, também disse acreditar que a reabertura da China, combinada com uma chance menor de recessão na Europa, pode fazer com que a inflação reacelere.

Continua depois da publicidade

“Eles (a China) abandonaram sua política de covid-zero e estão caminhando para a reabertura mais cedo do que o esperado. Isso soa como uma pressão ascendente renovada na margem dos mercados globais de commodities”, disse Bullard, acrescentando que esse risco terá de ser levado em consideração pelo Fed ao fazer sua política monetária. “Alguns dos fatores que favoreceram a história transitória de 2022 podem estar se invertendo aqui”, alertou.

O principal ponto de atenção de Lagarde é quanto a possível nova alta de preços de energia, o maior vilão dos índices de inflação europeus no último ano. A desinflação experimentada nos últimos meses está relacionada à menor pressão nos preções de gás no continente, após uma dura busca de alternativas ao produto russo, que escasseou tanto pela guerra na Ucrânia, quanto pelas sanções aplicadas pela União Europeia.

Mas a China é concorrente desse tipo de energia em todos os mercados e uma demanda exagerada deve naturalmente implicar em preços mais altos. Um relatório recente da S&P Global Commodity Insights apontou que a atividade econômica renovada pode aumentar a demanda total de energia da China em 3,3 milhões de barris de petróleo óleo equivalente por dia em 2023, contra um crescimento nulo em 2022.

O fato é que a China sofreu fortemente os impactos da política mais restritiva de combate à pandemia, especialmente no atual surto da Omicron e suas subvariantes. Com bloqueios, quarentenas forçadas e testagem em massa, o PIB cresceu apenas 3% em 2022, metade do ritmo observado antes da crise sanitária, em 2019. Em 2020, o desempenho tinha sido pior, com alta de 2,2%. Partindo dessa base baixa, a economia cresceu 8,1% em 2021.

Um dos efeitos disso foi um forte represamento do consumo. Segundo dados oficiais, os saldos bancários das famílias chinesas saltaram 48% desde o início de 2020, com um aumento líquido nas contas atingindo cerca de US$ 5,6 trilhões. A gestora americana Mattews Asia destaca que isso é maior do que o PIB do Reino Unido em 2021 e igual a 96% das vendas no varejo da China em 2019.

Só isso, segundo a gestora já aponta para um combustível significativo para uma recuperação dos gastos do consumidor, bem como uma recuperação contínua das ações da China continental, onde os investidores domésticos detêm cerca de 95% do mercado.

Impactos

Um relatório elaborado pelo Morgam Stanley procurou mensurar o quão inflacionária pode ser essa retomada chinesa no aspecto do transbordamento (“spillover”) para o restante do mundo, em especial para as demais economias asiáticas. O banco de investimentos tem um cenário -base de reinflação modesta na China no campo doméstico e efeitos moderados de transbordamento para o resto da Ásia. Mas avalia que há riscos de alta.

O primeiro risco está relacionado à manutenção da expansão fiscal na segunda economia do planeta, com formuladores de políticas continuando a pressionar pelo crescimento, em vez de remover o suporte de forma anticíclica. O segundo é a recuperação do combalido mercado imobiliário chinês tiver um ritmo mais rápido do que o esperado, afetando os preços das commodities.

Também existe uma apreensão com os efeitos de uma forte recuperação no turismo externo da China, o que elevaria a inflação de serviços em outros países, inicialmente os asiáticos. Por fim, existe a possibilidade de tensões geopolíticas crescerem no ano, também empurrando para cima os preços das commodities. Já há leituras, por exemplo, de que uma reaquecimento rápido na China possa levar o preço médio do barril de petróleo para um patamar acimados US$ 100 em 2023.

Choques

Para a Bloomberg Economics, além de elevar preços globais de commodities, a atividade aquecida na China poderia criar choques na cadeia de suprimentos que pressionariam os preços de muitos bens e serviços.

Supondo que a China esteja totalmente aberta em meados de 2023, incluindo aí o fim de restrições ocidentais a viajantes chineses, a Bloomberg Economics estima que os preços da energia aumentarão 20% e o índice de preços ao consumidor (CPI) dos EUA pode interromper o processo de desinflação atual

O relatório diz que uma China em recuperação aumentaria as importações de petróleo, commodities e matérias-primas, ao mesmo tempo em que elevaria a demanda por assentos de avião, quartos de hotel e imóveis no exterior.

A Tenax Capital cometou em sua última Carta ao Gestor que a Ásia é a primeira região a ser impactada pela reabertura da China por conta do turismo. “Na média, os gastos chineses com turismo no exterior têm rodado perto de US$ 100 bilhões desde a pandemia contra um padrão de US$ 250 bilhões antes do Covid-19.

Segundo o relatório da Tenax, nos casos de Hong Kong, Tailândia e Vietnam, os gastos de turistas chineses em 2019 corresponderam a 6,1%, 3,0% e 1,1% do PIB, respectivamente. “Aproximadamente 12 milhões de turistas chineses foram à Taiwan em 2019, cerca de 50% da população do país, ou seja, a volta da movimentação dos turistas chineses terá grande representação para muitos dos menores países asiáticos.”

Para a empresa, a reabertura chinesa vem num momento em que os ciclos de aperto monetário já se encontram bastante avançados nas principais economias globais. Portanto, é natural que o tema “inflação” passe a dar espaço ao tema “atividade/recessão”.

“Nesse contexto, o religamento da segunda maior economia do mundo suscita dúvidas sobre como isso pode afetar essa dinâmica ‘inflação x atividade’, potencialmente prolongando os ciclos de aperto ou atrasando o tão esperado pivô dos bancos centrais”, afirmou o relatório.

Visão otimista

Para a Julius Baer, no entanto, é exatamente no efeito de uma produção maior chinesa que está depositada a esperança de que não vai haver uma reativação da inflação global. “A combinação de uma recuperação da produção industrial e das cadeias de suprimentos na China com uma recuperação bastante gradual e moderada da demanda chinesa elimina o risco de que a reabertura da China reavive a dinâmica da inflação global”, afirmou em relatório.

O diagnóstico é o mesmo apresentado pelo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, em entrevista à CNBC durante o Fórum Econômico Mundial. “Um dos impulsionadores da inflação foi o choque relacionado ao fato de a oferta global não ser capaz de acompanhar a demanda com a rapidez necessária. Assim, a China voltando ao mercado global com seriedade e as cadeias de suprimentos funcionando com mais eficiência ajudarão a reduzir a inflação”, afirmou.

Aula Gratuita

Os Princípios da Riqueza

Thiago Godoy, o Papai Financeiro, desvenda os segredos dos maiores investidores do mundo nesta aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.